Pais agridem filhas em nome de Deus

Pais agridem filhas em nome de “Deus” (Diário da Manhã, 20/03/09)

Pais usam Deus para justificar agressões físicas contra duas meninas menores de idade, em Goiânia. A infância mal começou para essas crianças, e elas são vítimas da violência doméstica. A dona de casa I.F.L.M., 27, desferiu nove golpes de tesoura na filha M., de apenas 9 meses de vida. O soldado reformado da Polícia Militar A.S.C., 37, atirou a caçula, S., de um ano e um mês na parede.
As garotas estão internadas em estado grave desde a tarde de ontem, na UTI do Hospital da Criança, no Setor Sul. Uma das tesouradas atingiu o pulmão de M. Já S. teve traumatismo craniano em consequência do impacto com o concreto. Nos dois casos, a Polícia Civil (PC) trabalha com a suspeita de surto psicótico. Tanto o policial aposentado quanto a dona de casa serão submetidos a avaliação psicológica.
Os casos de agressão ocorreram no Jardim Novo Mundo, região Leste de Goiânia. I.F.L.M. trancou a filha no banheiro da casa onde mora, na Rua Alegrete, por volta da meia-noite. Na sequência, desferiu tesouradas, com a intenção de matar a menor. O pai de M. ouviu os gritos da filha, arrombou a porta e tentou conter a mulher, mas as lesões já tinham sido praticadas.
A.S.C. atacou a filha S. no apartamento da família, na Avenida Manchester, por volta das 3h30. Segundo a vizinha Adriana Carvalho, 26, que ajudou a socorrer S., o pai agrediu violentamente a criança. “Quando cheguei, vi a mãe pedindo socorro. A menina estava ensanguentada, com traumatismo craniano e com os dentes quebrados. Dizer que fiquei chocada é pouco. Nem sei como explicar o que senti.”
A.S.C. também agrediu a própria mulher, 25, (ela tentou proteger a menina) que saiu com escoriações e o nariz ferido. De acordo com o tenente Flávio Souto, que participou da ação para conter o agressor e socorrer a criança, A.S.C. estava visivelmente transtornado: “Ele estava nu, se debateu muito no chão e tentou agredir os policiais.”
C. S., cabo da Polícia Militar, irmão de A.S.C., informa que, antes de sair nu para a rua, ele quebrou vidraças e saltou um muro. “Ele está muito ferido. Tem um corte na cabeça e quase teve um dedo decepado. Não estava em seu juízo”, acredita.
C.S. diz que A.S.C. se aposentou há dez anos como PM por causa de problemas psicológicos. “Ele já tentou suicídio. Não tínhamos muito contato ultimamente, mas, pelo que sei, se apresentava bem. Ele não faria isso se estivesse normal, porque sei que gosta de criança.”

Atendimento
S. recebeu os primeiros atendimentos no Hospital Materno Infantil com traumatismo craniano, mas por volta das 14h30 foi transferida para o Hospital da Criança. M. foi levada para o Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Goiás (HC/UFG), mas, por falta de UTI pediátrica na unidade, foi transferida também, por volta das 17 horas, para o hospital do Setor Sul. Até o fechamento desta edição, as meninas respiravam com ajuda de aparelhos.
A.S.C. teria passado parte da noite em vigília, em uma igreja da denominação Assembleia de Deus no bairro. Os militares que o prenderam informaram que ele disse várias vezes que foi Deus quem mandou agredir a filha. I.F.L.M. disse que atacou a filha porque esta estaria possuída pelo demônio. “Fiz pela fé. Vi que o mal estava presente nela. Foi a vontade de Deus.” Aparentado calma, I.F.L.M. explicou que tentou matar a menina porque ela representa “a falta de amor da humanidade”. Afirma que Deus também já mandou ela matar outro filho, de quatro anos.

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“Minha intenção era sacrificar ela”

Em entrevista ao DM, a dona de casa I.F.L.M. afirma que agrediu a filha de nove meses porque esta estaria possuída pelo demônio. Ela não demonstra arrependimento e diz que cumpre a voz, que, segundo a mãe de M., é de Deus. Em entrevista à TV Record local, ela chegou a afirmar que sua intenção era sacrificar a filha: “A minha intenção era sacrificar ela. Só que eu não consegui.”

Diário da Manhã - Qual o motivo que levou a senhora a agredir sua filha?
I.F.L.M. - Foi vontade de Deus. Era o que Ele queria que fizesse. Estava possuída pelo demônio. Fiz pela fé. Vi que o mal estava presente nela. Foi a vontade de Deus. Ela representa a falta de amor da humanidade, a prostituição e o poder do mal que governa o mundo.

DM - Por que a senhora afirma que é isso é que Deus quer?
I.F.L.M. - Porque Ele me falou. Escutei uma voz me dizendo.

DM - O que a voz te dizia?
I.F.L.M. - Dizia que deveria fazer um sacrifício a Deus para alcançar as promessas Dele. O sacrifício era matar minha filha.

DM - Ao fazer o sacrifício, o que a senhora esperava que acontecesse?
I.F.L.M. - Esperava encontrar com Ele; ir para um lugar onde Ele está.

DM - A senhora tem religião?
I.F.L.M. - Tenho. Sou católica.

DM - Essa é a primeira vez que isso acontece?
I.F.L.M. - Deus também já mandou eu matar um outro filho, de quatro anos.
DM - A senhora está arrependida do que fez?
I.F.L.M. - Queria realizar a vontade de Deus. Era por Ele. Faço tudo que seja por Deus.

DM - Como você está se sentindo agora?
I.F.L.M. - Queria ter feito o que Deus mandou. Apenas isso.
(Loisse Rodrigues)