Vítimas do álcool são cada vez mais jovens
Vítimas do álcool são cada vez mais jovens (Diário da Manhã, 20/04/09)
Propaganda e família incentivam uso de bebidas. Produto consumido em Goiás daria para encher 4,7% do Meio Ponte
Fazer propaganda sobre cerveja é algo bastante simples: contrate uma linda mulher, coloque a jovem com pouca roupa e uma garrafa na mão. Depois, escreva frases que despertam o desejo sexual. A comunicação pode ser feita também de outra forma: contrate um jogador de futebol ou alguém famoso e mostre esta personalidade (Zeca Pagodinho, Ronaldo, atrizes de novela, etc.) bebendo a cervejinha, todo sossegado e em paz numa praia paradisíaca.
A propaganda de cerveja, que comunica poder, felicidade, juventude, beleza e descontração, pode ser um perigo para os jovens. Este padrão comunicativo tende a influenciar a juventude e aumentar o vício, conforme estudos divulgados pela Fundação Oswaldo Cruz.
O brasileiro já consome 50 litros de álcool por ano, e a parte viciada da juventude dobra a cada ano. Os adolescentes são as principais vítimas deste padrão. A pesquisa analisou o comportamento de estudantes da rede pública de ensino de São Bernardo do Campo após exposição a peças publicitárias. Segundo a análise de Alan Vendrame, um dos autores do estudo, as propagandas que mais chamaram a atenção estavam relacionadas ao sexo e futebol.
A indústria costuma contratar estrelas como Ronaldo e tenta persuadir o jovem com a imagem de sucesso e idolatria. Afinal, se o ídolo usa, o jovem também vai fazer o mesmo. A estratégia dá certo em parte, pois a publicidade, um recurso comunicativo sem o apelo antes imaginado, tem efeitos de forma reduzida. O jovem com opinião formada dificilmente cai na lábia da propaganda. Enfim, a propaganda entra em um ouvido e sai pelo outro. O problema é que uma grande maioria de jovens é completamente frágil em termos de opinião, não tendo conhecimento e capacidade de discernimento.
O psiquiatra Paulo Gontijo, coordenador do programa sobre drogas do Departamento de Saúde Mental e professor da Universidade Federal de Goiás (UFG), afirma que o álcool exerce, de fato, significativa influência por apresentar uma série de valores ligados ao sucesso e prazer. Essas emoções variam na cabeça dos jovens, mas é inegável que eles bebem também para se sentir bem. A.D., 17 anos, frequenta hoje o Movimento Jovens Livres por conta de problemas com alcoolismo. Aos 13 anos, ele teve contato com a cerveja. “Meu pai me dava uma bicada todos os dias. Aos 15 anos, estava viciado.” Ou seja: não bastasse a motivação das propagandas, a própria família leva crianças e adolescentes a terem experiências com o álcool.
A.D. afirma que não começou a beber a partir da propaganda, mas cita, de cabeça, diversas peças publicitárias. “Geralmente tem uma mulher muito bonita, jogadores de futebol”, diz.
P.H., 17, também começou a beber em casa. Ele não consegue ficar sem o líquido. “Bebo porque gosto”. Neste caso, a publicidade teve pouca influência. D. A, dos Alcóolicos Anônimos (AA), afirma que o vício é uma doença. “Estava numa festa da família com outros amigos. Todos beberam. Cada pessoa tem uma reação. Em relação ao grupo, fui o único a cair naquele dia”, recorda.
Publicitários negam influência negativa
A psiquiatra Ana Cecília Marques, da Associação Brasileira de Psiquiatria, afirma que as propagandas deveriam ser proibidas, pois o álcool tem como função ser um rito de passagem para drogas mais lesivas.
Os principais argumentos do estudo referem-se à quebra das próprias regras da publicidade. Uma delas diz respeito à possibilidade de se extrair do texto publicitário a noção de êxito profissional ou sexual.
Sílvio Küster, diretor executivo do Sindicato das Agências de Propaganda de Goiás, afirma que desconhece as pesquisas que comprovam a influência da propaganda no uso de álcool entre jovens, mas discorda deste fatalismo.
“O uso do álcool antecede à existência da propaganda, considerada sempre o ‘patinho feio’ da história. Aliás, o cinema sempre fez isso, mostrar o uso do álcool. A literatura também. E a culpa agora é da propaganda”, diz.
Küster afirma que existe um código de autorregulamentação profissional, sendo a ética da propaganda uma das principais preocupações da classe. “Hoje, existem faixas de horário específicas. Diante disso, acho realmente difícil afirmar que os jovens sejam tão influenciados pela publicidade. Pode até ser que no passado ocorreram abusos, mas hoje respeitamos limites discutidos e impostos em sociedade.”
Consumo inicia aos 13 anos
Levantamento da Secretaria Nacional de Drogas (Senad), realizado entre 2005 e 2006, demonstra que os jovens são as principais vítimas dos acidentes de trânsito que envolvem pessoas alcoolizadas: 25% dos motoristas mortos em acidentes de carros em 2005 eram jovens de 18 a 25 anos.
A pesquisa do Senad mostra que adolescentes e jovens que têm hoje até 27 anos começaram a beber por volta dos 15 anos. Por sua vez, os jovens com 15 e 18 anos começaram aos 13 anos. A estatística comprova por amostragem que o acesso ao álcool diminuiu dos 15 para os 13 anos, tendo perspectivas de que, na próxima década, este patamar seja ainda menor. O Senad informa que parte significativa dos jovens que bebem já se excedeu várias vezes – fato que amplia os riscos de acidentes e violências domésticas.
A outra pesquisa, que alerta para os perigos da propaganda, divulgada pela Fundação Oswaldo Cruz, analisou a recepção dos jovens em relação a 32 propagandas de cerveja.
O consumo de bebidas alcoólicas é cinco vezes maior entre aqueles que foram expostos ao conteúdo da publicidade. Em alguns casos, afirmam os pesquisadores, este consumo motivado chega a ser 10 vezes maior.
Tendência é banir comercial
A falta de estratégias inteligentes dos combatentes do alcoolismo tem dificultado a defesa da causa. A tendência é de que a propaganda de álcool seja banida de tevês e outros meios. O Ministério da Saúde tem posição contrária aos manifestos midiáticos de consumo e a tendência é repetir o que aconteceu com o tabaco. Em 1996, o governo proibiu propagandas de cigarro.
Faltam ações
Mas a falta de ações conjuntas tem causado problemas no grupo dos defensores. Em 2005, por exemplo, o combate ao alcoolismo sofreu um baque: o Ministério Público Federal (MPF) pediu o fim da distribuição de cartilha sobre álcool. Motivo: segundo o MPF, a Senad estaria incentivando o consumo de bebidas alcoólicas de crianças e adolescentes em vez de combater.
Os procuradores afirmaram que o discurso usado na cartilha era inadequado. O material informativo oferecia sugestões para usar o álcool aos moldes da política de redução de danos.
Na época, o que mais irritou o Ministério Público Federal foi a divulgação de que o alcoolismo era uma doença que atingia pequena parcela da população. Como se vê, sem unificar o discurso do contra, a campanha que combate o álcool tende a cair no descrédito.