Ana Braga a mulher e o mito

Ana Braga – a mulher e o mito (Diário da Manhã, 04/02/09)

Diante de sua multifária atuação nos mais variegados setores da atividade humana e social, vislumbra-se nela não apenas uma mulher, mas uma multidão agindo e interagindo sob o seu nome, como zelosa mãe de família, educadora, jurista, administradora, política, literata.

E como defini-la?

Venerando de Freitas Borges, o legendário primeiro alcaide de Goiânia, cognominou-a “a mulher de bronze”.

Ana Maria Taveira Miguel, acadêmica da Aflag, destacou-lhe a profunda preocupação com a educação.

Nelly Alves de Almeida, ao traçar-lhe o perfil, acentuou-lhe os pendores oratórios e a intitulou “dona de apreciável cultura geral”.

Rosarita Fleury viu nela a professora, a advogada, a política, a acadêmica.

Nice Monteiro Daher, a oradora vitalícia da Aflag, sublinhou nela excelsos dotes de caráter que se cristalizam na amizade.

Ursulino Tavares Leão, condestável ex-presidente da AGL, preferiu eleger nela, dentre tantos e tão variados dotes, o de excelente conferencista.

Altamiro de Moura Pacheco, benemérito de Goiás, chamou a atenção para “o heroismo de seu rico batalhar”.

Irmã Áurea Cordeiro Meneses, notável historiadora, museóloga, pesquisadora, acadêmica da Aflag, a ela se referiu como “minha estimada mestra”.

O deputado Antônio Jorge, em memorável discurso na Assembleia Legislativa do Tocantins, considerou-a “figura exemplar de intelectual e administradora”.

Antônio Luiz Maia, ex-pró-reitor da UFG e ex-senador pelo Tocantins, viu nela um espécime de “mulher forte”.

Ana Cláudia Rocha, brilhante jornalista, vislumbrou-lhe um “destino traçado pela política”.

E o então presidente da Assembléia Legislativa de Goiás, hoje deputado federal, José Luiz Bittencourt, ao comunicar-lhe, no ofício de 10 de outubro de 1995, a concessão da Medalha Pedro Ludovico Teixeira, observou que essa comenda somente é “concedida às pessoas que mais se destacaram no cenário goiano, ou em favor do povo de Goiás”.

Um olhar atento sobre o cenário goiano nas décadas dos anos de 1940 até este limiar do século 21, a personalidade ímpar de Ana Braga se projeta como estrela de primeira magnitude, fulgindo com intenso fulgor, iluminando caminhos e servindo de farol a tantos, como abençoado farol.

À guisa de ilustração destas assertivas, vale enunciar alguns momentos dessa trajetória singular.

Nascida a 26 de novembro de 1923 na pequenina Peixe Canguçu, então norte de Goiás, hoje Peixe, Estado do Tocantins, veio à luz, no lar iluminado do carpinteiro Anísio Braga e de sua esposa, dona Edetina Nunes Braga.

Aos 5 anos de idade, foi alfabetizada pelo avô Joaquim Nunes Pinheiro. E fez os primeiros estudos com mestra Adelina Gonçalves, em Porangatu-GO, na Escola Pública Feminina.

Mais tarde, prosseguiria os estudos em Trindade-GO e no Colégio Santa Clara, de Campinas, mais tarde Goiânia.

A partir de então, delineia-se o caleidoscópio de sua rica personalidade.


I – A Educadora
Ao diplomar-se, em 1941, como normalista, já se prenuncia o seu fascínio pelo magistério. Assim é que, no ano seguinte, 1942, é designada professora da Escola Isolada de Paraúna, pelo interventor Pedro Ludovico Teixeira, passando, em 1943, à categoria de regente de classe, donde foi buscá-la o professor Vasco dos Reis Gonçalves, da FD-UFG, para sua assistente no serviço público estadual. Em 1946, seria nomeada docente do Grupo Escolar Padrão e do Colégio Santa Clara, de que fora, há pouco, aluna. No ano de 1949, ingressaria na Faculdade de Filosofia, que, a partir de 1959, integraria a Universidade Católica de Goiás, criada na frutífera administração de dom Fernando Gomes dos Santos. E, dois anos após, 1951, passaria a lecionar no Colégio Estadual de Goiânia. Cinco anos depois, obteria a licenciatura plena em Geografia e História, pela Faculdade de Filosofia. Em 1957, foi convocada pela Secretaria de Educação do Estado para a Diretoria do Ensino do 1° Grau e, mais tarde, também, do 2° Grau.

Em 1965, criou a Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas de Porangatu e, no ano seguinte, 1966, ocuparia a diretoria do Ginásio Comercial de Porangatu. Em 1968, foi admitida como professora do Instituto de Educação de Goiânia.

No ano de 1976, seria designada membro do Conselho Estadual, órgão consultivo da Companhia Nacional de Estudos da Comunidade. E, em 1977, foi designada professora do Lyceu de Goiânia, de tradição secular, oriundo da cidade de Goiás.

Em 1989, foi nomeada subsecretária de Cultura, ocasião em que organizou a I Exposição de Artes e Folclore de Goiás e o I Festival Internacional de Arte de Campo Grande, MS, quando trouxe para nosso Estado o Troféu Conceição dos Bugres.

Por atuação junto ao MEC, obteve, do INL – Instituto Nacional do Livro, 550 volumes para 77 Bibliotecas autorizadas por aquele instituto, por sua iniciativa.

E em 1990, criaria o Núcleo de Artes Cênicas, Música, Cultura Popular, Literatura, Artes Plásticas, Cinema e Vídeo como coordenadora cultural. E, também, bandas de música para Alvorada-TO e Peixe-TO, sabidamente núcleos de arte popular, em todo o País, notadamente no interior.


II – A Jurista
Bacharel em Direito pela hoje centenária Faculdade de Direito, unidade-mater da Universidade Federal de Goiás, turma 1956, Ana Braga foi, no ano seguinte à sua colação de grau, aprovada nos concursos para a magistratura e para ingresso na carreira do Ministério Público. Todavia, viu-se compelida a resignar de ambas as carreiras, eis que teria que residir no interior do Estado, o que não lhe permitiam os filhos em tenra idade. Foi, contudo, designada para o cargo de assistente judiciário, ingressando, pouco depois, na carreira de procuradora do Estado. Como procuradora, atuaria em inúmeras atividades, prestando assistência jurídica a vários órgãos estaduais. E, também, atuaria como advogada, nas lides que não interferissem com a atividade estadual.


III – A Política
A despeito de sua fascinação pelo magistério, foi na Política que Ana Braga mais se destacaria, pela intrínseca natureza da atividade específica. A despeito de sua amizade com o interventor Pedro Ludovico Teixeira, líder máximo do antigo PSD – Partido Social Democrático –, Ana Braga fundaria, em 1945, o diretório regional da UND – União Democrática Nacional –, o partido do brigadeiro Eduardo Gomes. Assim, em 1959, seria eleita deputada estadual, depois de ter sido vereadora pela Câmara Municipal de Goiânia. No ano de 1960, para acompanhar o marido Trajano Gontijo, transferiu seu domicílio para Tocantinópolis-GO, onde o esposo seria eleito prefeito municipal. Destarte, Ana Braga desempenharia, simultaneamente, as atividades de primeira-dama do município e de parlamentar estadual.

No ano de 1962, Ana Braga se transfere, com o marido, para Porangatu, onde, novamente, exerceria as múltiplas atividades de primeira-dama, eis que seu esposo seria eleito prefeito daquele próspero município.

Em 1980, criou, construiu e instalou o CSU de Porangatu e diligenciou a instalação, em São Sebastião do Tocantins, do Serviço de Rádio e Telecomunicações.

Em 1984, foi nomeada consultora técnica da Companhia Agrícola do Estado de Goiás, no governo Ary Valadão. E, logo após, assumiu a coordenadoria-geral do Departamento de Administração da Secretaria da Fazenda do governo Iris Rezende Machado.


IV – A Matriarca
Ana Braga casou-se, em 1951, com o primo Luiz de Queiroz, com quem teve as filhas Edetina Augusta, Ana Luiza e Efigênia Auxiliadora. Todavia, trágico acidente tirou a vida de seu dileto esposo. Terrível golpe de que Ana Braga custaria se recuperar. Mas, devido a seu espírito indômito, sobreviveu à dor do trágico acidente.

Anos mais tarde, casou-se, em segundas núpcias, com o médico Trajano Machado Gontijo Filho, com quem teve quatro filhos: Antônio Paulo, José Augusto, Fernando e Cláudio. No ano de 1984, nova tragédia na família: Morre o filho José Augusto, também tragicamente. Novo golpe profundo. Mas Ana Braga continuou sua faina no magistério, na administração pública, nas lides literárias.


V – A Literata
Simultaneamente a toda essa atividade frenética, Ana Braga sentiu a necessidade de registrar para a posteridade os pontos culminantes de sua atividade, em todos os setores dos estamentos sociais; daí brotando os livros: A Comunicação no Médio Norte Goiano, 1973; Nelly: a Escritora Amiga, 1983; Nossa Senhora da Natividade, Padroeira do Tocantins e Um Nome de Mulher na História de Goiânia, 1999; A Força do Regionalismo na Obra de Juarez Moreira Filho, ensaio, 2001; Retalhos e Discurso de Posse, 2006.

Ainda inédito, Minha Vida e a Cultura Tocantinense, conferência proferida na Academia Carioca de Letras, Rio de Janeiro-RJ, da qual disse Stella Leonardos: “Estou hipnotizada pelo cofre mágico – lindo lindo! – onde encontrei preciosidades.

“Esse tesouro de teu talento. Esse ensaio fiel do folclore tocantinense. Creio que mestre Cascudo teria gostado de conhecê-lo e assiná-lo, letra por letra” (carta manuscrita datada de 25/08/2008).


VI – Palavra Final
Por toda essa dedicação, em plenitude, a serviço da cultura, da educação em prol da comunidade, Ana Braga recebeu, merecidamente, inúmeras homenagens: Título de Pioneira de Goiânia, Medalha de Honra ao Mérito Leodegária de Jesus, Medalha Clara Ramos, UBE-GO, Diploma de Personalidade Cultural, Cidadã Honorária de Goiânia, Porangatu e São Sebastião do Tocantins-TO. Stella Leonardos lhe dedicou o poema “Passeio no Tocantins”. Integra a Academia Feminina de Letras e Artes (de que foi presidente), a Academia Tocantinense de Letras (de que foi co-fundadora) e a Academia Goiana de Letras, onde exerce forte liderança.

Por tudo o que fez e o que é, Ana Braga não é somente uma grande mulher, transformou-se em mito.


Licínio Barbosa
é advogado criminalista, professor emérito da UFG, professor titular da Universidade Católica de Goiás, membro efetivo do IAB – Instituto dos Advogados Brasileiros – RJ-RJ e de várias outras instituições científicas e culturais do País e do exterior