História de Goiânia é recontada

História de Goiânia é recontada (Diário da Manhã, 07/04/09)

Juca Fernandes lança hoje no Cine Ouro documentário sobre Attilio Corrêa Lima, arquiteto pioneiro da Capital

Elucidar as origens da fundação de Goiânia, a partir de fotografias, documentos e relatos de especialistas e de familiares dos pioneiros da construção da Capital. Foi com este objetivo que o diretor José Fernandes da Cunha, conhecido por Juca Fernandes, de 31 anos, pesquisou a trajetória de um dos nomes mais importantes da fundação de Goiânia, cuja memória permanece, injustamente, esquecida: o arquiteto, urbanista e paisagista Attilio Corrêa Lima. O resultado está no documentário em longa-metragem Attilio - Traços, Arquitetura e Cidades, que estreia hoje, às 20h, no Cine Goiânia Ouro. Ingressos custam R$ 1.
O documentário tem direção de fotografia de Juan Moynier e foi premiado, em 2008, pela Lei Municipal de Incentivo à Cultura. Pelo prêmio, Juca recebeu R$ 28 mil, e já inscreveu o filme para o próximo Festival Internacional de Cinema e Vídeo Ambiental (Fica), que acontece na cidade de Goiás.
A ideia de realizar o longa surgiu quando Juca ainda era estudante de Arquitetura e Urbanismo na Católica, entre 1996 e 1998. “Na época, e acredito que ainda hoje seja assim, ouvia-se muito falar em arquitetos renomados como Lúcio Costa e Oscar Niemeyer, mas pouco se falava em Attilio Corrêa Lima, pioneiro de Goiânia. Achava isso um absurdo. O filme é também uma iniciativa para preencher a lacuna sobre a memória de Attilio.”
Para realizar o documentário, que levou seis meses para ser concluído, Juca – que atualmente cursa Jornalismo na UFG – colheu depoimentos de estudiosos da obra de Attilio, como os arquitetos Luiz Gonzaga Montans Ackel e Anamaria Diniz (ambos autores de teses acadêmicas sobre a obra de Attilio), o biólogo Osmar Pires Júnior e o historiador e professor Nasr Chaul.
O ponto forte do filme é o depoimento do único filho de Attilio, o também arquiteto e urbanista Bruno Corrêa Lima. Aos 79 anos, Bruno reside em Nova Friburgo (RJ) e, ao lado da filha Rachel Corrêa Lima, mantém o acervo do pai catalogado.

divisão
Com duração aproximada de 80 minutos, o documentário é dividido em quatro partes, que acompanham as diferentes etapas da vida do personagem biografado. Tendo por base – e trilha sonora – a célebre composição de Antonio Vivaldi, As Quatro Estações, o documentário ambienta cada fase da vida de Attilio em analogia com as estações do ano.
O longa começa na “Primavera”, entre 1901 (nascimento) e 1921, quando ele vai morar com a família no Rio de Janeiro. Filho do renomado escultor brasileiro José Octávio Corrêa Lima e da italiana Rosália Marzia Benfaremo Corrêa Lima, desde o berço entrou em contato com o mundo das belas artes, inclusive realizando o curso primário em Paris, onde se interessou pela arquitetura.
O “Verão” inicia em 1922 e vai até 1930, e aborda o período em que Attilio Corrêa Lima cursou a Escola Nacional de Belas Artes (Enba), no Rio. Aluno brilhante, ele ganha uma bolsa do governo para estudar em Paris. Antes de partir, casa-se com Olga Fernandes Corrêa Lima. Na França, conhece os mais importantes arquitetos da Europa, que muito o influenciariam em sua estética de cunho modernista, como os franceses Henri Prost e Tony Garnier, além do alemão Ernst May.
À época, os arquitetos estavam interessados em projetar as novas linhas das metrópoles europeias, que cada vez mais se tornavam cidades industriais. É quando Attilio conhece aquele que seria sua maior influência e seu maior mestre: o arquiteto francês Alfred Agache.
O “Outono” (1931-1943) explora a intensa fase profissional, aliada à carreira acadêmica. Primeiro urbanista formado do Brasil, após os estudos na França, Attilio é convidado por Lúcio Costa para ocupar a cadeira de Urbanismo da Escola Nacional de Belas Artes (Enca-RJ), posto criado exclusivamente para ele.
Já famoso, é chamado por Pedro Ludovico Teixeira para projetar a nova capital do Estado, que ele desejava construir.  Por fim, o “Inverno” (1943 e outras histórias) narra o trágico acidente aéreo ocorrido no Rio, que ceifaria a vida de Attilio, aos 42 anos.

desmentidos
Como em todo bom documentário biográfico, não faltam polêmicas e controvérsias sobre o homenageado. No filme de Juca Fernandes, a questão-chave se refere aos episódios concernentes à fundação e concepção do primeiro plano diretor de Goiânia. “Ao pesquisar teses acadêmicas e documentos de época, sobretudo os que pertencem à família de Attilio, deparei-me com versões e fatos comprovados que contrariam a história considerada oficial sobre a fundação de Goiânia”, dispara Juca.
De fato, ao assistir a Attilio - Traços, Arquitetura e Cidades, o espectador se depara com fatos, até então inéditos, que desmentem a opinião corrente de que foram os irmãos Abelardo e Jerônimo Coimbra Bueno quem planejaram a cidade de Goiânia. Na verdade, o arquiteto e urbanista ítalo-brasileiro já havia traçado todas as linhas do projeto urbano da nova capital, incluindo áreas verdes e espaços coletivos.
“Em plena década de 1930, Attilio já se preocupava com a questão ecológica e ambiental dos grandes centros urbanos, concebendo nova topografia dos espaços. Ele foi o precursor da moderna arquitetura brasileira”, diz Osmar Pires Júnior, professor universitário e ex-secretário municipal e estadual de Meio Ambiente.
O aspecto autenticamente moderno do projeto de Attilio Corrêa Lima para Goiânia compreende, de acordo com Osmar, na configuração das avenidas e ruas que confluem para o centro do poder político estadual, a Praça Cívica. Repleto de simbologia, o traçado urbano da nova capital era inovador, na medida em que estabelece um núcleo de poder ao redor do qual a cidade se estenderia em vários setores, cada um com sua função específica.
No entanto, o projeto original não foi cumprido na totalidade. Disputas políticas encabeçadas pelos irmãos Coimbra Bueno, sobrinhos de Ludovico, excluíram Attilio da execução do projeto. Irritado e descontente, ele abandonaria a cidade que ajudara a planejar. Assim, o loteamento da nova cidade ficou a cargo dos Coimbra Bueno, que desrespeitaram o projeto original de Attilio, tornando Goiânia na cidade fragmentada que conhecemos hoje.
“A história oficial comete uma verdadeira injustiça com Attilio Corrêa Lima, ao afirmar que ele apenas participou do esboço inicial do projeto de Goiânia, quando, de fato, foi ele quem planejou tudo. Nós, goianos, temos uma imensa dívida histórica com Attilio, por sua dedicação e intensa produção. Já é hora de repararmos nosso grave erro e reescrevermos essa história”, conclui a professora universitária Anamaria Diniz, autora da tese Goiânia de Attilio Corrêa Lima (1932-1935) - Ideal estético e realidade política.

Lançamento do documentário “Attilio - Traços, Arquitetura e Cidades”, de Juca Fernandes
Quando: Hoje, a partir das 20h
Onde: Cine Goiânia Ouro
Quanto: R$ 1