[Educação] Segurança é questionada. Correios dizem que não há riscos (O Popular, 2/10/2009)
Segurança é questionada. Correios dizem que não há riscos
Provas teriam chegado ao centro de triagem da empresa, em Aparecida de Goiânia, em 17 de agosto, e despachadas no dia seguinte para as cidades onde o exame seria aplicado
O Popular – 2/10/2009
Patrícia Drummond
As provas do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) que seriam realizadas em Goiás, no fim de semana, foram transportadas da capital às cidades do interior por empresa terceirizada pelos Correios. Informações de um funcionário dos Correios questionam as condições de acondicionamento que, segundo ele, não seriam ideais para garantir a segurança. O funcionário fez a denúncia ontem ao POPULAR, “indignado” com a notícia sobre o vazamento ocorrido em São Paulo (SP), mas preferiu preservar sua identidade.
Segundo ele, as provas do Enem chegaram ao Centro de Tratamento de Cartas e Encomendas (CTCE) da Vila Brasília, em Aparecida de Goiânia, no dia 17 de agosto, por Sedex, para serem postados aos municípios de destino, onde ocorreria o exame. Em geral, relata o funcionário dos Correios, esse tipo de encomenda é despachada para o interior de madrugada, por meio de motorista e veículo terceirizados, que fazem determinadas “linhas”. No caso, as provas teriam saído da capital por volta da 1 hora do dia 18 de agosto, uma terça-feira. “Naquele dia, a chefia mandou que fizéssemos o despacho a descoberto, ou seja, sem ser colocado em uma mala própria que temos e sem lacrar”, conta ele.
Recepção terceirizada
“Dessa forma, as caixas de papelão, pesando cerca de 20 quilos cada uma, seguiram apenas com o lacre do Ministério da Educação (MEC)”, acrescenta. Para o servidor ouvido pela reportagem, isso não é o pior. “Como a carga chega ainda de madrugada às cidades, é recebida por uma pessoa, que também não é funcionária dos Correios, mas das relações da empresa terceirizada, e, então, o material fica sob os cuidados dela até o dia seguinte, quando só então é entregue ao destinatário final (no caso das provas, às respectivas escolas)”.
Diante desses procedimentos, o servidor dos Correios afirma que torna-se “praticamente inviável” garantir 100% do sigilo e inviolabilidade das encomendas despachadas ao interior, “já que o serviço passa a ser responsabilidade de terceiros”. A Assessoria de Comunicação da Diretoria Regional dos Correios em Goiás assegura que essa hipótese não existe.
Em nota encaminhada à Redação, foi informado que os Correios brasileiros mantêm, em suas operações, padrões de procedimentos que garantem a inviolabilidade dos objetos postados, quer seja por meio de monitoramento, com câmeras de circuito fechado de TV, ou de auditagens e inspeções rotineiras, em todas as suas unidades.
“Muito embora parte de nossa frota e alguns prestadores de serviço sejam terceirizados, tais relacionamentos são amarrados por rigorosas cláusulas contratuais e nossos prepostos se obrigam a manter nossos padrões de qualidade e segurança operacional”, esclarece a nota. Para a empresa, o relato do servidor “não evidencia qualquer anormalidade ou irregularidade”.
E acrescenta, por meio da nota: “Nossas atividades estão – como sempre estiveram – asseguradas por lei, sendo cumpridas à risca, sem que tenhamos conhecimento de qualquer tipo de violação ou extravio das correspondências a nós confiadas pelo MEC - parceria de 12 anos - ou por qualquer outro remetente”.
Credibilidade em risco
Na avaliação do professor Gustavo Silva, diretor e proprietário de uma escola particular de ensino médio, onde pelo menos 500 alunos fariam as provas do Enem no fim de semana, o vazamento divulgado ontem, somado às informações sobre o transporte do material para todo o Brasil, compromete a credibilidade do exame. “Há muito tempo venho denunciando a falta de segurança nesse processo”, ressalta ele.
“São 4,1 milhões de estudantes interessados na nota para tentar uma vaga em pelo menos 24 instituições federais. Isso dá uma ideia do grande interesse pelo Enem e dos cuidados que deveriam cercá-lo”, completa. Gustavo questiona, por exemplo, o acesso de “tanta gente” à prova e fala da possibilidade de manipulação das informações.
“Ninguém garante que um ou outro funcionário do próprio Inep não vaze informações ou tire cópia das provas.”, argumenta o professor.
Gustavo Silva ressalta que boa parte das escolas particulares – como a dele – promoveu palestras e simulados para preparar os alunos para o Enem. “É um prejuízo que não é individual, apenas do aluno, mas de toda a sociedade.
FRAUDE
A grande preocupação de pessoas ligadas à área de educação é com o possível choque dos calendários do Enem com o de outros vestibulares. Para o presidente do Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino no Estado de Goiás (Sinepe), Krishnaaor Ávila, a coincidência entre processos seletivos e o exame nacional pode aumentar ainda mais a tensão dos alunos quanto à realização da prova.
Além de Krishnaaor, o presidente do Conselho Estadual de Educação (CEE), Marcos Elias, avalia a proposta do Enem como excepcional. “Do formato que foi construído, o Enem tem importância ímpar no cenário da educação nacional”, afirma Marcos ao se referir sobre a possível influência que o exame teria na reformulação do ensino médio, diferentemente do que pautam os vestibulares de todo o País, que exigem que os alunos decorem conteúdo.
A possível falta de credibilidade que poderia surgir com o vazamento de questões do Enem também poderá influenciar na adoção do exame como parte da seleção da Universidade Estadual de Goiás (UEG). Para a coordenadora de assuntos acadêmicos da UEG, Maria Celeste Ribeiro, a universidade estuda a adesão ao processo, que ocorreria no vestibular do meio do ano da instituição. “Agora, com esse indício de fraude, é preciso avaliar como tudo será resolvido antes de emitir um aparecer adotando ou descartando o Enem em nosso processo seletivo”, explica. (colaborou Adriano Marquez Leite)