Carnaval depois do jejum
Carnaval depois do jejum (Diário da Manhã, 13/02/09)
Lídia Amorim
Da Editoria do DMRevista
Chora o tamborim, bate o surdo, fazendo tremer o chão. Os repiliques chamam para o samba. O chocalho se assanha. Quarta-feira à noite, no lançamento do carnaval de rua de Goiânia de 2009, no Centro Cultural Martim Cererê, as escolas de samba e blocos de Goiânia mostraram que já estão com os enredos preparados para fazer do carnaval de rua deste ano uma festa inesquecível.
Depois de três anos sem dar o ar da graça, as escolas de Goiânia voltam com todo o gás e se unem pela primeira vez aos blocos, que, mesmo sem verba, animaram o feriado por anos na Rua 8, no Centro, conhecida como Rua do Lazer. As sete escolas desfilarão sábado e domingo de carnaval e os blocos vão para as ruas segunda e terça. Este ano, a festa será na Avenida Araguaia, em frente ao Mutirama, a partir das 20 horas. Além dos desfiles, a festa terá no último dia de carnaval um grande cortejo em que todo mundo pode participar.
Na avenida, a desempregada Francisca Santos de Souza, 31, vira rainha. A árbitra de jogos de handebol Fabiana Lopes de Souza, 18, é princesa. Ambas são da escola Lua-Alá. Na festa de quarta-feira, ao som do grupo de percussão Coró de Pau, as duas soltaram o samba. Apenas um aquecimento para o desfile, daqui a pouco mais de uma semana. Sorridentes sempre, exibem as fantasias bordadas por elas mesmas. As roupas são bíquinis cobertos de brilhos e lantejoulas. Nas costas, enormes penas azuis com detalhes dourados. Se a fantasia incomoda? Nem um pouco. Quando o samba entra pelos ouvidos, a alegria invade os corpos morenos e transforma-se em graciosos movimentos. “A gente não pode escutar o batuquinho da bateria que já tá ali no meio”, descreve Francisca.
Durante o aquecimento da noite, com a batucada do Coró de Pau e a dança da realeza do carnaval goianiense, o público foi chegando. Sob enorme lua cheia, o samba da cidade conseguiu reunir na área externa do Martim Cererê gente de todas as idades e tribos, todo mundo curtindo. Mesmo quem ficou sentado não pôde evitar um sutil pezinho balançando. Andressa Alves Souto, 24, estudante de Filosofia da Universidade Federal de Goiás, entrou no clima, soltando o corpo com a batucada. “É a primeira vez que venho em algo do gênero e quero voltar”, comenta.
Depois da percussão do Coró, as bênçãos de Oxalá. O Terreiro Ylê Ybá Ybomim, comandado por Mestre Luisinho, foi o responsável pelo afoxé, tradicional ritual por meio do qual o candomblé se expressa, pedindo paz e alegria e reunindo todos os segmentos da cultura afrobrasileira. O grupo cantou e dançou, reunindo o público, que, empolgado, participou da colorida roda. Baianas desfilaram com jarros de flores e banharam as entradas do Martim e os presentes com água de cheiro, para abrir os caminhos do carnaval goianiense. “É abrir a avenida e pedir as bênçãos de Oxalá”, explica Mestre Luisinho.
Família
Quem pensa que carnaval é safadeza, se engana. A festa é também integração familiar. Há mais de 10 anos a família de Maria Helena Marciana, 65, faz parte da Escola Mocidade do Samba. Quando a filha, a rainha de bateria Luzineide Marciana, 28, joga de lado o roupão e vai para o desfile com suas pernas poderosas, é Maria Helena quem ajeita a fantasia e ampara às pressas o roupão. A simpática senhora está no samba há tanto tempo que nem consegue mais calcular “Há quase 50 anos eu já fazia parte da Escola Noel Rosa, em Anápolis”, relembra. Prova de que a paixão pelo samba está no sangue.
A outra filha de Maria Helena, Elizabeth Marciana, 27, também faz parte da escola. Se Luzineide tem pernas que chamam a atenção, Elizabeth tem presença forte e marcante pelo sorriso. Ela é porta-bandeira. A atividade exige esforço físico e equilíbrio, mas a moça não reclama, pelo contrário. “Na hora a adrenalina é tão grande que não sentimos peso nenhum da fantasia. É delicioso, é mágico”, descreve. As crianças da família também estão sempre presentes em ensaios, festas e desfiles, para dar continuação à paixão.
Além de juntar os blocos de rua e as escolas de samba goianienses, o evento dessa semana teve a presença do Projeto Tributos, com as bandas Visual Ilê, Fat Samba e Mina D´água cantando Clara Nunes. Este ano faz 26 anos da morte da guerreira, como era conhecida, que, apesar de não se dedicar só ao samba, tornou-se símbolo do ritmo no Brasil. Essa foi a segunda edição do Projeto Tributos. A primeira foi uma homenagem a Bezerra da Silva, no dia 10 de dezembro de 2008. Quem gosta do estilo, pode ficar atento: o projeto terá continuidade.
Carnaval de Rua em Goiânia 2009, com desfile das escolas de samba e blocos de rua
Data: De sábado a terça-feira de carnaval (21 a 24/02)
Horário: 20 horas
Local: Avenida Araguaia, em frente ao Mutirama