Patrimônio natural goiano na web
Patrimônio natural goiano na web (Diário da Manhã, 26/02/09)
Preservar as riquezas naturais do Cerrado por meio da composição de um acervo virtual, disponibilizando na internet um vasto material da fauna regional colhido pelo professor e pesquisador José Hidasi.
Foi com este objetivo que o pesquisador Vagner Rosafa, do Centro de Folclore e História Cultural do Instituto do Trópico Subúmido, da Universidade Católica de Goiás (ITS-UCG), concebeu o projeto do Museu Virtual da Biodiversidade do Cerrado, que leva o nome do colega.
O prazo para a conclusão do projeto é de até um ano, mas, por ocasião do 50º aniversário de fundação da UCG, o lançamento do museu virtual está programado já para o mês de outubro deste ano, contemplando as festividades.
A iniciativa pioneira de Vagner Rosafa consiste em um projeto de extensão e pesquisa aprovado recentemente pela direção da universidade, através do Edital de Turismo da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado (Fapeg). Ao todo, o investimento para a construção do site será de R$ 25 mil, dos quais uma parte do recurso já foi liberada para o início dos trabalhos.
O Museu Virtual da Biodiversidade do Cerrado José Hidasi será composto por fotografias e vídeos do acervo taxidermizado (empalhado) referente à fauna nativa do bioma, pesquisada pelo professor José Hidasi. Os animais serão catalogados de acordo com as diferentes fitofisionomias do Cerrado, descritas pelo professor Altair Sales Barbosa, que também integra o ITS-UCG.
O critério utilizado por Altair para a classificação das seis fitofisionomias baseia-se no tipo de vegetação (subsistemas) de cada ambiente que compõe o Cerrado – campos, cerrado stricto senso, cerradão, veredas, matas e ambientes ciliares.
Projeto
Todo o material disponibilizado pelo museu virtual será organizado de forma didática e interativa, de modo a facilitar o acesso do público às informações científicas referentes a cada animal. Entre as espécies, há exemplares de mamíferos, aves, répteis, anfíbios e peixes nativos do bioma característico do Centro-Oeste brasileiro, além de insetos e outros animais invertebrados, como moluscos e artrópodes.
O projeto coordenado por Vagner Rosafa terá, ainda, a participação da museóloga Rosângela Barbosa Silva, diretora do Centro Cultural Jesco Puttkamer, da Universidade Católica de Goiás, dos programadores Sherman Calixto, Márcio Balian e da equipe técnica do Centro de Processamento de Dados (CPD), da Rede UCG de internet, além dos professores Altair Sales Barbosa e Roberto Malheiros, como consultores.
A equipe deverá se reunir, ainda nos próximos dias, para uma visita à residência de José Hidasi. O objetivo inicial é conhecer o material já disponível para, em seguida, definir as diversas etapas do trabalho.
A fase inicial do projeto contempla a aquisição de equipamentos e programas de computação (softwares) específicos para selecionar, catalogar, editar e abrigar o material a ser divulgado pelo Museu Virtual da Biodiversidade do Cerrado José Hidasi, como fotos e vídeos.
A ideia de criar o museu virtual para resgatar a importância e a necessidade de preservação do Cerrado surgiu de forma espontânea. “Curiosamente, a oportunidade veio antes da ideia propriamente dita. Quando soube do Edital de Turismo divulgado pela Fapeg, resolvi inscrever o projeto do site/museu na categoria Criação de Ambiente Virtual”, diz Vagner Rosafa, que é mestre em Gestão do Patrimônio Cultural pela UCG e analista em cultura e desportos da Prefeitura Municipal de Goiânia.
“A partir da conclusão do mestrado, interessei-me por museus e pelo ofício de museólogo. Como eu e o professor José Hidasi somos colegas, embora em áreas distintas, no Instituto do Trópico Subúmido (ITS), da Universidade Católica de Goiás, decidi construir um museu virtual para tornar mais acessível ainda sua extensa obra na área da zoologia, especificamente com espécies do Cerrado”, relata Vagner, que diz ter como base do projeto a obra Aves de Goiás, lançada em 2007 por Hidasi.
Bacharel em Música (piano) e especialista em Música Brasileira do Século 20 pela Universidade Federal de Goiás (UFG), Vagner Rosafa é pesquisador da área de folclore e cultura popular e musicista do Centro de Folclore e História Cultural do Instituto do Trópico Subúmido (ITS-UCG), onde desenvolve o projeto Sons do Cerrado, voltado ao ensino de música. Ele também coordena o Conselho Editorial do ITS-UCG, órgão responsável pelas publicações do instituto.
Homem de ciência
Aos 82 anos, olhos azuis e de fala mansa e contida, o currículo de José Hidasi traduz uma história de vida integralmente dedicada à atividade científica. Nascido em 1926 na longínqua e fria Hungria, na pequena cidade de Makó (a 220 km da capital Budapeste), József Hidasi é dono de uma história de vida típica de romances literários ou de filmes.
A paixão por animais, que posteriormente se tornaria em seu ofício, começou cedo. “Costumava alimentar corvos e falcões, muito comuns na Hungria. Eles pareciam gostar de mim e pousavam sobre meus ombros quando ia à escola todas as manhãs”, recorda-se. Mas a paixão transformou-se em conhecimento, e o garoto József começou a dissecar animais mortos que encontrava nas ruas, como ratos, gatos e aves. Em seguida, doava para a escola, para servir de material nas aulas de ciências.
Da origem modesta no leste europeu até a chegada ao Brasil, o homem apaixonado por animais vivenciou alguns dos mais marcantes acontecimentos do século 20. Coincidência ou não, o fato é que, com a eclosão da Segunda Guerra Mundial, o jovem Hidasi encontrou, enfim, a oportunidade que tanto esperou para deixar a vida pacata em Makó e partir rumo ao Brasil, cujo primeiro contato se deu através das leituras em família, durante as noites de inverno rigoroso na terra natal.
“Meu pai, de quem recebi o nome, era militar e tradutor. Por ser poliglota – falava nove línguas –, foi promovido a oficial de contraespionagem, cuja missão era interrogar estrangeiros suspeitos. Dono de uma numerosa biblioteca, ele costumava ler livros para mim e minha irmã. Uma noite, ele leu um livro chamado Terra do Brasil: abençoado por Deus, o qual contava histórias fascinantes de um paraíso perdido nos trópicos; o país da ‘primavera eterna’. Aquilo mudou minha vida”, relata José Hidasi, emocionado.
Todavia, seu primeiro destino, após deixar a Hungria, foi a Alemanha. Dotado de talento para a ginástica e a música, obteve permissão para permanecer no país como refugiado. “A vida foi difícil nessa época. A única comida que tínhamos era floco de aveia com pedaços de carne gordurosa.”
Em uma noite de Natal, seu destino mudaria para sempre. "Um bispo inglês foi convidado para celebrar a missa para os internos do campo de refugiados húngaros. Como o organista não acompanhara o bispo na viagem, ofereci-me para tocar o instrumento. Após a missa, passei a ser tratado como ‘senhor’”, diz.
Da Alemanha, José Hidasi seguiu para a França, onde iniciou os estudos, de forma sistemática, em ciências naturais e continuou tocando órgão em igrejas, o que lhe rendeu algum dinheiro. Em 1949, Hidasi julgou ser o momento para ir, finalmente, para o Brasil, que ele considerava o “paraíso”. Sua paixão pela fauna brasileira serviu para a obtenção do visto. José Hidasi embarcou, então, na cidade de Le Havre, com destino ao Brasil, a bordo do navio Claude Bernard. Dia 1º de novembro de 1950 aportaria no País.
Terra abençoada
No Brasil, José Hidasi pôde, enfim, realizar sua antiga paixão: estudar e taxidermizar a rica ornitofauna brasileira. Assim que chegou, foi apresentado ao cientista alemão Helmut Sick, considerado o maior ornitólogo do País. Com ele, José Hidasi explorou vários biomas do território brasileiro, como a Amazônia, a Mata Atlântica e o Cerrado.
O início de sua fértil carreira se deu em 1954, quando participou da criação do Museu dos Bandeirantes, em Cuiabá (MT). Um ano depois, publicou a obra Os animais pré-históricos de Goiás.
Em 1958, organizou, em Belém (PA), a Exposição da Fauna do Museu Paraense Emílio Goeldi. Um ano depois, de volta ao Centro-Oeste, fundou o Museu de Zoologia do Parque Educativo de Goiânia. Em 1960, lançou o livro Notas sobre os índios e animais de Rondônia. Em 1962, naturalizou-se brasileiro e, nesse mesmo ano, publicou os livros Notas de uma viagem de reconhecimento nas Cordilheiras do Parima e Notas zoológicas da Ilha do Bananal.
Em 1964, exerceu o cargo de mentor do Museu Zoológico e Etnológico de Porto Velho (RO). Dois anos depois, publicou o livro Álbum das aves de Goiás. Em 1968, criou o Museu de Ornitologia de Goiânia e, em 1970, lançou o livro Chave de classificação de Aves. Em seguida, partiu para o Recife (PE), onde organizou o laboratório de taxidermia da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE).
Em 1973, editou o livro Catálogo de aves do Museu de Ornitologia. Em 1980, publicou Aves de Goiás. Em 1994, criou o Museu de Ecologia e Sistemática para a Fundação Universidade do Tocantins (Unitins), localizado no Centro Universitário de Porto Nacional. Em 1998, mandou para o prelo o livro Aves do Tocantins, que deverá ser relançado em breve. No ano passado, foi agraciado, pelo Greenmeeting Executive Forum, com o Prêmio Verde das Américas, por seu trabalho.
Casa-Museu
Caminhar pela casa de José Hidasi é uma experiência única. Há aproximadamente 120 mil espécies de animais taxidermizados em sua residência, adaptada para acomodar o maior acervo científico de zoologia do Cerrado, além de abrigar o Museu de Ornitologia de Goiânia (ramo da zoologia que estuda as aves).
Para manter o museu, José Hidasi dispõe de uma equipe de seis pessoas. De idade avançada, planeja doar a coleção. “Há um projeto da Prefeitura de Goiânia, em parceria com a iniciativa privada, de construção de um museu dentro do Parque Zoológico, para onde seria deslocada grande parte das peças”, explica.
Entretanto, as mais importantes peças do acervo deverão ser levadas à Estação São José, construída pela Universidade Católica de Goiás, em parceria com a iniciativa privada, onde se encontra o Museu Memorial do Cerrado.
Quem estiver interessado em conhecer o acervo do professor José Hidasi, a visitação ao Museu de Ornitologia de Goiânia, que funciona nos altos de sua residência, é gratuita. O endereço é: Rua Pará, Nº 395, Setor Campinas (em frente ao Hospital Infantil). O telefone para contato é: (62) 3233-5773.
TRAJETÓRIA DO PROFESSOR JOSÉ HIDASI
1926 - Filho de militar, nasce em Makó, na Hungria, a 220 km de Budapeste.
Década de 1940 - Refugia-se na Alemanha
1947 - Reconhecido por seu talento musical, é convidado para assumir a direção da Escola Normal de Refugiados, na cidade alemã de Osterode, onde também exerce o cargo de secretário-geral da organização mundial YWCA, que luta pelos direitos das mulheres.
1949 - Apaixonado pela fauna brasileira, o pesquisador convence a imigração do País a aceitá-lo com o desejo de estudar as espécies nativas dos trópicos.
1950 - Embarca na cidade de Le Havre, na França, com destino ao Brasil, a bordo do navio Claude Bernard. Após nove dias de viagem, aporta no Rio de Janeiro, em 1º de novembro de 1950.
1954 - Participa da criação do Museu dos Bandeirantes, em Cuiabá (MT). Um ano depois, publica a obra Os animais pré-históricos de Goiás.
1958 - Organiza, em Belém (PA), a Exposição da Fauna do Museu Paraense Emílio Goeldi. Um ano depois, de volta ao Centro-Oeste, funda o Museu de Zoologia do Parque Educativo de Goiânia.
1960 - Lança o livro Notas sobre os índios e animais de Rondônia.
1962 - Naturaliza-se brasileiro e publica os livros Notas de uma viagem de reconhecimento nas Cordilheiras do Parima e Notas zoológicas da Ilha do Bananal.
1964 - Assume o cargo de Mentor do Museu Zoológico e Etnológico de Porto Velho (RO).
1966 - Publica Álbum das aves de Goiás.
1968 - Cria o Museu de Ornitologia de Goiânia.
1970 - Lançou Chave de classificação de aves. Em seguida, parte para o Recife (PE), onde organiza o laboratório de taxidermia da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE).
1973 - Edita o livro Catálogo de aves do Museu de Ornitologia.
1980 - Publica Aves de Goiás.
1994 - Cria o Museu de Ecologia e Sistemática para a Fundação Universidade do Tocantins (Unitins), do Centro Universitário de Porto Nacional.
1998 - Lança Aves do Tocantins.
2008 - É agraciado, pelo Greenmeeting Executive Forum, com o Prêmio Verde das Américas, por seu trabalho comprometido com as questões socioambientais e com o equilíbrio ecológico do planeta.