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Com Murmures, coreógrafo Bouba Landrille conseguiu realizar  espetáculo que emociona
Com Murmures, coreógrafo Bouba Landrille conseguiu realizar espetáculo que emociona

Depósitos de seres humanos, de gente considerada a escória da sociedade, as prisões são lugares para os quais as pessoas costumam fechar os olhos. Pois foram esses ambientes de cativeiro a inspiração para a companhia francesa de dança Malka criar o espetáculo Murmure s, apresentado na noite de segunda-feira no Teatro Goiânia Ouro, dentro da programação do 10º Goiânia em Cena.

No palco, um cenário simples, composto por uma cama de beliche e um vaso sanitário, reconstitui uma cela. Apenas dois bailarinos dividem a cena: o próprio coreógrafo Bouba Landrille Tchouda, que dirige o espetáculo, e Nicolas Majo. Utilizando os movimentos do break e do hip hop, os dois expressam, auxiliados pela iluminação sombria de Fabrice Crouzet, os dramas de quem vive encerrado atrás das grades.

Os gestos, ora viris, ora delicados, simbolizam sentimentos contraditórios: raiva, angústia e solidão, mas também amizade, alegria - e desejo. A dança que denuncia uma situação de abandono e desesperança é também uma maneira de extrapolar os muros da prisão, proporcionando uma sensação de liberdade. Com sensibilidade e poucos recursos, o coreógrafo Bouba Landrille conseguiu realizar um espetáculo que emociona.

Performático

Apresentado no início da noite da segunda-feira no Centro Cultural UFG, também dentro da programação do festival, Lily y Put, a Observadora de Lírios utiliza a mesma receita econômica de Murmures . Novamente, apenas dois bailarinos compartilham a cena, lançando mão de alguns parcos objetos cênicos. A diferença está no uso criativo das imagens que são projetadas durante o espetáculo, uma marca do trabalho de pesquisa do coreógrafo e bailarino goiano Kleber Damaso, que divide a concepção e a direção da montagem com sua companheira de palco Morena Nascimento.

A sala de teatro do Centro Cultural UFG acabou contribuindo também para compor o cenário do espetáculo, proporcionando um efeito visual interessante, ainda que, ao que tudo indica, involuntário. Como é um local que permite que se distribuam a plateia e o espaço cênico em diferentes posições, uma das portas - a que dá para a Avenida Universitária - ficou aberta para facilitar as trocas de figurino e acessórios do dançarinos e quem assistiu ao espetáculo sentado nas primeiras filas do lado direito pôde vê-los em cena tendo ao fundo o movimento de carros e transeuntes (alguns curiosos) na rua.

Na mesma linha de sua produção anterior, Perfume para Argamassa , Damaso, em Lily y Put , realizou um espetáculo lírico e onírico, no qual imagens que parecem ter saído de uma tela impressionista fundem-se ao corpo dos bailarinos, resultando em uma bela combinação visual. Dessa vez, no entanto, a dupla de dançarinos e criadores explora o universo do imaginário infantil - e, de fato, ora assemelham-se a duas crianças entretidas em seus jogos lúdicos, meninos travessos que surpreendem o público com seus figurinos inusitados.

No seu diálogo com outras linguagens artísticas (resultado do trabalho em parceria com profissionais como o designer francês Benoît Faviere, da França, e o artista plástico goiano Pitágoras), Damaso e Morena realizaram, em Lily y Put , mais do que um espetáculo de dança contemporânea, uma manifestação performática. Uma manifestação em nome da liberdade criativa.