Por um mundo Sustentável
Por um mundo Sustentável
O assunto pode parecer modismo, mas a sustentabilidade é tão importante que já exige mudança de atitude de indivíduos, empresas e governos. Afinal, o que está em risco não é o planeta, mas principalmente a manutenção da espécie humana nele inserida
Tornar o planeta mais sustentável e os indivíduos mais conscientes são objetivos em comum de diversas organizações relacionadas não só ao meio ambiente, mas também à economia, à política, ao estudo da sociedade e também de algumas aulas dentro das escolas. A sustentabilidade vem sendo cada vez mais discutida, mas será que todo mundo sabe o que ela significa?
Gerente de Mobilização Comunitária do Instituto Akatu, que atua na área de sustentabilidade e consumo consciente, Camila Melo explica que sustentabilidade é a capacidade que a sociedade tem de equilibrar o uso dos recursos naturais e o quanto ela irá descartar. “Isto significa usar com coerência os recursos que temos e devolver os resíduos que produzimos em equilíbrio”, conceitua.
Mas qual é a sua importância? A gerente explica que a Terra tem uma capacidade de gerar recursos e absorver resíduos em um tempo próprio, contudo os seres humanos vêm usando esses recursos de forma mais rápida do que o planeta é capaz de provê-los. “Nós já usamos mais de 40% do que o planeta é capaz e isso é insustentável”, enfatiza.
E os sinais dessa falta de sustentabilidade já começam a preocupar, como, por exemplo, as mudanças climáticas, com seus maremotos, terremotos, excesso de chuvas, aumento e queda de temperatura incomuns... Segundo Camila, as pessoas começam a perceber que estão contribuindo para esse cenário, o que leva à discussão de quanto se produz e quanto se descarta.
A responsabilidade da sociedade aumenta com a ampliação do conceito de sustentabilidade. Camila Melo explica que não é só a questão ambiental que se mostra insustentável, mas também as questões sociais e econômicas. Coordenador da Catalisa, uma rede de cooperação em prol de uma sociedade sustentável, Eduardo Coutinho conta que essas três áreas (sociedade, economia e ambiente) formam o tripé da sustentabilidade.
Mas, para ele, o conceito é bem mais abrangente. “Costumamos dizer que existem dimensões ou aspectos de sustentabilidade. Além desses três citados, podemos falar em sustentabilidade ecológica, política, geográfica, por exemplo, e várias outras dimensões que compõem esse conceito complexo de sustentabilidade”.
Dimensões da sustentabilidade
A gerente do Instituto Akatu afirma que mesmo sendo um conceito simples, na prática, a sustentabilidade é mesmo complexa. “Estamos falando de quanto nós, as quase 7 bilhões de pessoas, conseguimos sobreviver harmonicamente neste planeta, e isso não inclui só o ponto de vista ambiental”, enfatiza.
Essa sobrevivência harmônica envolve, na verdade, diferentes dimensões. No documento Ciência e Tecnologia para o Desenvolvimento Sustentável, elaborado a pedido do Ministério do Meio Ambiente (MMA), o conceito de sustentabilidade engloba seis diferentes aspectos.
A sustentabilidade social parte do princípio da equidade na distribuição de renda e bens, da igualdade de direitos e de solidariedade. A ecológica tem base no princípio da solidariedade com o planeta e com a biosfera que o envolve. Já a econômica é avaliada a partir da sustentabilidade social propiciada pela organização da vida material. Já a espacial busca uma equanimidade nas relações interregionais e na distribuição populacional. A quinta dimensão é a político-institucional e a sexta é a cultural.
Consumo consciente
Entre essas dimensões, a que mais tem gerado debates atualmente é a econômica, que tem entre suas características o consumo consciente. Esse novo modelo de consumo credita ao indivíduo a possibilidade de promover a sustentabilidade econômica no momento em que escolhe os produtos que irá consumir. “O consumidor consciente é aquele que faz escolhas que prioriza os impactos positivos e tenta minimizar os negativos. Todo ato de consumo gera impacto, necessariamente. Sabendo disso, o consumidor consciente escolhe que impacto quer causar”, avalia Camila Melo.
Analista ambiental do MMA, Vana Tércia Freitas explica que consumir com consciência significa optar por produtos mais sustentáveis, que tenham sido pensados de maneira menos impactante ao meio ambiente, que tenham maior durabilidade e possam ser aproveitados da melhor maneira possível.
Vana acredita que está na hora de acabar com o consumismo desenfreado, com a associação entre consumo e felicidade ou satisfação. “Devemos trabalhar com outros tipos de prazeres como os momentos com a família e com os amigos”, opina.
Camila dá exemplos de como isso pode ser feito. “Se eu escolho consumir uma bolsa feita por uma cooperativa de costureiras do meu bairro que reaproveitam retalhos de roupas fazendo fuxico, estou escolhendo gerar renda para essa cooperativa local e, ainda, não utilizar mais recursos naturais para produzir mais tecido”.
Ela cita também o consumo de produtos orgânicos. “Ao consumir um orgânico, estou priorizando a minha saúde, contribuindo para que o produtor de orgânicos tenha uma renda e incentivando a produção em escala dos orgânicos”. Assim, explica a gerente, o consumidor reivindica por meio da demanda o aumento na produção daquele tipo de produto, mais sustentável.
Além do consumo
Ao contrário do que explica Camila, o professor da Universidade Federal de Goiás (UFG), doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília (UnB), Ricardo Barbosa de Lima afirma que os indivíduos, ou o padrão de consumo deles, quase nunca interfere decisivamente no mercado gerando produção por meio da demanda.
“Essa relação entre consumo e sustentabilidade joga a responsabilidade no autor do consumo, como se ele fosse responsável, inclusive em última estância, por resolver a competição do mercado e dizer ao mercado o que é que deve ser produzido”.
Ricardo usa também os alimentos orgânicos como exemplo. “Primeiro, é mais caro. Segundo, se todos os consumidores tivessem uma crise de consciência ecológica e fossem comprar orgânicos, eu não teria produção. Para isso, eu tenho que ter grandes extensões de plantio de orgânicos, o que é inviável do ponto de vista do combate às pragas”, analisa.
O professor explica que se não houver interferência na produção e no procedimento de financiamento governamental para a agricultura orgânica não adianta o consumidor ser consciente. “Mesmo se tivéssemos 100% dos indivíduos conscientes, que fossem atrás dos famosos ecologicamente corretos, são estes que não existem”.
Participação de todos
O que não quer dizer que o consumo consciente não deva ser praticado. “Você tendo a possibilidade de comprar um orgânico, que o faça. Tendo a possibilidade de compartilhar automóvel, que o faça. Pensar no transporte da cidade, ter um transporte público de qualidade, que lute para isso. Não é necessário abandonar nenhuma dessas trincheiras”, afirma Ricardo Barbosa.
Não é que a ação individual não tenha efeito, informa o professor, é que só isso não basta. “O que o consumo ecológico postula não deve ser abandonado, mas não pode ser visto como a iniciativa que vai transformar as coisas. Mesmo se todos os indivíduos fossem conscientes, não teríamos, hoje, um mundo sustentável”.
Camila concorda que a sustentabilidade envolve a participação de todos: da sociedade, dos indivíduos, do governo, da mídia, das universidades e das empresas. Eduardo Coutinho acrescenta que, mesmo envolvendo todos os setores da sociedade, a consciência individual é fundamental. “O indivíduo precisa ter consciência de que o seu estilo de vida causa impacto e buscar soluções, além das simplistas já adotadas, como a reciclagem e a economia de água”. Eduardo acredita que o processo de conscientização passa pela educação formal e informal, que é responsável pela transformação de hábitos e atitudes.
Tribuna do Planalto (17/01/2011)