APESAR DOS OBSTÁCULOS, PODE SURGIR 30º PARTIDO
APESAR DOS OBSTÁCULOS, PODE SURGIR 30º PARTIDO (Hoje Notícia, 25/01/09)
Mirelle Irene
Um dos pilares da democracia brasileira, o multipartidarismo, é uma das maiores conquistas recentes da nossa sociedade. Afinal, uma série de ditaduras na história – a última, dos militares, em 1964 – trouxe momentos onde a censura proibia o livre pensamento e a livre associação política.
Após a promulgação da Constituição Federal de 1988, porém, uma maior liberdade partidária foi garantida. “A principal discussão que existe sobre os partidos políticos no Brasil é que a Constituição Federal de 1988 permitiu que se criassem muitos partidos”, contextualiza o coordenador do Núcleo de Pesquisa em Comunicação e Política da UFG, professor Luiz Signates.
Mas, em 20 anos, o multipartidarismo brasileiro desenvolveu vícios que maculam o principal objetivo dos partidos – assegurar democraticamente a autenticidade do sistema representativo –, conforme pontua o professor Signates. “A maioria dos partidos no Brasil hoje não representa ninguém, a não ser o interesse especifico de seus líderes”, diz. “Proliferam as siglas de aluguel, usadas apenas como moeda de troca nas articulações políticas”, critica. “O importante não é que existam vários partidos políticos, em termos de quantidade, e sim da representatividade que eles asseguram”, assinala o professor.
Tais distorções, aliadas ao desinteresse da sociedade e a burocracia, tem inibido a formação de novos partidos. Hoje estão registrados 29 no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), sendo que o último a ser criado, o Psol, surgiu de uma dissidência do PT, em 2004.
Muitos interessados em criar uma legenda esbarram também numa infinidade de regras estipuladas pela Lei 9.0960, de 1995, conhecida como Lei dos Partidos, considerada muito rígida. Ela estabelece número necessário de integrantes e um mínimo de representação no território nacional (veja quadro), além de um trâmite que comprove que a legenda a ser formada aglutina certa parcela da sociedade – o que exige um esforço muito grande dos interessados.
Mas o cientista político e pró-reitor da Unievangélica de Anápolis, Itami Campos, acha que é bom que as regras sejam rígidas, pois impedem uma proliferação ainda maior das legendas de aluguel no Brasil. “É realmente um problema. Além disso, um partido representado no Parlamento gera um custo muito alto. Só um dos líderes, por exemplo, exige para atuar uma ampla estrutura, de espaço, assessores, etc”, recorda.
Uma vez registrados no TSE, os partidos têm direito a repartir os recursos do fundo partidário, previstos no Orçamento da União, mais o que é arrecadado em multas eleitorais. Também tem direito a tempo de propaganda partidária gratuita, em cadeia nacional de rádio e TV, no horário nobre.
CLUBE DOS SETE
A professora da UFG e doutora em Ciência Política pela USP Denise Paiva lembra que o cidadão brasileiro ainda não tem, como em outros países, familiaridade com associações políticas, e até mesmo não confia nelas. “A população não se interessa pelos partidos e se mantém distante deles. Poucos partidos conseguem com que os eleitores se identifiquem com eles”, pontua.
Segundo ela, das 29 legendas, menos de um terço é considerado nas eleições pelo eleitor. “Mesmo com esse grande número de partidos, a população mantém sua atenção em apenas sete siglas relevantes na cena nacional”, afirma. “São as legendas que conseguem eleger deputados, senadores e presidentes da República”, disse, referindo-se ao PMDB, PSDB, PT, PDT, DEM, PP e PR.
Isso fez com que, na última década, a efetivação de pedidos de registro de novas legendas caísse muito. Flávio Ribeiro, chefe da Seção de Gerenciamento de Dados Partidários do TRE em Goiás, disse que, em cinco anos, nenhum partido solicitou o registro, exceto o PSPB (leia nesta página). Mas, segundo ele, muitas pessoas apareceram para tirar dúvidas sobre a criação de legenda política. “A maioria já pertence a um partido e deseja, por causa de alguma divergência, se desligar dele para formar outro”, informa.
No TSE, há apenas um pedido de criação de partido político tramitando, o do Partido Democrata Nacional (PDN). Esse pedido inclusive já foi indeferido, mas como há prazo para recurso, ele continua em tramitação.
AGENTE QUER MOBILIZAR SERVIDORES
Nilson Domingues, agente de trânsito há dez anos (é lotado atualmente na Agência Municipal de Trânsito), tenta desde março de 2005 tornar oficial a existência do Partido dos Servidores Públicos do Brasil (PSPB), fundado por ele em Goiânia, em associação com policiais militares e servidores da Educação e Saúde.
“Nós, servidores públicos, é quem sabemos tudo: o que falta, o que é realmente necessário no serviço público em geral”, justifica, quando aponta quem quer representar, acrescentando que o partido busca também adesões dos trabalhadores da iniciativa privada. “Os servidores públicos jamais foram valorizados pelos governantes”, reclama.
Nilson conta, ainda, que outra meta do PSPB é baixar a carga tributária no País e lutar contra a corrupção que o assola. “Isso sacrifica o povo brasileiro”, resume.
Segundo ele, a lei a eleitoral é muito exigente. Começa com a obrigação de registro em cartório. “Fizemos o registro do partido em 2007, e lutamos para conseguir o mínimo de adesões assinadas, em pelo menos nove Estados”, conta, comemorando as 238 mil assinaturas em 11 Estados. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) exige, porém, 489 mil. “Percorro os Estados divulgando o PSPB. Ligou hoje um companheiro do Pará querendo aderir”, disse. “Nosso partido está ‘bombando’”, exagera. “Temos diretórios regionais em Brasília, na Bahia, em Mato Grosso, São Paulo e no Maranhão, por exemplo”.
Nilson Domingues reuniu em evento no Clube dos Oficiais, na quarta-feira passada, as 45 pessoas que compõem a executiva nacional do PSPB, cujo presidente é ele próprio. Em julho do ano passado, Nilson denunciou a existência de quebras de multas dentro da então Superintendência Municipal de Trânsito (SMT), hoje AMT, mas desmente a acusação que o episódio teria capitalizado visibilidade política para ele. “Naquele momento, jamais quis conseguir algo para o partido”, garante. O Ministério Público ainda investiga as denúncias.
Esta semana, o agente de trânsito vai protocolar o pedido do registro do PSPB no Tribunal Regional Eleitoral (TRE). Em julho, será a vez da inscrição no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Ele espera já lançar candidatos para as próximas eleições, em 2010. “Por enquanto, não podemos fazer nem propaganda política”, reclama.
O servidor público diz que, ao ser realmente oficializado, seu partido terá condições de sobreviver só com as contribuições dos eventuais filiados. “Em nosso estatuto estipulamos um quantitativo mínimo, 3% do salário mínimo. Não aceitamos doações de empresas”, detalha. “Não temos necessidade disso, uma vez que somos 13 milhões de servidores no Brasil”, projeta. E informa que só no Estado são 250 mil possíveis filiados, mais 40 mil do serviço municipal em Goiânia.