Um dia para comemorar a vitória

Quase 5 mil estudantes são aprovados pela UFG, no certame que foi o mais concorrido da história
Maria José Silva
A alegria bateu forte no peito de quase 5 mil estudantes que, durante todo o ano passado, dedicaram a maior parte do tempo aos estudos. Pouco antes das 9 horas, a Universidade Federal de Goiás (UFG) divulgou o tão esperado resultado do Vestibular 2011/1 da instituição. Logo em seguida, centenas de aprovados, muitos acompanhados de amigos e familiares, deslocaram-se para o Parque Vaca Brava, no Setor Bueno. Eram pessoas que venceram o funil, que selecionou entre mais de 34 mil candidatos, e que foram comemorar com música, bebidas, gritos, risos e choros.
Para muitos estudantes, a aprovação na UFG veio depois de momentos difíceis, de noites em claro, nervos à flor da pele e namoros interrompidos. Aos 20 anos, Natália Santos de Melo, jovem de origem humilde, descendente de negros, teve a felicidade de passar para Medicina pelo sistema de cotas. A aprovação, conforme disse, ocorreu depois de esforços e privações. Determinada em realizar seu sonho, Natália dormia quase todos os dias depois das 2 horas da manhã. Por volta das 5 horas, acordava e retomava os estudos até as 7 horas, quando ia para o cursinho.
A rotina sacrificante prosseguia durante todo o dia. Pouco antes das 13 horas, a menina retornava da escola para o almoço. Às 14 horas, já estava de volta ao cursinho, onde ficava até por volta das 23 horas. A mãe de Natália, a professora Joelma dos Santos Luz, de 41 anos, relata que a filha, obstinada em ser médica, deixou de ir a todo tipo de festas e terminou o romance com o namorado.
A decisão tomada por Natália de prestar vestibular para Medicina ocorreu depois de uma decepção. Em 2008, a jovem foi aprovada para o curso de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO) pelo Programa Universidade para Todos (ProUni). Quando a jovem apresentou a documentação, o processo foi indeferido pelo fato de ela ter cursado o último ano do ensino médio em um estabelecimento particular.
Indignada, Natália acionou a Justiça. Durante um ano e meio, enquanto o processo estava sub júdice, frequentou as aulas do curso.
No final de 2009, a Justiça negou o pedido. Em vez de se abater, Natália pediu mais uma chance à mãe para fazer o cursinho que lhe aprovou para Medicina.
Assim como Natália, muitos aprovados estão ingressando na UFG depois de ter vivido outras experiências. É o caso de Ana Terra Moreno Queiroz, que alcançou o primeiro lugar no curso de Medicina. Feliz, porém reservada, Ana Terra limitou-se a dizer que já concluiu outro curso superior e morou alguns anos fora de Goiânia.
Para outros estudantes, a aprovação veio como consequência da segurança e tranquilidade. Com apenas 17 anos, Stephanie Silva Nunes de Almeida conseguiu a proeza de passar em quarto lugar para Veterinária na UFG e, em primeiro lugar, para o mesmo curso, na Universidade Federal do Mato Grosso do Sul.
Essa foi a primeira vez que a adolescente prestou o vestibular. A mãe dela, a empresária Maria Helena da Silva Nunes Almeida, de 47 anos, acentua que a filha sempre foi inteligente e calma. "Ela presta atenção nas aulas, mas estuda pouco em casa", diz.
Apesar de considerar o vestibular algo especial, Stephanie não deixou de fazer nada do que gosta nos meses que antecederam ao concurso. No dia a dia, ouvia música, assistia a filmes e acionava a internet. "Eu fazia as minhas tarefas ouvindo músicas. Não saía tanto, mas não deixei de fazer as coisas que gosto", relata a garota, emocionada com o resultado do esforço.

Funciona mais ou menos assim. Alguém fica sabendo que o resultado do vestibular foi divulgado. Esse alguém conta para um parente, que conta para um amigo, que conta para outro e, de repente, são milhares de rostos felizes e ansiosos espalhados por todo Estado e, rapidamente, boa parte está reunida no Parque Vaca Brava, palco oficial e preferencial dos aprovados em vestibular. Ontem foi assim.
No meio da festa, veteranos parecem preparados para testar uma receita de bolo (farinha de trigo, ovos, manteiga) a ser servido com acompanhamentos pouco tradicionais: ketchup, mostarda, tinta, entre outros. Mas trata-se do kit de recepção dos novos alunos da universidade. Logo, a bagunça se espalha e tudo vira festa.
Farinha
A futura psicóloga Larissa Rodrigues, de 17 anos, foi aprovada em sua segunda tentativa. Estava devidamente vestida como caloura, com muita farinha e ovo podre pelos cabelos e corpo. Aos 17 anos, Murilo Frota começa sua caminhada pela Medicina. Foi aprovado em quinto lugar e ainda tinha motivos em dobro para festejar: a namorada, Camila Pereira Cantares, de 18, foi aprovada em Odontologia.
Na porta do Centro de Seleção da UFG, no Setor Universitário, era difícil saber quem estava mais feliz. Pai e filho se abraçavam para comemorar a aprovação de Igor Carneiro Castelo Branco, de 17 anos, para Engenharia da Computação. O pai coruja, Stênio Andrade Castelo Branco, não segurava a emoção. E não precisava. A hora era deles.
Pais
A festa foi completa e sobrou também para os pais que, esse ano, tiveram de pagar micos juntos com seus "bebês". O economista Djalma De Nápole, de 50 anos, exibiu a aprovação da filha Ana Carolina Almeida Di Nápoli, de 16, no peito. Ele foi um dos clientes que adquiriu a camiseta vendida pela comissão de formatura da turma Medicina 2009 com a inscrição "meu bebê passou na UFG".
A festa dos aprovados na UFG ganhou esquema especial esse ano. A operação Trote Solidário, desenvolvida pela Polícia Militar, deu mais segurança e organização para a comemoração dos calouros. Isso porque a Rua T-3, no trecho que passa pelo Vaca Brava, foi fechada para a festa. Oitenta policiais militares, bombeiros e agentes de trânsito garantiram a segurança. Foi instalada tendas e banheiros químicos.
Trotes criativos garantem celebração sem sustos
Cada curso preparou um ritual diferente para receber seus novos alunos. E não faltou criatividade para os organizadores da recepção dos novos alunos da Universidade Federal de Goiás (UFG), ontem. Houve quem precisou ajoelhar e se deixar ser empanado numa mistura de ovo e farinha. Quem passou por uma coroação com metade de uma melancia, depois destinada ao consumo.
Alguns foram pintados de azul, outros amarrados e até laçados, outros saíram em trenzinho pouco convencional. Teve de tudo um pouco, sempre regado a muita animação. A turma do Direito era uma das mais animadas.
Aluna do 3º período de Direito matutino e integrante da comissão de organização do Supremo Trote Federal (STF), Bruna Parreira, de 18 anos, contou que a recepção dos calouros estava sendo planejada desde dezembro passado.
As brincadeiras ganharam trilha sonora da bateria Mafiosa, com direito a passo marcado e coreografia. Outra bateria, a Madrasta, da Medicina, também animou a comemoração. Veteranos do curso de Medicina Veterinária laçaram seus calouros e desfilaram com eles devidamente enlaçados pela Vaca Brava. A iniciativa parece ter dado certo. Ao contrário de 2010, quando houve depredação do parque, a Polícia Militar não registrou problemas graves.
ENTREVISTA | DHYEGO BESSA
"Nunca se deve desistir do sonho"
Das 14h às 24 horas, ele é o primeiro-tenente Bessa, do Batalhão Escolar da Polícia Militar. Quando tira a farda, o estudante Dhyego Bessa, de 26 anos, corre atrás do sonho de se tornar médico. Bessa foi um dos aprovados da UFG para Medicina. Ontem, soube da aprovação pelo celular. Mas não perdeu a compostura e trabalhou na segurança no Vaca Brava.
Como era sua rotina?
Eu conclui o ensino médio no ano 2000. Em 2008, voltei para escola, ganhei uma bolsa e fui fazer cursinho. Eu trabalhava das 14h às 24 horas no Batalhão Escolar e estudava de manhã e nos fins de semana. Eu não tinha muito tempo para estudar em casa, então priorizava a sala de aula.
Você passou em sua terceira tentativa. Como foi?
Nos outros dois vestibulares passei na primeira fase e fiquei por meio ponto na segunda fase. No ano passado quase desisti de prestar, mas não se deve esquecer um sonho. Estou muito feliz.
Por qual sistema o senhor foi aprovado?

Fiz pelo sistema universal. Já tinha passado na Universidade Federal do Tocantins (UFT) e na Universidade Católica de Goiás (PUC-GO). Esse ano decidi tentar só na UFG.
Qual o segredo para conseguir a aprovação?
Estudo, dedicação e não esquecer do sonho. Frustração todo mundo vai ter um dia. A concorrência é mais difícil para quem trabalha e estuda do que para quem só estuda. Mas o sonho não pode parar.
Você planejou a operação Trote Solidário, para os aprovados na UFG. Como foi realizar esse trabalho e estar entre os aprovados, de farda, sem poder comemorar?
Já passei da idade. Talvez, se não estivesse trabalhando, não estaria aqui. O objetivo é dar segurança à festa, garantir a comemoração dos outros aprovados.
Como você imagina que será sua vida quando começar a faculdade?
Vou estudar durante o dia e trabalhar a noite. ▩