Do outro lado do Atlântico

 

Do outro lado do Atlântico (Diário da Manhã, 08/02/09)

O recente acordo ortográfico assinado pelos países de língua portuguesa já começa a apresentar os primeiros resultados no mercado editorial. O escritor goiano Antônio José de Moura, 63, foi convidado a integrar a antologia literária Um Rio de Contos, composta por obras de autores da língua portuguesa (brasileiros e lusitanos), cujas narrativas abordem temáticas relacionadas a rios. “Olalinda”, conto publicado por Moura no livro Mulheres do Rio, em 2003, foi o escolhido para fazer parte da coletânea, que deverá ser lançada em Portugal, ainda este semestre, pela Editorial Tágide.
O convite partiu da própria editora, por meio de Celina Veiga de Oliveira, que conheceu a produção literária de Moura – que atualmente ocupa a cadeira 17 da Academia Goiana de Letras (AGL) – por meio do catálogo Antônio José de Moura - Quem é esse autor, da Coleção Goiânia Em Prosa e Verso, lançado em 2007 e elaborado pela Editora de Universidade Católica de Goiás, com apoio da Prefeitura de Goiânia, que cuidou de sua impressão.
Um Rio de Contos surgiu como parte do projeto, concebido pela Editorial Tágide, de publicar duas antologias em língua portuguesa de autores oriundos de todos os países que integram a lusofonia. Primeiramente, Um Rio de Contos terá apenas autores brasileiros e portugueses. Em seguida, o Editorial Tágide planeja lançar outra coletânea de contos de escritores dos demais países do idioma de Camões, o quinto mais falado no mundo – Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Guiné Equatorial, Moçambique, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste.
Coincidência ou não, o fato é que Antônio José de Moura já tinha incorrido na proposta de escrever sobre rios, na obra Mulheres do Rio. “Olalinda” é um dos oito contos do livro, que recebeu, em 1991, o VI Prêmio Joaquim Namorado, na cidade de Figueira da Foz, em Portugal. Os contos Dina ou Vamos Caçar Tracajá, Magrinha e Virgínia, que também estão no livro, já foram premiados em diversas feiras literárias do Brasil.
Recentemente, Moura foi contactado por uma editora chilena interessada em traduzir Mulheres do Rio para o espanhol. A tradutora escolhida foi a professora venezuelana de artes Valentina Fraiz-Grijalba. O projeto se encontra em fase de negociação.
Catálogo
Em edição trilíngue – português, espanhol e inglês –, o catálogo foi criado como meio de divulgação internacional do trabalho de Moura. “É como se fosse meu portfólio”, compara o autor, referindo-se às publicações utilizadas por pintores e artistas plásticos para difusão de quadros.
Antônio José de Moura - Quem é esse autor contém trechos de resenhas e críticas literárias publicadas na imprensa e em universidades sobre a obra do autor em todo o Brasil e também no exterior. Há, por exemplo, o texto de Jorge Amado sobre Notícias da Terra, de 1978, no qual o baiano definiu a obra como “uma sátira violenta e cruel, que é, ao mesmo tempo, um ponto de partida para a afirmação de um jovem autor, pois lhe sobram talento e verdade, e ele tem muito caminho a andar”.
Outro texto de destaque foi assinado pelo professor de literatura Alfredo Pérez Alencart, da Pontifícia Universidade de Salamanca, Espanha. Com o título Las historias memorables de Antônio José de Moura, a resenha foi publicada no jornal El Adelanto, em 1997, em que Alencart sugere aos leitores: “Anotem este nome, Antônio José de Moura, pois seu trabalho literário é de primeiro nível e esperamos que em pouco tempo suas novelas sejam traduzidas e publicadas na Espanha.”

Homem de letras
Natural de Mambaí, nordeste de Goiás, Antônio José de Moura iniciou os estudos primários em sua terra natal. Posteriormente, transferiu-se com a família para Goiânia, fixando residência no Setor Campinas. Na Capital, estudou contabilidade na Escola Técnica de Comércio e direito na Universidade Federal de Goiás (UFG), cuja centenária faculdade ele dirigiu no período de 1980 a 1986.
Advogado e jornalista, Moura se tornaria procurador do Estado de Goiás e membro da Associação Goiana de Imprensa e da União Brasileira de Escritores (GO). Cultivado inicialmente como hobby, logo, a paixão pela literatura se tornaria sua verdadeira profissão, escrevendo obras que marcaram época no espaço literário de Goiás. Ao todo, o autor contabiliza nove livros publicados, em vários gêneros: poesia, conto, romance e novela, entre outros.
O primeiro livro, Quilômetro Um, lançado em 1965, consiste em reflexões poéticas do autor sobre a infância, vivida na cidade de Posse (GO). Lá, estão presentes histórias e personagens marcados pela fábula e misticismo. Em 1970, Moura incorreria novamente na poesia, com Porta sem Chave.
Em meados dos anos 1970, contudo, o escritor rompeu com o gênero. “Chegou um momento em que me senti traído pela poesia. Assim como uma bela mulher, que nos encanta e depois vai embora, deixando-nos totalmente desamparados, a poesia me abandonou”, pondera.
Com o “divórcio”, em 1978, Moura lançou em seguida Notícias da Terra, coletânea de contos que chamou imediatamente a atenção de críticos literários em todo o País. Na sequência, em 1983, seu primeiro romance, Dias de Fogo, lhe rendeu o prêmio Fernando Chinaglia. Todavia, a carreira de contista e romancista alcançaria a consagração em 1989, com Sete Léguas de Paraíso, que narra a saga da heroína religiosa e popular Santa Dica, famosa por desafiar, no início do século XX, as tropas da República Velha e fundar a República dos Anjos (ou a Cidade do Paraíso Terrestre).
“Situada na região de Pirenópolis (GO), a cidadela era baseada em relações de liberdade, igualdade e amor e – à maneira do Arraial de Canudos, liderado por Antônio Conselheiro, no sertão nordestino – não respeitava as autoridades regionais nem federais”, explica Moura.
Tida como santa milagrosa pelos habitantes da cidadela, que reunia aproximadamente 15 mil pessoas, Santa Dica foi perseguida e, consequentemente, presa e condenada pelas tropas republicanas, resultando na sua expulsão de Goiás. A história, ainda hoje presente no imaginário popular dos habitantes de Pirenópolis e adjacências, já foi tema de filme e objeto de tese de doutorado em Letras da professora Maria Zaira Turchina, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), finalista, em 2004, do prêmio Jabuti, o mais importante do País na área.
Em 1997, o romance Umbra venceu o Prêmio de Publicações Bolsa Hugo de Carvalho Ramos, da Prefeitura Municipal de Goiânia e, em seguida, o prêmio Status de Literatura Latino-Americana. Cenas de Amor Perdido, a mais recente publicação de Antônio José de Moura, marcou uma nova fase na profícua carreira do escritor. Lançado pela Editora Record, a obra é baseada nas recordações da adolescência do autor, que serviu de inspiração para a história do anti-herói Biazulmi, um sedutor nato, capaz de provocar paixões avassaladoras nas mulheres e a inveja obsessiva nos homens.
Atualmente, Antônio José de Moura trabalha em um novo romance, ainda sem título, a ser publicado nos próximos dois anos pela Editora Record, que também anunciou que vai reeditar os livros já esgotados do autor. O primeiro da lista será Sete Léguas de Paraíso, originalmente lançado em 1989.
“A história começou como uma novela, mas fui completamente envolvido e decidi, quase que inconscientemente, tranformá-la num romance. Além disso, estudo a transposição da obra para o teatro”, fala sobre a obra. O método de trabalho do escritor é direto. “Não tenho pressa. Aprendi com outros escritores que o reconhecimento vem com o tempo e, principalmente, que a qualidade antecede a quantidade”, conclui.