Fora do ritmo
Fora do ritmo (Diário da Manhã, 16/03/09)
Berlim, Londres, São Paulo, Campinas, Brasília. São várias as cidades do Brasil e do mundo que possuem orquestras sinfônicas e que cuidam delas como um autêntico cartão-postal. Em Goiânia, infelizmente, a situação é bem diferente. Embora já tenha sido classificada pela revista Veja como uma das cinco principais do País, atualmente os músicos da Orquestra Sinfônica de Goiânia atravessam um momento de sérias dificuldades.
Com salários muito abaixo da média nacional da categoria – com valores inferiores a R$ 1 mil, menor até do que de orquestras jovens, consideradas amadoras –, muitos são obrigados a arcar com a manutenção dos instrumentos, o que consome boa parte dos rendimentos. Por isso, a maioria dos músicos não se dedica exclusivamente à sinfônica, como deveria acontecer. Para complementar a renda, se habilitam a tocar em eventos particulares, como festas de aniversário e casamentos, e dão aulas em escolas de música.
Em resposta às atuais condições, a Prefeitura de Goiânia, por meio da Secretaria Municipal de Cultura, já anunciou que revitalizará totalmente a orquestra, a começar pelo reajuste salarial, uma promessa antiga dos governantes.
Aos 68 anos, e com a experiência de quem acompanha a Orquestra Sinfônica de Goiânia desde sua fundação, há 15 anos, o maestro Joaquim Jaime – o primeiro e único que a orquestra já teve – afirma que o reajuste salarial deve contemplar um quadro mais amplo de reforma geral e técnica da orquestra. “O prefeito já sinalizou que iria atender às nossas reivindicações. Esperamos que ele assim o faça”, diz.
Entre as principais privações apontadas pelo maestro, estão a carência de espaços adequados para ensaios e apresentações, fato que ele considera como o maior obstáculo para os projetos de expansão do grupo. A necessidade de aquisição de novos instrumentos e a falta de um calendário anual fixo também prejudicam as intenções do maestro. Para ele, a orquestra deveria se apresentar pelo menos 50 vezes ao ano.
“Atualmente, dispomos apenas do Teatro Goiânia e do Teatro Rio Vermelho, no Centro de Convenções. No entanto, o primeiro será reformado em breve e o segundo cobra uma taxa muito alta para apresentações, cerca de R$ 8,5 mil por noite. Por isso, temos tocado ultimamente em igrejas e auditórios de universidades, cujas estruturas não atendem totalmente às nossas demandas”, frisa Joaquim.
No momento, a Orquestra Sinfônica de Goiânia se prepara para a primeira apresentação em 2009, agendada para o próximo dia 18, no Teatro Goiânia. Por isso, o grupo reiniciou os trabalhos na última terça-feira, dia 10. Os ensaios acontecem de terça a quinta, das 9 às 3h, na sala da orquestra, localizada no 9º andar do edifício Parthenon Center, centro da cidade.
Composta atualmente por 65 músicos, a Orquestra Sinfônica de Goiânia apresenta um repertório variado, que vai do barroco à música romântica do século 19. Grandes autores da música clássica e erudita universal, como Mozart, Beethoven, Brahms, Bach, Tchaikovsky, Wagner e Rachmaninov, têm suas obras executadas pela orquestra.
O que caracteriza uma orquestra como sinfônica? O maestro Joaquim Jaime explica que a sinfônica deve estabelecer uma relação harmônica entre os instrumentos de corda e os de sopro e percussão. “Para isso, os instrumentos de corda – violinos, violoncelos, violas e contrabaixo – devem prevalecer (em quantidade) sobre os demais”, explica. Nessa perspectiva, dos 65 músicos da Orquestra Sinfônica de Goiânia, 20 são violinistas.
Amor
Professor aposentado pela Universidade de Brasília (UnB), o maestro Joaquim Jaime já ministrou aulas de música na Universidade Federal de Goiás (UFG) e no antigo Instituto de Artes, atual Emac. Sua história de vida é, também, uma história de amor à música erudita.
O extenso currículo do maestro inclui vários anos de estudo com a renomada pianista e musicista goiana Belkiss Spenzièri Mendonça. Além disso, Joaquim recebeu uma bolsa de estudos na Bahia e seguiu para a cidade alemã de Rostock, onde passou uma temporada de seis anos aperfeiçoando a técnica musical com o conceituado maestro Höeberg.
Lá, estudou a obra dos grandes autores clássicos, mas sua maior descoberta musical, enquanto pesquisador e maestro, foi o suntuoso trabalho do húngaro Franz Liszt, “o maior entre todos os sinfonistas”, como define Joaquim.
A música brasileira também é uma influência forte do maestro Joaquim Jaime, cujos estudos incluem desde autores eruditos – como Villa-Lobos, Lorenzo Fernandes e Alberto Nepomuceno – até expressões da cultura popular, como samba, frevo e MPB.
Trajetória
Criada em 1993, na gestão do ex-prefeito Darci Accorsi, a Orquestra Sinfônica de Goiânia foi transformada, dois anos depois, em fundação. No entanto, a Fosgo (Fundação Orquestra Sinfônica de Goiânia), como ficou conhecida, possuía autonomia apenas relativa, pois ainda dependia financeiramente do poder público.
Embora fosse evidente a necessidade de desenvolver novos projetos para a revitalização da orquestra, como promover melhorias nas condições de trabalho dos músicos e estimular a profissionalização e capacitação do setor, inclusive realizando concursos públicos para a contratação de novos integrantes, a antiga Fosgo não conseguia captar a verba necessária para a execução dos projetos.
As despesas da fundação eram, então, arcadas pela Secretaria Municipal de Cultura. Isso inviabilizava, de certa forma, a implementação das mudanças esperadas, pois a orquestra teria de disputar com outros órgãos e instituições culturais de Goiânia a prioridade na destinação dos recursos municipais voltados para a área.
A situação permaneceu desta forma até 2008, quando Tânia Cruz assumiu a coordenação técnica da Fosgo. Após deliberações, uma de suas primeiras decisões à frente da fundação foi transferi-la, de fato, para a Secretaria Municipal de Cultura. Resultado: a Fosgo deixou de existir enquanto fundação e a Orquestra Sinfônica de Goiânia passou a ser tutelada pelo governo municipal.
“Percebemos que a fundação precisava urgentemente de uma reforma administrativa. Portanto, decidimos integrá-la à Secult. Sabemos que o secretário Kleber Adorno e o prefeito Iris Rezende estão empenhados no sentido de implantar as mudanças que precisamos. Por isso, confiamos neles”, afirma Tânia Cruz.
Empenho coletivo
De fato, ares de novidade já podem ser notados pelos corredores do 9º andar do edifício Parthenon Center. A primeira novidade por lá, até o momento, foi a realização da reforma da sala de ensaios, cuja finalidade era melhorar a acústica do recinto e diminuir a reverberação do som.
A expectativa de “arrumar a casa” é compartilhada por todos os funcionários da orquestra, inclusive entre os músicos. Em tom de esperança, o violinista Ivan Quintana é o porta-voz do otimismo que contagia a todos, no sentido de que o interesse já manifestado por parte da administração municipal se transforme, de fato, em ações concretas.
Além de exímio violinista, Ivan Quintana é o spalla da Orquestra Sinfônica de Goiânia, uma espécie de líder do grupo e assessor do maestro, dentro e fora dos palcos. Peruano, é formado na Escola Superior de Música de Lima e tem mais de 30 anos dedicados à arte de encantar plateias.
Embora radicado em Goiânia há apenas três anos, o músico – que se diz grande admirador da obra do compositor alemão Richard Strauss – vive há 20 anos no Brasil, e já morou e trabalhou com música no Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília. Questionado sobre a dificuldade por que passa a Orquestra Sinfônica de Goiânia, Ivan responde como um típico líder, mobilizando os demais músicos a superar os problemas financeiros e estruturais por meio do empenho artístico.
“Sabemos das nossas dificuldades, mas acredito que elas devem ser vencidas `de dentro para fora´. Isso significa adotar uma nova mentalidade, que prioriza a qualidade do trabalho em detrimento do mero retorno financeiro. Conheço orquestras com boa remuneração, mas que, artisticamente, deixam a desejar. Devemos nos conscientizar de que, se fizermos um belo trabalho como artistas, as chances de captar recursos também aumentam”, pondera o spalla Ivan Quintana.