Cada vez mais ousadas

Cada vez mais ousadas (Diário da Manhã, 18/02/09)

Se a secretária Haldynne Sasse Lima, 19, fosse flagrada trajando as roupas que costuma usar andando pelas ruas de uma cidade no século XIX, provavelmente seria tachada de louca ou revolucionária. De barriga de fora e corpo modelado pela calça justa, causaria escândalo nas mulheres e, sem dúvida alguma, atrairia olhares curiosos dos homens acostumados ao visual recatado do sexo oposto. Bem, a verdade é que, de lá para cá, muita coisa mudou, e hoje a mulher que sai às ruas mostrando ombros, pernas ou colo já não causa tanto espanto assim.
Essa naturalidade diante da exposição do corpo feminino em roupas sensuais pode ser explicada pelo surgimento de uma forte tendência internacional de tornar a moda feminina mais ajustada ao corpo, em contraposição às antigas tendências românticas. Rita Andrade, design de moda e professora da Faculdade de Artes Visuais da Universidade Federal de Goiás (UFG), afirma que em geral, no Brasil, a moda feminina é tratada com um apelo mais sensual, o que já se tornou algo natural. A adesão ao estilo ocorre tranquilamente, uma vez que os brasileiros têm facilidade em lidar com a sensualidade do corpo.
Por outro lado, a moda masculina não sofreu uma evolução comparável justamente em função da pretensa “renúncia” dos homens à frivolidade que, na opinião de muitos, envolve o fenômeno “moda”. Professora de História da Moda do curso de Design de Moda da UFG, Míriam da Costa Manso lembra que durante muito tempo, sobretudo após a Revolução Francesa, o assunto não foi considerado “negócio de homem”. Mas, como as roupas constituem uma importante maneira de demonstrar status e poder aquisitivo, os homens as ostentavam só que por meio de suas mulheres. Assim, a moda feminina viu-se incentivada a evoluir, enquanto a masculina permanecia mais estável.
Para Míriam, existe relação entre as vitórias feministas e as atuais características das roupas usadas por algumas mulheres. Essas conquistas puseram abaixo a dependência do marido ou pais, possibilitaram a sensação de domínio sobre o próprio corpo e a revolução no guarda-roupas. No entanto, isso não pode ser considerado como motivo primordial e definitivo para o desenho das vestimentas como se vê hoje. “A moda é cíclica e, em diferentes momentos, houve maior ou menor exposição do corpo”, explica.
O que vemos nas ruas, no entanto, é mais do que suficiente para concluir que os primeiros anos do século XXI representam um período de alta exposição do corpo. Nas vitrines, por exemplo, é possível notar roupas que mostram, marcam ou evidenciam as curvas femininas. “Ainda bem que é assim. Imagine a gente trabalhando toda coberta num calorão desses”, brinca Haldynne, que usa um jaleco para encobrir o decote e o piercing no umbigo durante o expediente num consultório odontológico.
Com uma ponta de timidez, a jovem secretária diz que as roupas que usa não são suficientes para definir seu caráter, mas que, nem por isso, deixa de ser vítima de preconceito e de comentários maldosos. “Tem muita gente por aí que me chama de piriguete por causa das roupas que uso”, conta. No entanto, faz questão de esclarecer que tem namorado e que respeita muito as pessoas ao seu redor. “Eu acho bonito mostrar o corpo. É só isso”, resume.
Da mesma opinião compartilha a vendedora de joias Lorena Rosa de Oliveira, 19, que coleciona minissaias e vestidos curtos, suas peças favoritas. No trabalho, porém, precisa substituir as roupas do dia-a-dia por um figurino mais recatado, como saia na altura do joelho, terninho e até meia-calça. “Não vejo a hora de chegar em casa e vestir um shortinho e uma miniblusa”, comenta. Para Lorena, a aparência não é suficiente para rotular uma pessoa. “Muita gente fica falando mal e algumas mulheres me olham torto. Mas isso é puro preconceito”, acredita.
Segundo Adair Marques Filho, professor da Faculdade de Artes Visuais da UFG, fatores como cultura e geografia justificam a exibição do corpo no Brasil. “O clima tropical inibe o uso de roupas mais austeras”, diz ele, que pesquisa as transformações no vestuário e no corpo masculino na contemporaneidade por meio de imagens de mídias. Além disso, as meninas brasileiras são influenciadas, desde pequenas, a usarem roupas sensuais, coladas e curtas, o que interfere em seu estilo de vestir quando adultas.
Para o professor, a moda feminina é mais democrática que a masculina, sobretudo em países ocidentais. No entanto, o homem, mesmo que timidamente, tem descoberto seu corpo e sua sensualidade. “Se olharmos bem ao nosso redor, perceberemos que as transformações estão acontecendo com o corpo e com o design de moda masculina.” Essas transformações, mesmo que sutis, vão tomando forma e influenciando outros homens por meio de novelas, filmes e catálogos.