Universidade sem tripé

Tribuna do Planalto - 11/09/2010


UEG passa por problemas de identidade, e precisa de investimentos para se reencontrar

Quando foi criada em 1999, a Universidade Estadual de Goiás (UEG) fomentou uma série de expectativas em alunos e professores que viam nela a possibilidade de se fazer em Goiás o que São Paulo fez com a Universidade Estadual Paulista (UNESP), ou seja uma grande instituição bem nutrida e fornecedora de conhecimento, distribuída pelo Estado.

Onze anos depois, com pouco dinheiro, salários defasados, baixo quadro de doutores e estrutura precária nas 42 unidades, espalhadas pelo Estado, a UEG precisa encontrar seu norte. Muitos de seus próprios professores consideram a atual fase da instituição como um doloroso processo de via crucis, cujo desfecho pode ser bom, mas também pode ser catastrófico.

Para desembocar na segunda opção, basta apenas que o governo estadual passe a injetar verba de forma mais generosa, depois das sucessivas faltas. De acordo com o diretor da Unidade Universitária de Ciências Exatas e Tecnológicas (Unucet) da UEG, Olacir Alves Araújo, a universidade está colhendo hoje os frutos mal plantados. “Ela se expandiu muito, se ramificou pelo interior do Estado, mas Fez isso sem o menor critério de investimento.”

Segundo Araújo, a expansão foi boa porque mapeou Goiás com a oportunidade de cursos para uma população que não podia vir para a capital. “Atingiu rincões do Estado, e nesse aspecto foi positivo, mas não investiu em nada.” A consequência disso são os atuais gargalos, que exigem a construção de prédios e ampliação de outros em unidades que cresceu muito, como as de Anápolis.

Além de muitas unidades não possuir prédios próprios, segundo Araújo, faltam bibliotecas, não há casas de estudante, nem restaurantes universitários. “O salário está defasado há cinco anos. Um doutor hoje, em regime de 40 horas, ganha R$ 3.900. Mas deveria ganhar pelo menos R$ 5 mil”, analisa.


Colejão - Atualmente, a UEG conta com cerca de 150 doutores, um número baixo para uma universidade que tem quase 2,5 mil professores. Ou seja, por lei, deveria haver pelo menos 800 doutores, um terço do quadro. De acordo com a professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Goiás, Miriam Fábia, que deu aula na UEG de 2000 a 2003, a realidade da instituição não lhe dá condições para a pesquisa e a extensão.

Para Miriam, pesquisa e extensão é que caracterizam uma universidade como tal. Caso contrário, diz ela, a instituição funciona apenas com o ensino e aí não passa de uma espécie de ‘colejão’, trabalhando com as características de um escola de Ensino Médio. “Necessita de doutores com dedicação exclusiva, além de infraestrutura e condições mínimas”, diz.

Na opinião da professora, a UEG enfrenta problemas graves, porque, aliado a tudo isso, existe o “descompromisso do Estado com financiamento decente. O que o governo destina não é suficiente, e nem sempre destina. Precisamos de uma política de contratação urgente de mestres, doutores para a universidade para que ela se torne de fato uma universidade com o tripé Ensino, Pesquisa e Extensão”, enfatiza.

Segundo ela, o que se fez com a UEG é um problema grave, principalmente porque está inserido na falta de compromisso político. “Não se faz universidade sem dinheiro”, diz. “Não se faz universidade sem mestres e doutores. Não é assim que se faz educação”, protesta.

De acordo com a professora do curso de Pedagogia da UEG, Mirza Seabra Toschi, doutora em educação, a saída para a crise instalada na universidade é autonomia de recursos. “Só assim, teríamos também uma autonomia didática”, avalia. Na opinião de Araújo, uma série de medidas precisa ser tomada para que a UEG comece a sair da berlinda.

Ferramentas - Com um investimento atual de cerca de R$ 130 milhões, a instituição não consegue sequer se mexer, diz Araújo. Segundo ele, para começar a fazer a diferença, é preciso um aporte de recursos na casa dos R$ 300 milhões. Com essa verba, seria possível abrir concurso público e ao mesmo tempo cuidar para que fosse montada uma política de fixação de funcionários em regime de dedicação exclusiva como as universidades costumam fazer.

Outro fator importante, segundo Araújo, é o investimento direto no quadro de pessoal. “É fundamental profissionalizar o quadro de docentes, além de investir na formação de professores para atingir os títulos de doutor. Isso melhoraria as condições de trabalho e criaria ferramentas de pesquisa”, pondera.

Araújo comenta que por lei, o Estado é obrigado a destinar 2% da receita estadual à UEG. Mas, a julgar pelo valor estimado deste ano, de mais de R$ 14 bilhões, os cálculos de Araújo, de R$ 300 milhões, estão mais ajustados. Araújo lembra outro fator importante, segundo ele, que é a garantia da permanência dos alunos.

Ao contrário de outras universidades públicas, gratuitas, a maior frequência da instituição é de alunos de família humilde do interior do Estado. Muitos deles vêm por meio de cotas universitárias, mas vários desistem porque não têm condições de se manter enquanto estudam, apesar de a universidade ser pública e gratuita. “É preciso criar programas que garantam a permanência desses alunos”, diz.

Segundo Araújo, mesmo sem o tripé montado de forma equilibrada, a UEG já esteve em dias muito piores, à beira do caos. Hoje, ela está com uma estrutura capenga, mas o futuro já pode ser vislumbrado de forma mais positiva. “Com muito trabalho, é claro.”

Consciência e diálogo - Quando se fala em diálogo num assunto tão em voga teoricamente como a educação, a primeira ideia que se passa pela cabeça é a conversa necessária entre alunos, pais e professores. Mas, de acordo com a presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Educação de Goiás (Sintego), Iêda Leal de Souza, os gestores públicos, se é que querem colocar a educação no prumo, precisam estabelecer uma relação menos verticalizada com as categorias que trabalham no setor.

Segundo Iêda, além de decisões acertadas, ou talvez para tê-las, falta uma espécie de enlace de corrente. As pessoas que comandam as áreas centrais de decisão do governo têm de saber responder aos anseios da Secretaria de Educação e esta saber ouvir não só os diretores, mas também professores, alunos e pais.

“É preciso sentir quem está no chão da escola”, diz Iêda. Como a escola faz parte de um tecido mais complexo e espesso, os familiares também precisam se aproximar mais destas, conhecer de perto cada problema que emperra o aprendizado de seus filhos. “É preciso mostrar às famílias que elas também têm um papel a desempenhar nessa educação, como o de ajudar a mediar conflitos, o que ajudaria a combater a violência na escola”, diz.

Investimentos - O papel das famílias, além de mandar os filhos para a escola, uma vez que é direito da criança, é o de acompanhar esse desenvolvimento, não só no dia de fazer a matrícula. Iêda sabe que às vezes não há condição alguma para um pai ou uma mãe fazer esse acompanhamento, seja porque ambos trabalham o dia todo, seja porque o chefe de família é apenas o pai ou a mãe, que precisa de igual modo trabalhar.

E aí, mais uma vez, entra o papel do governo, cuja capacidade de ver melhor o andamento social por meio de seus gestores pode ajudar a criar mecanismos de aproximação, de análise, além de investir e manter as estruturas que já foram criadas. Para Miriam Fábia, da UFG, esta consciência, ou compromisso, os governos estaduais precisam criar de maneira sistemática.

Segundo ela, para melhorar a qualidade da educação é preciso investimento maciço, financiamento do Estado que possibilite programas para a população mais pobre, garantindo a ela o acesso e a permanência das crianças, jovens e adolescentes dentro da escola.

Algumas coisas nesse sentido, diz Miriam, a população já conseguiu. Mas boa parte desses investimentos vem do governo federal com programas como o Prouni e o Projovem, o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), e leis como a da merenda escolar, o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) e o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb).

No caso dos programas, o Estado, que deve destinar 25% do orçamento à educação, tem de fazer os seus e, mais do que isso, o governo da vez tem de saber manter o que outros governos, ou o anterior, fizeram e deu certo. “Esta é a consciência e a responsabilidade que deve ser adquirida.”

Bolsas - Um exemplo de programa que, segundo Miriam, não teve continuidade adequada e atrapalhou muita gente é o Bolsa Universitária, criada em 1999 no governo Marconi Perillo. Naquele ano, foram concedidas 4,7 mil bolsas em todo o Estado.

As concessões sofreram altos e baixos ao longo desses 11 anos, chegando ao auge em 2003, quando o governo disponibilizou 15 mil bolsas, segundo levantamento da estudante de mestrado da UFG, Luciana Castro Magalhães, que disponibilizou os dados em sua dissertação O Financiamento da Universidade Estadual de Goiás: O Programa Bolsa Universitária e o Custo do Aluno.

O Bolsa Universitária sofreu uma baixa vertiginosa, e em 2007, último ano pesquisado por Luciana, só foram concedidas 180 bolsas. Nas atuais eleições, vários candidatos, inclusive a cargos de deputados, vêm prometendo rios de programas semelhantes, como se fosse a solução final para o problema da educação. (Gilberto G. Pereira)

Período integral - A nova era da educação, em que o uso da internet e das novas tecnologias é fator indispensável, além do investimento em professores, os gestores públicos também precisam investir maciçamente nessas ferramentas. Segundo Miriam Fábia, criar espaços aconchegantes e atrativos para os alunos não é um luxo. Não é favor investir numa estrutura agradável para quem vai estudar.

Segundo ela, o projeto de se criarem escolas de tempo integral é bom, mas ainda está longe de atingir seu cerne no Estado de Goiás. Isso porque até agora as instalações para cumprir o fim de receber alunos durante o dia inteiro não apareceram. As estruturas continuam as mesmas.

Nos últimos quatro anos, o governo estadual aumentou progressivamente o número de escolas de tempo integral. Em 2006, eram 32, depois chegou a 52, em 2007, para alcançar 79 escolas, em 2008, passando para 108, em 2009, e alcançando as 119 unidades este ano.

“As condições de infraestrutura predial não é para isso”, diz Mirian. Tem de ter quadra, piscina, salas de jogos, de recreação, o mínimo. Como é que você fica com um estudante durante oito horas numa escola que tem sala de aula, banheiro, e quando muito uma quadra a céu aberto no calor de Goiânia?”Miriam argumenta que as oitos horas do período integral não podem ser numa parte da manhã, sala de aula, e à tarde, reforço, simplesmente. Segundo ela, isso fere brutalmente a ideia do tempo integral. “Além do reforço, muito importante, sem sombra de dúvida, a escola tem de se tornar um espaço de socialização, tem de ter lazer, o direito ao esporte, à cultura de maneira geral, à alimentação. Isso, dentro do Estado, é outro problema para ser administrado”, conclui.