Internet utilizada como médico do povo

Internet utilizada como médico do povo (Diário da Manhã, 04/03/09)

Cerca de 40 milhões de brasileiros já são usuários da internet. Entre as razões pelas quais eles navegam está a busca de informações sobre saúde. Assim, juntamente com a figura do internauta, emerge um outro personagem: o “paciente expert” – definido como aquele que busca ativamente informações sobre sua doença (ou a de um familiar), sintomas, medicamentos, tratamentos e custos.

O uso da internet pelos pacientes é um caminho sem volta e, apesar de ter aspectos positivos, pode levar à perda de autoridade da medicina.

Um estudo de revisão bibliográfica sobre o assunto, que está sendo pesquisado pela doutoranda da Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz Helena Garbin, mostra que as opiniões sobre o assunto são antagônicas.

Ela analisou 15 trabalhos, que envolveram 33 autores de 18 universidades. Todos os artigos analisavam quais as consequências que o fenômeno do “paciente expert” podem ter sobre a profissão médica e a medicina tradicional. Há pelo menos três posições bem definidas sobre o tema.

DOIS LADOS
Autores mais radicais entendem que a aquisição de informações sobre saúde pelo paciente, via internet, abala o status e a autoridade do médico. Outros argumentam o oposto, que a disseminação pela rede das pesquisas e de novos tratamentos acaba fortalecendo ainda mais a prática médica, já que os pacientes vão em busca de profissionais mais atualizados. Um terceiro grupo de artigos fica num nível intermediário, ora preservando, ora condenando o médico.



Muitas fontes não são consideradas confiáveis

O presidente da Associação Médica Brasileira, José Gomes do Amaral, considera positiva a busca de informações sobre saúde e doença na internet. Mas ressalta que muitas fontes na rede não são confiáveis e o paciente não tem capacidade para fazer essa avaliação.

“Na internet, o que existe são informações. O que o médico faz ao longo de sua formação é aprender a usá-la, daí é que reside a complexidade da formação médica”, disse Amaral. Por isso, como a medicina avança numa velocidade cada vez maior e as informações acessíveis a todos se multiplicam, a consulta com um médico continua sendo imprescindível.

“No momento de discernir o que é mais importante e colocar peso nas novidades que surgem está a função do médico”, afirmou. Autora do estudo, Helena Garbin aponta aspectos positivos e negativos do uso da internet. Ela acredita que, no Brasil, esse fenômeno ainda vá crescer muito, porque apenas 16% dos lares brasileiros, segundo o IBGE, possuem internet.

Automedicação
“A população tem mais acesso ao conhecimento e acaba pesquisando sintomas na internet”, afirma a professora de Farmacologia da Faculdade de Farmácia da Universidade Federal de Goiás (UFG) Dione Marçal Lima. Ela lembra, no entanto, que a automedicação trata os sintomas e não a doença.

O uso de remédios à revelia pode impedir o diagnóstico de uma doença, provocar resistência de micro-organismos, no caso de patologias, ou, em casos extremos, provocar outras doenças. “Alguns analgésicos, quando usado por muito tempo, podem provocar gastrite”, exemplifica. Isso acontece porque pacientes que praticam a automedicação, geralmente, não sabem como, nem por quanto tempo, usar o medicamento.

Dados do Ministério da Saúde apontam que mais de 60% da população brasileira já se automedicou em algum momento. O aconselhável é sempre procurar ajuda especializada, mesmo em casos aparentemente simples. Dione adverte para a aparente inocência dos remédios naturais, que, ao contrário da crença popular, também causam efeitos adversos.



Detalhes sobre medicamentos

A estagiária Danielle Maria Silva Ribeiro, 25, pertence à categoria dos internautas que usam a rede de computadores para se informar sobre saúde. Longe de ser uma hipocondríaca, no entanto, ela costuma se informar sobre remédios receitados para saber dos riscos de tomá-los: “Eu tenho muito medo de tomar remédios; então, mesmo o médico me receitando, eu pesquiso.”

A desconfiança, que ela chama de precaução, é herança de família. “Ninguém na minha família gosta de tomar remédios.” Os mesmos critérios valem para remédios naturais. Automedicação apenas para remédios que já tomou. Mesmo em casos incômodos, ela evita se medicar: “Prefiro ficar com a dor a me arriscar.”

Hipocondria virtual
Há cinco anos a estudante Alessandra da Silva Carvalho, 24, se vale da internet para pesquisar sobre doenças e tratamentos. Quando está em dúvida sobre o uso de um medicamento, consulta páginas com bulas para se informar. Apesar de se automedicar constantemente, garante que só faz uso de remédios simples e que já tenha consumido anteriormente. “Só uso os que já conheço.”

“Sou uma hipocondríaca cibernética, mas bem light”, diverte-se. A estudante prefere o uso de fitoterápicos, como chás, por acreditar que eles não tenham efeitos colaterais. Profissionais da área de saúde a advertem sobre os perigos. “Eles me dizem que posso usar a internet para conversar com os médicos, mas acho que para curar coisas simples, como gripe, é válido.”

A estudante afirma que não aconselha a automedicação, por saber dos riscos. “Isso que faço não aconselho ninguém a fazer”.