Muito além dos computadores
Raphaela Ferro
Agora muito mais presentes no ambiente escolar, os computadores permanecem nos seus laboratórios específicos, contudo, mais do que isso, invadem as salas de aula e a rotina de alunos e professores. Mas estarão ambos preparados para conviver com essa novidade?
Promessa de campanha nas eleições para o governo de Goiás e foco de programa do governo federal, a chegada dos computadores individuais para alunos e professores nas escolas públicas, dentro do programa Um Computador por Aluno – Prouca, não significa necessariamente que esses equipamentos serão bem utilizados.
Na verdade, nas palavras do pós-doutor em Sociologia Pedro Demo, atualmente, nem o professor sabe lidar com o computador nem o aluno sabe aproveitá-lo para a sua aprendizagem. Autor do livro Educação Hoje – Novas Tecnologias, Pressões e Oportunidades, Pedro Demo é enfático em afirmar que os professores não estão preparados para utilizar o computador cotidianamente em sala de aula, justamente porque essa atividade nunca fez parte da formação e da prática dos educadores.
Se já havia despreparo para o uso dos laboratórios de informática, como será agora com os computadores em sala? "Muda o tempo da aula e mais: essa tecnologia está facilitando e acelerando mudanças que já são necessárias na escola, de rever não só a tecnologia, mas o próprio conteúdo", analisa o coordenador pela Universidade Federal de Goiás (UFG) do Prouca-GO, Gilson Barreto.
O currículo da escola está sendo revisto, pelo menos na formação dos professores das escolas que já fazem parte do programa. Para o pós-doutor Pedro Demo, a iniciativa de entregar um computador por aluno é pertinente, mas é uma ideia que está sendo colocada em prática de modo inadequado. "As potencialidades são enormes, mas supõem devido preparo e um repensar bastante radical dos estilos instrucionistas de aprendizagem".
Preparo insuficiente
Tanto nas escolas públicas quanto nas privadas, em sua maioria, o mesmo instrucionismo de que fala Pedro Demo, isto é, o mesmo ensino com base em aulas reprodutivas, impera. Para capacitar os professores adequadamente, Pedro Demo acredita que seria necessário reconstruir a Pedagogia e as licenciaturas que, segundo ele, continuam fora do mapa do mundo contemporâneo. "Depois, é preciso colaborar com os professores no sentido deles poderem adquirir tais equipamentos e atualizá-los constantemente".
Constante também deve ser a formação. Muitos cursos na área de tecnologia são oferecidos pelas secretarias de Educação do Estado e da Capital (SME). Na rede municipal, a diretora do Centro de Formação dos Profissionais da Educação (CEFPE), Abigail Rodrigues afirma que o interesse pelas formações da área é grande, contudo há professores que ainda temem procurar os cursos por não ter computador em casa ou habilidade com o equipamento.
Mesmo assim, a diretora acredita que a fase de insegurança já passou. "Os professores lidam bem com as tecnologias, precisam e pedem cursos sobre o assunto". Entretanto, o coordenador no Núcleo de Tecnologia Educacional (NTE) da SME, Eleidson Machado explica que mesmo sendo cada vez mais raro encontrar professores que não têm, pelo menos, o domínio básico do computador, ainda há um longo percurso a ser trilhado para que eles tenham a habilidade de potencializar a aprendizagem com o uso da ferramenta.
"Essa transição entre a atual forma de trabalho pedagógico e uma outra forma, agora com o uso de uma tecnologia específica, demanda certo tempo, um planejamento e uma metodologia de aula diferentes. Isso ainda está sendo apropriado pelos professores", considera o coordenador. Ele acredita que alguns profissionais da Educação já incorporaram essa mudança, outros ainda estão incorporando e há outros que buscam uma segurança maior em relação à ferramenta para poder usá-la no cotidiano pedagógico.
Muitos riscos
Enquanto os professores se apropriam dos saberes das tecnologias, os alunos já os dominam. Coordenadora do programa de Informática Educacional do portal Planeta Educação, Mariângela Machado conta que a tecnologia está na casa da criança ou, de alguma outra forma, disponível a elas. "Aí o aluno chega à escola e continua vendo lousa, giz branco e livro... Porque não inserir a tecnologia como apoio pedagógico?".
Agora, com os netbooks em mãos, os estudantes, nativos digitais, estão mais suscetíveis a algumas práticas não tão educativas. "Computador e internet apresentam inúmeros riscos que os professores precisam saber evitar, em especial tratando-se de crianças", avalia Pedro Demo. O que faz parte da primeira preocupação de gestores e professores na formação coordenada por Gilson Barreto: os alunos navegando aleatoriamente pela internet. A solução, para ele, é simples. É o educador que deve ficar responsável para que a ferramenta esteja ali a favor da construção do conhecimento na escola.
Proibições
Os netbooks do programa Um Computador por Aluno (Prouca) oferecem a possibilidade de controle das máquinas e dos conteúdos que os alunos acessam, como o bloqueio de sites, por exemplo. "O professor mantém o controle das máquinas que os alunos à sua volta estão usando. A partir da máquina dele, coloca todos na imagem que ele quer", explica Abigail Rodrigues. É algo mediado, não espontâneo, reafirma.
Eleidson complementa que, na verdade, dependerá do planejamento do professor. "Você tem algumas ferramentas para restringir, mas a maior possibilidade é o trabalho orientado, planejado". Para Pedro Demo, a proibição é contraproducente, afinal as crianças gostam mais ainda daquilo que lhes é proibido. O pós-doutor indica: "Não cabe controlar, mas educar a criança para saber usar a ferramenta com responsabilidade".
Gilson Barreto conta que há sim a opção de bloquear, decisão para a qual as escolas terão autonomia, mas talvez essa não seja a melhor dentre as possibilidades. "É possível acompanhar e conversar com os estudantes, fazendo, assim, a formação do aluno. Não adianta bloquear simplesmente, porque você não estará trabalhando a formação dele". Gilson aprova o controle, o que não implica na censura ou na proibição e, sim, no diálogo.
Sem substituição
Entre os professores permanece o receio de que os computadores venham, um dia, substituí-los. Durante entrevista por telefone, a diretora do CEFPE, Abigail Rodrigues, enfatizou mais de uma vez que as tecnologias são potentes recursos pedagógicos a serem usados pelos profissionais da Educação como complemento da ação pedagógica e não para substituir o trabalho deles. "Às vezes, colocam muito poder na máquina, mas a tecnologia deve estar a serviço do pedagógico. Nós colocamos o poder, o controle, na ação docente".
Mariângela Machado confirma que os professores têm, sim, medo de lidar com a máquina. "Tem professor que ainda pensa que o computador vai tomar o lugar dele, que o aluno vai gostar mais do computador do que dele". Medo infundado, segundo Mariângela. "O professor continua sendo a peça fundamental da escola", sentencia.
Iêda Leal, presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Estado de Goiás (Sintego), concorda. Para ela, o computador é mais um instrumento, mais uma ferramenta em prol do ensino. A sindicalista acredita que uma formação com o olhar voltado para o professor poderá ajudar e os profissionais da Educação. De acordo com ela, com certeza eles não terão dificuldade de se relacionarem com a informática. "Professor aprende rápido", analisa.
Saiba mais
Prouca
O programa Um Computador por Aluno (Prouca) é uma iniciativa do Ministério da Educação, que, em parceria com os Estados e municípios, promete entregar um netbook para cada professor e para cada aluno. O projeto envolve a capacitação de professores para o uso da tecnologia, o que em Goiás é responsabilidade do Laboratório de Tecnologia da Informação e Mídias Educacionais (LabTIME) da UFG. O alcance ainda é pequeno; o programa ainda está sendo aplicando em escolas na forma de projeto piloto. Em Goiás, nove (cinco escolas estaduais e quatro municipais) já estão sendo beneficiadas pelo programa.