Kleber, adorno e conteúdo da cultura goiana

Kleber, adorno e conteúdo da cultura goiana (Diário da Manhã, 21/01/09)

Quando, mais tarde, se escrever a história do desenvolvimento cultural, no Estado de Goiás, o nome de Kleber Branquinho Adorno se destacará, com o merecido relevo. E com uma singularidade: Kleber é o produto refinado da geração que nasceu, floresceu e frutificou em Goiânia, a nova capital oficialmente inaugurada a 5 de julho de 1942.

Filho de Delfino Curado Adorno, e de dona Lília Branquinho, Kleber bacharelou-se em Direito na Universidade Federal de Uberlândia-MG; e, mais tarde, em Filosofia, na Universidade Federal de Goiás.

Seu espírito de liderança revelou-se em tenra idade, voltado para o jornalismo. Eis como Hugo Zorzetti registra o primeiro encontro com o futuro pregoeiro da cultura, em Goiás:

“Conheci Kleber Adorno há, aproximadamente, uns dez anos (depoimento de 1978). (...) Foi quando, numa manhã perdida nesse amontoado de tempo, entrou pela redação (do jornalzinho de Hugo Zorzetti) um menino com ares de quem vê o mundo de cima da escada, trazendo um punhado de livros debaixo do braço e distribuindo autógrafos pra Deus e todo mundo. Era o Kleber Adorno” (in prefácio a Procissão pra Santo Trouxo & Outros Contos do Mesmo Feitio ), pág.7.
Por sua vez, E. Pacote assim se manifesta, na orelha de Secreta Seiva:
“Dono das palavras e senhor do ritmo, o poeta se desnuda sem perder a compostura. Transforma em cantatas – às vezes melancólicas ou levemente amargas, dramáticas nunca – as pequenas decepções do cotidiano. O amor é eterno enquanto dura, parece repetir com resignação, aceitando sem qualquer cinismo e sem deixar de ser romântico a constatação inevitável.
E prossegue:
“O voo condoreiro da eloquência fácil não o conquista. Depressa as rimas que têm a sonoridade e o brilho dos fogos de artifício. Prefere esgrimir os verbos e os substantivos sem o enfeite dos adjetivos.”
Essas palavras proferidas e registradas em 1992, na edição de Secreta Seiva, se mantêm atuais. Porque a imagem de Kleber é perene, acentuando-se nos contornos, ao longo do tempo, que nunca o envelhecem, apenas o amadurecem.
Assim é que, enquanto confabula com as musas, que jamais o abandonaram, não perde o espírito prático que sempre o acompanha, desde a tenra idade, como ativista cultural. Tanto que integra entidades eminentemente culturais: foi presidente da União Brasileira de Escritores/Goiás, por dois mandatos consecutivos, de 1983 a 1987. Secretário de Cultura do Estado, de 1987 a 1990, deixou marcas indeléveis de sua passagem pela pasta, em Goiânia, e em todo o Estado. Nessa ocasião, foi eleito presidente do Fórum Nacional de Secretários de Cultura, tornando Goiás o centro das atenções nacionais. É dessa época sua campanha contra a onda de preconceitos envolvendo Goiânia, em razão do acidente radioativo, conhecido como césio-137, obtendo pleno êxito, com a vinda de artistas globais a Goiânia, a fim de prestarem solidariedade às vítimas do césio. Ainda como secretário de Cultura, liderou a caravana de artistas goianos à Feira de Dijon, na França, com grande repercussão em todo o território nacional.
Como secretário municipal de Cultura por mais de uma vez, criou a Bolsa de Publicações Cora Coralina. E, também, o Centro Cultural Martim Cererê, o Centro Cultural Gustav Ritter, o Centro Cultural Marieta Telles Machado, o Museu de Arte Contemporânea de Goiás, o Espaço Cultural Octo Marques, e inúmeras outras iniciativas do governo.
Toda essa atividade cultural, tanto no Município quanto no Estado, fê-lo merecedor de uma Cadeira na Academia Goiana de Letras.
Sua produção literária é das mais elogiadas, destacando-se : Avanço-1, 1968; Procissão pra Santo Frouxo e outros contos do mesmo feitio (1978), Sinfonia do Só (1984), Secreta Seiva (1992), Lições do Parlamento (1993), O Município em Movimento e Diretrizes Preliminares de Governo para os Municípios Goianos (1994), Manual de Vereador - Guia Prático de Orientação Legislativa (1994), 72 Anos de Goiânia (2005), coletânea de artigos. Porquanto, no turbilhão de suas atividades político-administrativas, ainda há tempo para a comunicação com o seu imenso público, através de seus artigos e crônicas na imprensa diária.
Dessa vasta safra poética, destaco alguns poemas de Secreta Seiva, capa e projeto gráfico de Laerte Araújo Pereira, ilustrações de Siron Franco, fotografias de Regina Caldas Esteves Pereira.
Ei-los.
Não pude
“Pensei te levar a sério /
mas não pude /
pois sou pássaro /
? asa e ar ? /
e às vezes /
me transformo em peixe /
que tenta beber o mar.
“Pensei te levar a sério / mas não pude / pois sou feixe / foice de luz / e tenho sede” (pág. 35).
Loucura Mansa
“Porei na tua boca / a explosão de um desejo / de sangue, pele e nervos, / minha vontade mais louca.
“Depois vou manso / perder o senso / e gozar essa dormência / que me alucina” (pág. 49).
Incêndio
“Tuas fagulhas / me incendeiam. / Às vezes são verdades e pálidas / outras, bronzeadas. / Sempre as levo pro banho / e no ventre sempre / me queimam. / Mas gosto mesmo / é quando me arrebentam / no peito / e me sufocam” (pág. 51).
Relâmpago
“Meu amor / se aventura/ insolvente / nas tuas saliências/ retesadas.
“Bebo tua seiva / que vem súbita / nesta encruzilhada / como um relâmpago / de setembro” (pág. 53).
Platônico
“Faço amor / como faço poemas: inspirado. / E se não desfaleço / é porque sempre me lembro / de que um poeta desesperado / nunca pode perder / o seu furor animi” (pág. 59).
Poder de um Toque
“Um toque / celebra / e viola / o selo / que fecha /
E comprime / teu segredo.
“Um toque / calibra / o medo / que oprime / e abre / tua caixa / em degelo” (pág. 69).
Pórtico
“A porta fechada / é o limite imposto: / constrange / avilta.
“Uma porta / não se explica / quando dela resulta / só paredes / e dobras disso” (pág. 79).
No prefácio da Secreta Seiva, a notável crítica literária Darcy França Denófrio assim se manifesta, com o brilho e a segurança que lhe são a marca inconfundível:
“O conjunto de obras de um poeta deve, necessariamente, mostrar a evolução de seu percurso lírico. Quase afásico, sob a influência da Práxis, Kleber Adorno estreia com Avanço-1, na sua adolescência: dezesseis anos depois, lança Sinfonia do Só, obra com que rompe o dique das palavras e extravasa as suas abundantes águas existenciais; oito anos mais tarde, surge com a Secreta Seiva de sua maturidade poética, sem a exagerada contenção vocabular do primeiro, nem os frequentes espraiamentos verbais do segundo. Parece que o seu fluxo lírico atingiu uma lâmina ideal de sangramento: menos do que isto seria o retorno à inicial secura; mais do que isto seria o risco de um extravasamento desnecessário” (pág. 9).
Darcy França Denófrio, como sempre, foi ao centro da quaestio: Kleber atingiu, como poeta, o auge da maturidade.

E, também, como prosador sucinto, e como administrador competente.



Licínio Barbosa é advogado criminalista, professor emérito da UFG, professor titular da Universidade Católica de Goiás, membro efetivo do IAB -
Instituto dos Advogados Brasileiros, / RJ - RJ,
e de várias outras instituições científicas e
culturais do País e do exterior