O Feminino refeito
O Feminino refeito (Diário da Manhã, 17/03/09)
A jovem artista plástica Sylvana Lobo, 29, tem muitas perguntas a fazer e uma série de paradigmas a combater. Um deles é a incômoda imagem da mulher- objeto que ainda povoa o imaginário popular masculino e cuja discussão ela reacende com a série de trabalhos que integra a mostra De cabelos longos, sentada na relva, que a galeria da Faculdade de Artes Visuais da Universidade Federal de Goiás inaugura hoje, com permanência até 10 de abril.
Esta é a primeira individual da artista, que também navega pela fotografia, e já se apresentou em oitos mostras coletivas. A temática feminina está presente em todas as obras – realizadas em acrílico sobre tela –, contudo com a clara intenção de não passar pelo óbvio. A forma como a mulher costuma ser retratada pelo inconsciente coletivo incomoda a artista, e foi este ponto que a motivou para as criações que compõem a exposição. “Eu quis quebrar o referencial popular da imagem feminina, pois fico um tanto incomodada com a maneira que nós mulheres somos figuradas. Minha obra propõe questionamento ao papel feminino”, detalha.
Para Selma Parreira, artista visual e professora coordenadora da galeria da FAV, a exposição é muito importante para a galeria, que abre espaço para artistas reconhecidos e também iniciantes, que buscam nos espaços institucionais a possibilidade de divulgar seu trabalho.
A figura feminina proposta por Sylvana aparece de maneira sutil, em silhuetas em meio a texturas manchadas, característica marcante do trabalho da artista. São silhuetas semelhantes às de retratos recortados, desenhados e pintados. Os sentimentos transmitidos remetem a angústias e desconfortos com a expectativa da pintora em ter de se tornar uma “mulher de verdade”, como ela mesma diz, por meio das mulheres da ficção.
A escolha das cores de Sylvana privilegia cores mais sutis e pastéis, com poucas pinceladas de tonalidades mais marcantes. Ela explica que, devido à carga pesada do aspecto da mulher que traz à tona, não é possível escolher os tons mais alegres, o que fugiria da tendência desenvolvida por ela. O objetivo é a busca pela dramaticidade, mesmo que excessiva. “Estas características que uso nas telas acabam por bater de frente com a felicidade excessiva, algo que me incomoda muito”, revela.
Para a composição do que pinta, a artista conta que não busca inspiração em acontecimentos fantásticos. As ideias surgem em situações meramente cotidianas, como uma conversa em mesa de bar, onde é possível “roubar” expressões de pessoas que podem ter alguma relação com sua obra, por exemplo.
Presente em todas as telas e servindo como marcante elemento de estilo ao conjunto da exposição, há um fio amarelo, que aparece ora sobre o sexo, a boca, enrosca-se nos pés ou nos pulsos. Nas pinturas de Sylvana, o fio amarelo parece ser o sinal de alerta, a consciência tornada objeto. A explicação sobre o elemento vem da curadora Renata Azambuja, que também é professora da UnB (Universidade de Brasília).
Também recorrentes, as frases, ou frações delas pintadas, dão nome aos trabalhos e confirmam a suposição de que elas, talvez, sejam fatores dominantes de equações visuais, servindo como explicação para o conteúdo das pinturas. Algumas vezes aparecem frases curtas em tom afirmativo e imperativo, como “toque“, “beije” ou “coma”, outras aparecem como questionamentos, como “você se sente atraído por mim?” ou “quanto vale uma vírgula?”.
Renata Azambuja descreve a pintura da artista goiana como a visão persistente de manchas coloridas, massas escuras, silhuetas e palavras. A impressão da curadora é de que as obras parecem paradoxais, mas funciona, no contexto de sua pintura e ajudam a contar a história que se segue em um universo cheio de alegorias.
A curadora Renata Azambuja explica que, no trabalho de Sylvana, a mancha, por ser a matéria que ocupa lugar sem mostras de definição, é uma espécie de continuidade no tempo. O único indício de temporalidade é a sua permanência de uma pintura a outra. Este elemento está presente em todas as cenas das pinturas, caracterizando a figura-silhueta. “Se a mancha esconde uma revelação ao mesmo tempo em que se espraia, a silhueta delineia”, conclui.
Impressões
Ao observar trabalhos artísticos é inevitável não traçar paralelos com outros artistas. As telas de Sylvana Lobo não fogem à regra. A alusão é feita com a obra da norte-americana Kara Walker, que usa a técnica de silhueta com papéis cortados, elaborando cenários em que personagens se relacionam, detalha a curadora. Diferenças à parte, as imagens em silhueta nos trabalhos de Walker, como nos de Sylvana, têm o intuito de provocar o pensamento sobre o que significa a representação por imagens e como elas podem estimular uma nova formulação de identidade e uma visão crítica sobre a própria realidade.
Outra referência, ainda que não tão explícita, é a fotógrafa e artista plástica norte-americana Cindy Sherman, que também valoriza a figura feminina e vai mais longe ao ser personagem de sua própria obra. A influência de Cindy aparece com força, tanto na atuação de Sylvana como fotógrafa como na de pintora .
“O ponto principal do trabalho de Sylvana é a proposta contemporânea, bem trabalhada com elementos figurativos. Ela é uma artista que trabalha muito bem com as sombras, além de um grafismo muito interessante”, avalia Selma.
O interesse pela arte foi despertado pela vontade de realizar trabalhos manuais, após experimentar a fotografia. Ao traçar paralelos sobre os dois caminhos, concluiu que na fotografia havia a busca pela construção de um mundo real e, na pintura, o trabalho criativo partia do zero, sem a necessidade de transpor a realidade necessariamente. Antes de estudar Artes Visuais, Sylvana formou-se em Direito, carreira que jamais exerceu. A artista já coleciona prêmios: o Sesc de Pintura em Tela Cândido Portinari, conquistado por dois anos consecutivos.
Exposições
2007 – Madame Bovary sou eu, no Teatro Nacional, em Brasília
2007 – 39º Salão de Arte Contemporânea de Piracicaba, na Pinacoteca Municipal Miguel Dutra
2007 – 7º Salão de Artes Visuais de Guarulhos, no Centro Permanente de Exposições de Arte Prof. José Ismael
2007 – 6º Salão de Artes Visuais, no Museu de Arte Contemporânea de Jataí
2006 – 5º Salão de Artes Visuais, no Museu de Arte Contemporânea de Jataí
2006 – XXIX Concurso Novos Valores, na Fundação Jaime Câmara
2005 – Vetores, no Museu de Arte de Goiânia
2002 – A Imagem como Memória, na Prefeitura de Goiânia
2002 – Luzes da Fé, no Shopping Bougainville
Exposição “De cabelos longos, sentada na relva”, da artista plástica Sylvana Lobo
Quando: de hoje a 10 de abril, de segunda a sexta-feira, das 8 às 12h e das 13 às 17h
Onde: Galeria da Faculdade de Artes Visuais (FAV). Campus II da UFG. Setor Itatiaia