Hélio Moreira, o Iluminado de Alfenas

Hélio Moreira, o Iluminado de Alfenas (Diário da Manhã, 14/02/09)

Ainda quando cursava o segundo grau, na minha querida cidade adotiva, Anápolis, - que me honrou com o título de cidadania -, o meu professor Antônio de Oliveira Brasil, que não vejo há décadas, chamou-me a seu gabinete, pois queria falar-me.
Entre curioso e suspicaz, fui a sua sala, quando ele, após longo preâmbulo, me disse, com ar da maior circunspecção:
- Licínio, você deve fazer Medicina.
- Por que, professor? - indaguei, surpreso.
É que, desde os seis anos de idade, eu me havia decidido fazer Direito, para ser advogado.
Então, o velho professor me explicou a razão de seu conselho:
- É que você escreve bem, e o Curso de Medicina permite que o seu profissional perscrute a alma humana, fonte de inspiração para a arte de escrever.
Claro que levei o elogio à conta de sua generosidade.
Àquela época, - são decorridos mais de 40 anos -, eu escrevia, semanalmente, no hebdomadário local A Imprensa, que, com O Anápolis, dividia a preferência dos leitores anapolinos.
Agradeci o conselho, e me retirei, agradecido, sem, contudo, mudar meu itinerário de vida profissional.
Ao longo do tempo, a vida me mostrou que o velho mestre tinha razão. Grandes médicos foram, também, excelentes beletristas. No plano nacional, lembro-me de Antônio Austregésilo, festejado membro da Academia Brasileira de Letras. E, aqui, em Goiás, poderia citar alguns espécimes que integram a Academia Goiana de Medicina, sendo que um de seus maiores exponentes, Hélio Moreira, sucedeu, na Academia Goiana de Letras, um dos ícones da Medicina, em Goiás e no Brasil, José Normanha de Oliveira, cuja primeira obra, Pensamentos Vividos, tive a honra de prefaciar.
Antes de dar a lume Entre o Sonho e a Realidade, ou seja, Entre o Sonho do Brasil dos Anos 60 e a Realidade dos Anos 90, Hélio Moreira, o Iluminado de Alfenas, Minas Gerais, já havia conquistado o respeito e a admiração dos goianos com suas crônicas plenas de sensibilidade, nas páginas da imprensa diária de nossa Capital. Destaca-o a saudosa amiga Belkiss Spencieri Carneiro de Mendonça, na crônica, cheia de ternura, intitulada O Menino de Gaspar Lopes, cujos primeiros parágrafos transcrevo:
“Dois conceituados colunistas de jornais locais noticiaram que o proctologista Hélio Moreira estaria, no dia 17 de abril próximo passado, assumindo a Presidência da ‘International Society of University Colon and Rectal Surgeons’, entidade com sede na Pensilvânia (Estados Unidos). A solenidade integrava o programa do XVI Congresso da Sociedade, ocasião em que representantes dos sessenta e dois países, que a compõem, estariam reunindos em Estoril (Portugal).
“A auspiciosa notícia provocou, em todos nós, sentimento de justo orgulho: em primeiro lugar, por estar um brasileiro ocupando tão elevada posição e, ainda, por ser ele fortemente ligado a nosso meio pela escolha de fixação em Goiânia, laços familiares, além de pertencer aos quadros da Universidade Federal de Goiás, como professor titular da Escola de Medicina”.
E, mais adiante:
“Lembrei-me, então, de que há alguns anos, dr. Hélio havia exteriorizado algumas reminiscências de sua infância e eu, como inveterada arquivista, pus-me a procurá-las em meus guardados. Lá estavam, datadas de 1995, sob o título Gaspar Lopes, ah Gaspar Lopes!, escritas em Paris: ‘Sentado na amurada esquerda que margeia o Sena, tendo a Catedral de Notre Dame como referência no horizonte, sentiu ele, naquele momento de paz, a grande distância que havia percorrido em sua vida, desde Gaspar Lopes, sua pequena terra natal, em Minas Gerais, até Paris, a cidade-luz, palco central de grandes mutações históricas” (in “Vá, disse-me ela, procure as estrelas do seu firmamento”, Discurso de Posse na Academia Goiana de Letras”, Editora Kelps, p.s 59/60).
Toda a sua trajetória, pessoal e profissional, está narrada no primoroso Entre o Sonho e a Realidade (Editora Kelps), onde, dos 23 capítulos, um é dedicado a Alfenas (a que pertencia Gaspar Lopes), um capítulo à Escandinávia, 14 capítulos a Curitiba/PR, onde cursou Medicina, na Universidade Federal do Paraná, e ainda um capítulo especial que dedica à Casa do Estudante Universitário, da Universidade Federal do Paraná, de que foi presidente, num momento de grande turbulência político-institucional do País, meados dos anos sessenta do Século 20.
Na apresentação da obra, o nobre prof. dr. Joffre Marcondes de Rezende diz, com objetividade, e bom senso:
“Mesmo não sendo crítico literário, vejo neste livro muito mais do que uma simples narrativa.”
E aduz, com a autoridade que o caracteriza:
“O valor de uma obra literária está na sua capacidade de transmitir ao leitor a emoção e os sentimentos de caráter universal do ser humano, a partir de acontecimentos particulares e personagens individuais. E isto o prof. Hélio Moreira conseguiu. Cada capítulo do livro é uma lição de vida e um convite à reflexão sobre questões sociais, filosóficas e existenciais que mais preocupam a humanidade” (in op.cit., p.7”).
No prefácio, Hélio informa:
“Este livro não é uma autobiografia; posso, quando muito, defini-lo como a narrativa de uma fase da minha vida, principalmente do meu tempo de estudante universitário na cidade de Curitiba”.
E, no terceiro parágrafo:
“Praticamente cem por cento dos personagens deste livro estão nominados com seus próprios nomes, alguns poucos, com o sentido de preservar suas antigas opiniões, substituí-los por pseudônimos. Tenho a esperança de que estes últimos, se lerem esta despretensiosa narrativa, irão se reconhecer nas entrelinhas e também ficarão emocionadas, como eu fiquei, durante todo o tempo de elaboração do trabalho” (in op.cit., p.9).
Outro trabalho da maior importância, para a historiografia brasileira, trata-se de Couto de Magalhães - O Último Desbravador do Império (Kelps, 2005).
A obra compreende três partes.
Na primeira, intitulada “A Longa Viagem do Rio de Janeiro a Goyaz”, conta a odisséia do grande brasileiro que governou a Província de Goiás aos 24 anos de idade, num momento da vida nacional em que inexistiam estradas, e o meio de transporte eram o cavalo e as tropas. Destaque para o encontro do grande político com o grande poeta Bernardo Guimarães.
Na segunda parte, a narrativa da presença de Couto Magalhães em Londres, seu encontro com banqueiros londrinos e diplomatas ingleses e brasileiros, seus passeios pelo “Hayde Park”, o jantar com o banqueiro Waring, seu encontro com a amada Lily, seu amor pelo Rio Araguaia.
Na terceira parte, notícias dos Estertores do Império, de sua convivência com a República, de seu reencontro com Lily (como aconteceu e/ ou como deveria ter acontecido), novamente a presença do Rio Araguaia (Mata Corá).
Dono de excepcional currículo, Hélio Moreira é um feliz viajante do sucesso, pelo intrínseco valor de seu caráter, pelo fulgor de sua inteligência singular, pela vastidão de sua cultura enciclopédica, pela referência em que se tornou de sua difícil profissão (tenho duas filhas médicas e dois genros igualmente médicos), cuja existência engrandece o cenário da Medicina, da Literatura e da Comunidade. A par de seu trato ameno, fidalgo.
Natural de Gaspar Lopes, distrito de Alfenas (MG), Hélio Moreira nasceu a 15 de janeiro de 1938, filho de Antônio Moreira (seu Nico Moreira) e de dona Olívia Moreira. O pai, modesto guarda-chaves da Rede Mineira de Viação; a mãe, proprietária da Pensão St.º Antônio, donde o casal tirava a maior parte dos recursos para a mantença dos filhos.
Como sentisse que em Gaspar Lopes não teria espaço para crescer, Hélio foi para Alfenas, onde conquistou o cargo de “office boy”, no Banco Nacional de Minas Gerais, graças a que obteria transferência para Curitiba/MG, onde ingressaria na Faculdade de Medicina, na UFPR, onde seria aclamado presidente da Casa do Estudante Universitário do Paraná, CEU, uma das maiores alegrias de sua vida estudantil, e que muito calou na sua sensibilidade aguçada.
Seu itinerário foi firme e seguro, no âmbito da profissão, da vida familiar, e dos lindes literários.
Na profissão, galgou a presidência da Sociedade Brasileira de Coloproctologia (1989/1990), secretário-geral da Associación Latinoamericana de Coloprocrologia (1991-1993), presidente da “International Society of University Colon and Rectal Surgeons, e tantas outras. É, no Brasil, referência maior no âmbito de sua especialidade, como Marcos D’Ávila o é na Oftalmologia.
Na vida familiar, teve a ventura de encontrar no seu caminho abençoado a excepcional figura de esposa e mãe, dona Marília, com quem tem três filhos, médicos, integrantes da Clínica Hélio Moreira: Ana Paula, José Paulo e Hélio Júnior. E já eram 7, os netos, à data de sua posse na Academia Goiana de Letras, onde prontifica com imenso prestígio, a que faz jus.
No plano literário, é um dos mais constantes cronistas do Diário da Manhã, conferencista requisitado pelas instituições a que pertence, na Academia Goiana de Medicina (de que é presidente), na Maçonaria, onde integra a Academia Goiana Maçônica de Letras (de que é um dos fundadores), dentre tantas outras instituições.
É cidadão honorário de Goiânia e de Goiás.
Ao recebê-lo, na Academia Goiana de Letras, Ursulino Leão sentenciou:
“Hélio Moreira deitou, no terreno fecundo de sua existência, tanto a semente da Medicina como a semente da Literatura. A primeira, cedinho; a outra, bem depois. Ambas nasceram. As plantas cresceram. Produziram e continuam produzindo excelentes resultados” (in “Discurso de Posse”, págs. 19/20).
Amém!


Licínio Barbosa é advogado criminalista, professor emérito da UFG, professor titular da UCG - Universidade Católica de Goiás, membro efetivo do IAB - Instituto dos Advogados Brasileiros/Rio-RJ, e de várias outras instituições científicas e culturais do Brasil e do exterior