TPM: tensão que pode matar
Cientistas procuram desvendar mecanismos da tensão pré-menstrual. Síndrome incita suicídios e fim de namoro
Welliton Carlos
Não bastasse uma vida repleta de estresse, agitação e correria no emprego, as mulheres enfrentam ainda uma tempestade química a cada mês. E nesta tempestade, dependendo do organismo envolvido, voam telhados, casas e pessoas. A Tensão Pré-Menstrual (TPM) sempre foi encarada com preconceito e desinformação, mas de uma década para cá o tema passou a ser mais pesquisado e divulgado em seminários científicos.
Continua vendaval, mas com efetiva possibilidade para reduzir danos provocados e colocar todas as telhas no lugar após a passagem do ciclo mensal. O que era apenas encarado como “chilique” tornou-se uma síndrome de complexo tratamento que exige atenção redobrada e estudos nas principais universidades. Uma das consequências mais graves da TPM é o aumento de violência contra a mulher, separações e mesmo suicídios entre elas. A síndrome não causa nada disso, mas amplifica os sintomas que podem provocar uma ebulição na rotina familiar.
Mara Diegoli, coordenadora do Centro de Apoio à Mulher com TPM do Hospital das Clínicas de São Paulo, informa ao Diário da Manhã que a tensão é um conjunto de sintomas físicos e comportamentais que surgem principalmente na segunda metade do ciclo menstrual. “O grande problema é que a maioria das mulheres não tem consciência disso.” Existe uma lista de sintomas comuns, caso de desconforto abdominal e irritabilidade, mas são inúmeras as reações ainda não plenamente estudadas.
Uma delas é a capacidade de superdimensionar problemas e atacá-los com toda fúria. “Costumo pedir demissão sempre na época da TPM”, diz a fisioterapeuta Danielly Rosa. Existe até uma máxima que circula no twitter: “A diferença do terrorista e da mulher com TPM é que com o primeiro é possível negociar.” Ou seja: nessa fase, algumas mulheres, pequena parcela, pode se tornar irredutível ao ponto de comandar uma rebelião contra pessoas mais próximas. O diálogo torna-se impossível. O marido fala A e esposa B. E ninguém se entende.
Tatiana Barros, produtora de moda, afirma que já chegou a terminar com o namorado e depois “readmiti-lo”. No momento de tensão, qualquer motivo é suficiente para o término. “Mandei ele embora. Depois, minha mãe ligou e perguntou se aceitava de volta. Disse que sim. Sem problemas”, recorda. Sintoma mais comum em Tatiana: choro fácil, irritação e cólicas.
O advogado Orfeu da Silva Araújo lembra o relacionamento com sua antepenúltima namorada. “Ela terminou comigo duas vezes. Nas duas ocasiões, não teve argumentos suficientes para colocar fim. Estava com TPM. Os fatos ocorreram até mesmo em dias semelhantes. Ela se mostrou mais receptiva para uma volta depois do fim da tensão.” A ex do advogado, C. A, nega qualquer relação com TPM: “Simplesmente cansei dele, de suas histórias.”
Mara Diegoli afirma que a sociedade costuma criticar a mulher por ser “histérica” e elogiar o homem quando reage a seus instintos, mas deveria ponderar sobre as dificuldades enfrentadas pelo sexo feminino. “Quando nós reagimos, somos barraqueiras e maloqueiras, etc. Por isso temos que discutir essa irritação da mulher e suas causas. Com a TPM, elas ficam no limiar da irritabilidade.”
O ginecologista Washington Rios, presidente da Sociedade Goiana de Ginecologia e professor da UFG, afirma que apenas uma parcela das mulheres ultrapassa um limite tolerável de irritabilidade. Mas as reações nestes casos podem chegar a extremos. “As reações mais violentas de rompimento de namoro, de violência física se enquadram mais nos casos de síndrome disfórica”, diz. Washington Rios afirma que é possível até mesmo utilizar a TPM em laudos periciais para decisões de tribunais, como forma de reduzir a pena de eventuais crimes praticados pela mulher. “Mas quem pode analisar tal caso é apenas o médico que já acompanha o histórico da paciente.”
Elas narram suas dores
A importância da TPM na vida das mulheres é tamanha que existem inúmeros sites na internet que abordam o assunto. Quase sempre, as páginas virtuais funcionam como forma de desabafo para o que fizeram ou sofreram durante os cerca de 15 dias que enfrentam a TPM.
No site www.olhometro.com, por exemplo, um simples relato teve cerca de 400 comentários, em que a maioria descreve os sintomas – muitos destes relatos foram realizados sob efeito da própria TPM. Suzy Cipriano orienta: “Procure verificar o período do mês antes de fazer qualquer brincadeira com qualquer mulher.”
A internauta Polyana narra o que aconteceu com o seu namorado: “Em verdade, homens não tentem descobrir o que é TPM. Meu namorado tentou e a cada letra que saiu naquela maldita frase machista fez com que meus neurônios ativassem meu sistema muscular e lhe soltei uma bofetada que nunca mais ele me questiona quando estou assim.”
No site, Isabela desabafa quanto à espera de um simples telefonema: “Gente, vocês não têm noção o que é TPM... Eu tenho uma semana antes da maldita regra… Durante e alguns dias depois… A ansiedade é cataclítica… Você esperar por um telefonema que não chega ou o namorado que não vem então.” (risos)
Norma mistura o prazer do sexo com o uso de chocolate para amenizar as dores: “Mas sexo também ajuda. E muito. A ausência dele, por outro lado, piora a TPM e causa uma irritação profunda. Ex: Você tem acesso a sexo facilmente, pois tem namorado, e você volta para casa sem sexo, em plena TPM, para comer chocolate.”
Mary, em “TPM no momento”, diz que fica mais sarcástica, irônica e agressiva: “Gente! E aquela vontade louca de bater em alguém? Como se explica? Alguém sugere uma definição? Tem dias que tenho vontade de sair exterminando o mundo, principalmente os seres do sexo masculino. Não sei por que, mas no período pré, durante e às vezes até mesmo pós-menstrual, parece que eles se tornam mais irritáveis do que são por natureza! (risos)… Meu noivo não se arrisca muito a atravessar no meu caminho nesse período.”
Nice Vilar Torrer informa que vira o “diabo” durante as “regras”: “É verdade, porque eu com TPM sou um demônio, quebro copos, chuto portas, e só pelo fato de me abraçarem… O meu último namorado terminou comigo porque eu estava na TPM… Que merda!”
“Me ajudem: eu fico louca quando entro na maldita TPM (risos). Fico insegura com o meu relacionamento. Acho que meu noivo está me traindo, que está mentindo, que é um escroto”, diz uma leitora do site.
Aumento de criminalidade
A médica Katherine Dalton realizou levantamento que relaciona TPM com a prática de crimes. Em um presídio feminino, na França, das 156 condenadas, 49% executaram seus delitos durante a fase pré-menstrual.
No Brasil, existem estudos que relacionam espancamentos de filhos com a mulher com TPM. Muitas delas machucam seus filhos durante ataques de fúria motivados pela pressão hormonal. O médico Marcelo Caixeta confirma estes casos e reclama da falta de participação dos psiquiatras no atendimento de casos graves. “Existe uma grande equívoco neste País, com médicos de outras áreas prescrevendo medicamentos adotados por psiquiatras.”
Ele afirma que em muitos casos, piora o quadro da mulher. “Uma paciente com depressão unipolar deve receber tratamento diferente da que apresenta depressão bipolar. E se o médico errar, ela pode ficar pior do que está”, diz.
Ele também defende o uso de atenuantes para quem comete atos ilícitos em crises graves. “Existem mulheres que não sabem do poder destas reações, que ainda não foram diagnosticadas. Ela sempre fala que não tem problema nenhum, que está bem”, diz.
Caixeta afirma que a primeira ação é tratar o assunto com seriedade e realizar campanhas publicitárias para alertar a população. Para ele, TPM e os sintomas de depressão são ignorados pelo poder público.