Partidos:ideologia x fisiologia

Reduzir o número de partidos de aluguel , considerados prejudiciais à democracia, é uma das dificuldades no atual sistema

Um espaço para abrigar políticos que não conseguem se ater a uma legenda por ideologia. Essa pode ser uma definição para os partidos que surgem no bojo de atender a demandas específicas de agentes políticos e não por uma real vontade da sociedade. Assim, partidos pequenos ou nanicos atuam no país em busca de uma parcela, ainda que mínima, de poder.
O tamanho não está necessariamente relacionado com a força de suas propostas. Por um lado, o PMDB, o maior partido da América Latina é reconhecido por seu fisiologismo e apego obstinado pelo poder. De outro, DEM ou PCB, por exemplo, são reconhecidos pela defesa de seus programas partidários, embora nos últimos tempos alguns democratas estejam mais preocupados com sua sobrevivência política do que com as bandeiras que defendem.
A característica de um partido "de aluguel" ou "satélite" reside justamente na condição de seus dirigentes de estarem sempre prontos para aderirem a determinado grupo que esteja na situação. Durante o processo eleitoral, o tempo de rádio e televisão é a principal moeda de troca dos partidos para participar de determinada coligação. No caso do poder Legislativo, isso se traduz na dificuldade de formação de bancadas partidárias, permitindo que o Executivo negocie com cada representante individualmente. Essa é a opinião do professor da Universidade Federal de Goiás (UFG) e cientista político Pedro Célio. Para ele, os partidos nanicos trazem prejuízos para o fortalecimento da democracia.
"Por um lado incrementa-se a fragmentação parlamentar, dificultando formação de maiorias estáveis para dar parâmetros à interação com os executivos. De outro, dificulta a superação da política como balcão de negócios, como puro fisiologismo. Nos dois casos, são detonados os esforços para fortalecer a identificação programática das instituições que fazem a sustentação do regime representativo".
A reforma política está no bojo das discussões parlamentares nesse momento. Os senadores goianos Lúcia Vânia (PSDB) e Demóstenes Torres (DEM) estão entre os participantes da comissão que irá elaborar o anteprojeto da reforma. Na Câmara dos Deputados, Ronaldo Caiado (DEM), um dos defensores da reforma, é o único goiano a participar da Comissão Especial.
Um direcionamento que a reforma aponta é a preocupação com o fortalecimento das instituições partidárias. Pedro Célio acredita que o problema não está no número de partidos, que ele considera excessivo, mas sim na maneira como são tratados. Dessa forma, o uso das siglas nanicas como moeda de troca na política faz com que as instituições democráticas sejam desmoralizadas pela opinião pública.
"A cláusula de barreira nas eleições proporcionais, como está sinalizada, pode amenizar esses efeitos nocivos", afirma o professor. No entanto, ele diz que não está otimista com a aprovação da cláusula. "A mentalidade dos políticos, nos partidos grandes e pequenos, e nos governos, passa longe disso", atesta.
A senadora Lúcia Vânia partilha da opinião do cientista político de que os partidos nanicos não contribuem para a democracia e que muitas vezes são usados pelos partidos maiores que patrocinam suas ações. Dentro da Comissão, a senadora afirma que a preocupação está em restringir a criação e a atuação desses partidos na política brasileira. Porém, a tucana ressalta que existem partidos pequenos que são fundados por uma ideologia e que é preciso "buscar uma fórmula de protegê-los", já que muitas vezes não conseguem eleger muitos representantes, mas que contribuem para o debate de ideias. Como exemplo, Lúcia Vânia cita o PSOL e o PC do B.
A preocupação com a cláusula de barreira e com as demais medidas que possam limitar o espaço dos nanicos na política brasileira movimentou o dirigente nacional do PHS, Eduardo Machado, para sair em defesa dos partidos pequenos. Para ele, a criação de partidos deveria ser estimulada, sem a burocracia que hoje preconiza a obtenção de 500 mil assinaturas para qe se registre uma legenda no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Assim como os ministros do Superior Tribunal Federal, que decretaram a inconstitucionalidade da cláusula de barreira, Eduardo a considera como "critério de desempenho". Para ele, a legislação deve continuar como está, e o fundo partidário assim como o tempo de rádio e televisão devem ser divididos de acordo com o número de deputados federais. O partido não apoiou  nenhum candidato à Presidência da República, mas em Goiás integrou a coligação do atual governador. O líder do PHS afirma que a decisão partidária "não foi de apoio ao PSDB, foi ao Marconi", sinalizando o caráter personalista do seu partido para fazer política.

Adeus aos suplentes no Senado Federal?
A Comissão de Reforma Política abre a fase de debates com um assunto polêmico: a suplência de senador. O assunto, que será discutido no dia 15 de abril, consiste em rever a Constituição Federal, que prevê que o candidato mais votado para o Senado em cada Estado possua dois suplentes. Em caso de vacância, o primeiro deles herdam o cargo quando o eleito se ausenta do Senado para assumir outra função pública, é cassado ou não pode assumir a função por problemas de saúde ou óbito. A opinião do senador Demóstenes Torres (DEM) é que o modelo deve ser revisto para que assuma a função o segundo candidato mais votado na respectiva eleição.
No atual modelo, o senador Demóstenes alerta para o que considera ser falta de legitimidade dos suplentes eleitos pelas regras atuais: "A maneira como atualmente os suplentes são escolhidos vulnera o princípio da representação, pois poucos suplentes são realmente conhecidos pelo eleitorado, que invariavelmente faz sua escolha soberana levando em conta apenas o titular", disse Demóstenes. Em 2008, o senador de Goiás apresentou substitutivo a sete propostas de emenda a Constituição que tratavam sobre a suplência no Senado Federal.
A época, Demóstenes lembrou que, muitas vezes, o suplente é utilizado nas coligações como financiador de campanha. Os parlamentares contrários a proposta argumentam que um senador eleito por um partido poderá ser substituído por um representante de outra agremiação política. Para Demóstenes, o argumento não é consistente: "Isso não se justifica. No Executivo, por exemplo, isto já acontece. Na maioria das vezes, o vice não é do mesmo partido do governador eleito. E ainda assim, se algum governador e seu vice são afastados por alguma razão, assume o presidente da Assembléia Legislativa, que pode ser de partido diferente do governador", argumenta Demóstenes.
O número de suplentes na legislatura passada, que chegou a representar 20% das cadeiras no Senado, mostrou que, na maioria dos casos, o suplente é um desconhecido da população e não tem trajetória política. Atualmente dez suplentes que exercem mandato na Casa.

Debates
Durante o segundo semestre de 2007 e os primeiros meses do ano seguinte, o senador Demóstenes Torres relatou sete propostas de Emenda a Constituição (PEC 11/2003, PEC 1/2007, PEC 12/2007, PEC 18/2007, PEC 55/2007, PEC 8/2004, PEC 42/2004) que definiam normatização para a suplência de senadores. Em 9 de abril de 2008, a Comissão de Constituição e Justiça do Senado comissão aprovou substitutivo à PEC 11/2003, que previa apenas um suplente, o qual não pode ser cônjuge ou parente do candidato a senador. Ainda de acordo com o que foi aprovado na CCJ, quando o senador titular morrer ou deixar o cargo devido à cassação ou renúncia, o suplente assumirá somente até a eleição seguinte, mesmo que seja um pleito municipal.
Mas quando o senador se retirar para se tornar ministro de Estado ou secretário estadual, o suplente assumirá a vaga até que o senador retorne ao Congresso ou, caso isso não ocorra, até o final do mandato. Para entrarem em vigência, essas alterações precisam ainda passar pelo Plenário do Senado e da Câmara dos Deputados. Como as duas propostas tramitam em conjunto, a Comissão de Reforma Política irá analisar o tema simultaneamente, e assim, encaminhá-lo a votação nas duas Casas.


 

Kassab sonda goianos para formar PDB
Se de um lado a reforma política pretende restringir o número de partidos, há quem esteja se movimentando para fundar novas legendas. O caso mais recente envolve o prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab (DEM) que a algum tempo está insatisfeito com seu partido. Depois de flertar com o PMDB, a solução encontrada pelo democrata é patrocinar a fundação do Partido Democrático Brasileiro (PDB), que ficaria na órbita dos partidos de apoio ao Governo Federal. Essa aliança pode se tornar ainda mais clara, caso ocorra a fusão com o PSB. A proposta de criação do partido deve ser apresentada pelo prefeito de São Paulo no final do mês.
Em Goiás, cogita-se que alguns políticos estariam de malas prontas para o novo partido. Formalmente, os deputados federais Armando Vergilio (PMN), Thiago Peixoto (PMDB) e Vilmar Rocha (DEM) foram convidados para integrar os quadros da nova agremiação. O democrata, que não nutre boa relação com o presidente Ronaldo Caiado, seria o interlocutor de Gilberto Kassab no governo estadual.
Armando Vergilio deixará um partido nanico, sem expressão nacional, que gira em torno do PTB em Goiás, para se abrigar num de maior representatividade nacional. Já Thiago Peixoto, que lidera uma ala dissidente dentro do PMDB, encontraria nos braços do PDB uma forma de deixar suas origens sem o desgaste de um processo de expulsão.
"Os partidos pequenos no Brasil costumam existir como espaços suplementares dos partidos maiores e dos governantes. Quando não há legenda disponível no mercado político, os líderes de governo e de siglas grandes acionam sua influência para inventar novas, no sentido de acomodar interesses", defende Pedro Célio.
Outro caso emblemático é a possibilidade de refundação do Partido Liberal. Desde a fusão do antigo PL com o PRONA para a criação do Partido da República (PR), alguns dirigentes como Cleovan Siqueira tentam a todo custo recriar um partido para abrigar os descontentes. Em jogo está o apoio formal ao governador Marconi Perillo (PSDB) e as benesses que um sigla partidária desfruta, como o fundo partidário, por exemplo.