UFG preenche apenas 6,36% do sistema de cotas
UFG preenche apenas 6,36% do sistema de cotas (Diário da Manhã, 11/02/09)
No primeiro vestibular da Universidade Federal de Goiás (UFG) com o sistema de cotas, a instituição preencheu 6,36% das vagas destinadas a negros, oriundos de escolas públicas, quilombolas e indígenas. O porcentual previsto em edital estipulava que 20% das vagas deveriam ser preenchidas pelos cotistas.
Dos 4.694 aprovados ontem, 812 alunos estavam aptos a concorrer à segunda fase do processo seletivo pela reserva de vagas. Entretanto, apenas 299 chegaram a ser auxiliados pelo porcentual. O restante foi aprovado pelo próprio sistema universal. O número aquém do esperado surpreendeu positivamente a universidade.
A pró-reitora de graduação, Sandramara Matias Chaves, acredita que o baixo número de aprovados por cotas mostra que o ensino privado e público não é tão discrepante. “Se só 299 precisaram do programa para ser incluídos, mostram que existem candidatos preparados nos dois sistemas”, afirma.
A diferença entre as menores notas do curso de Medicina é pouco mais de 20 pontos entre as duas modalidades. Enquanto os aprovados por sistema universal precisavam de 195,65 pontos, o último candidato oriundo das instituições públicas necessitava de 171,65. Medicina é curso mais concorrido da instituição.
Em Direito, o mais disputado das Ciências Humanas, a diferença se mantém. No curso noturno em Goiânia, a menor nota foi de 176,6. Em contrapartida, o grupo cotista apresentou 166,3 pontos. A discrepância maior se dá no subgrupo reservado aos indígenas. O último colocado precisou de nota igual ou superior a 61,25. O resultado corresponde a menos de 50% do sistema comum.
Nas Ciências Exatas, a frequência se manteve estável em pouco mais de 30 pontos por categoria. Engenharia Civil, em Goiânia, os aprovados pelo sistema universal precisaram de 171,5 pontos enquanto os alunos do ensino público foram selecionados a partir de 141,60. Negros que vão estudar Engenharia tiraram menos: 101,00 do total.
Inversão
O primeiro vestibular da UFG com sistema de cotas ainda trouxe uma segunda surpresa: em mais de dez cursos da Capital, representantes das escolas públicas tiveram ponto maior que o universal. A habilitação em Agronomia, por exemplo, mostra que os alunos provenientes do ensino público alcançaram 110,05 pontos, enquanto os da modalidade comum foram aprovados com 109.
Em Química Industrial vespertino, o porcentual foi mais evidente. Nas vagas reservadas às cotas por ensino público, a nota mínima foi de 125,45, mais de quinze pontos além do sistema universal. Os últimos precisaram de 109,15 para serem aprovados no vestibular da UFG.
A mesma proporção se repetiu em Engenharia de Software, curso oferecido pela primeira vez. Enquanto os alunos da escola pública fizeram pelo menos 120,15 pontos, os do sistema universal foram aceitos com 110,50.
Para a pró-reitora de graduação da universidade, Sandramara Matias, os números mostram duas esferas: os alunos do ensino público têm conhecimento compatível e que a concorrência entre os cotistas acirrou a disputa. “O projeto de inclusão reservava 20% das vagas, sendo 10% para escolas públicas e 10% aos negros. Em muitos casos, eles concorriam entre si poucas vagas, o que aumentava o ponto de corte”, afirma.
Demóstenes teme “ódio racial”
O senador da República Demóstenes Torres (DEM) acredita que cotas raciais irão aprofundar desigualdade social no Brasil. O parlamentar alega que, ao selecionar universitários pela cor da pele, a instituição irá segregar a população e estimular o ódio étnico. “Vamos criar um problema que praticamente não temos hoje no Brasil: o ódio racial, vamos fomentar organizações como a KuKlux Klan”, afirma. A Ku Klux Klan é uma organização racista que persegue negros nos Estados Unidos.
Para ele, o sistema “menos grave” deve selecionar o universitário pelo critério econômico. “Hoje o branco pobre não tem raiva do negro. Mas, se houver cotas para os negros, vamos estimular isso, porque os dois concorrerão entre si”, diz o parlamentar.
Cotado para ser presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, Demóstenes prepara vistas ao projeto das cotas, o modelo racial já aprovado na Câmara dos Deputados. “Realmente temos dívida histórica com os negros, mas não podemos trabalhar com a lógica da reparação. Hoje, o mais correto é separar um porcentual de vagas para o ensino público e, a médio e longo prazo, trabalhar para fortalecê-lo.”
Movimento defende projeto
Representantes do Movimento Negro em Goiás são favoráveis às cotas para o segmento. Eles alegam que a melhor forma de reparar o prejuízo histórico é propiciar o acesso ao ensino superior.
A representante do Movimento Negro Unificado, Ivana Leal, afirma que a universidade é um benefício que deve ser compartilhado. “Estudos provam que mais de 98% das universidades públicas eram ocupadas por brancos. Como um bem tão importante pode ser predominado assim? Todas as raças devem ter acesso”, afirma.
Ivana diz que, mesmo que os alunos aprovados por cotas apresentem notas menores no vestibular, eles apresentarão rendimento satisfatório na universidade. “Já está provado que os cotistas se dedicam e têm desempenho tão bom ou melhor que os demais alunos.”
O representante do Movimento Negro do Jardim Primavera, Heráclito Aquino, concorda que o menor desempenho não se manterá no futuro. “Os negros vieram de escolas menos preparadas, por isso apresentam rendimento menor. Quando tiverem o mesmo ensino, vão ser tão bons ou melhores”, afirma.
programa
A Universidade Federal de Goiás (UFG) irá implantar programa de acompanhamento aos universitários que foram aprovados pelo sistema de cotas. O programa deve facilitar que o aluno se mantenha no ensino superior com bolsas de incentivos. “Temos que propiciar o acesso, mas a permanência desse aluno. Se não for assim, teremos altos índices de evasão”, afirma a pró-reitora de Graduação, Sandramara Matias Chaves.