O bambu e as alternativas para empreender
Meio ambiente
O bambu e as alternativas para empreender
Abundante no Brasil, vegetal não é explorado da forma adequada, perdendo seu potencial na indústria moveleira e no tratamento do esgoto de forma ambientalmente correta
Fotos: Fernando Leite/Jornal Opção

Rogério Almeida, professor da UFG: “Existem 1,5 mil
tipos de bambu conhecidos pela comunidade cinetífica,
e a meta é que tenhamos até 200 espécies plantadas na UFG”
tipos de bambu conhecidos pela comunidade cinetífica,
e a meta é que tenhamos até 200 espécies plantadas na UFG”
Luana Borges
Embrenhado nas matas brasileiras, recurso natural abundante em chácaras e fazendas, muitas vezes utilizado por produtores rurais para a alimentação do gado, o controle da erosão e a estabilização de encostas de rios, também visto como ornamento de paisagens e jardins citadinos. Esses são os atributos mais conhecidos do bambu, uma gramínea que se espalha pelas vegetações tupiniquins e forma no Brasil a maior reserva natural de bambu do mundo: são cerca de 70 mil km² de florestas no Acre e 20 mil km² no Amazonas, sem contar a diversidade de espécies existentes, sobretudo, em regiões de Goiás, São Paulo, Minas Gerais, Santa Catarina, Bahia ou Paraná.
Mas a despeito da rica natureza (cerca de 30% das espécies de bambu conhecidas na América Latina estão no Brasil), empresários e agricultores ainda desconhecem o potencial econômico e ambiental dessa planta. Não se sabe, por exemplo, que a partir do bambu pode se tratar esgoto, com reduzido custo, alta eficiência e baixíssimo ônus para o meio ambiente. Também se ignora que, dos bambuzais, pode-se retirar uma matéria-prima resistente e renovável para a manufatura moveleira ou para as fábricas de celulose e papel.
O fato é que, no que se refere à indústria de móveis e de construção civil, o aproveitamento da madeira oriunda dessa gramínea, ao contrário das madeiras tradicionais, não mata a planta. O bambu é a única espécie madeirável que permite usufruto contínuo e sustentável, pois a extração correta de colmos faz gerar outros brotos. Já suas raízes são fasciculadas e, em um processo simples que associa o enraizamento radicular a um substrato de areia e brita, podem integrar um pequeno sistema de tratamento de resíduos líquidos. Os efluentes passarão pela base de solo e raízes e, dessa forma, serão filtrados.
Esse processo para tratar esgoto a partir do bambu, chamado também de sistema de zonas de raízes, é estudado pelo professor Rogério Almeida, da Escola de Agronomia e Engenharia de Alimentos da Universidade Federal de Goiás (UFG). “Na França, a Agência de Águas já homologou o tratamento de esgoto dessa forma. E eles não têm espécies nativas como nós. Somos beneficiados naturalmente, mas temos de correr atrás do prejuízo”, pondera o pesquisador, que coordena trabalhos na Estação de Pesquisas em Tratamento de Esgoto por Plantas (Eptep) da UFG.

Mas para sustentar as estações é necessário ter um estoque de gramíneas. Justamente por isso, atualmente são cultivados, nos quase 120 alqueires que a universidade mantém para estudos e para a realização de feiras agropecuárias, 13 espécies de bambus. De acordo com Rogério Almeida, existem 1.500 tipos conhecidos pela comunidade científica e a meta é de que a UFG tenha até 200 espécies plantadas. “Dentro de um ano, a intenção é de que consigamos montar um pequeno jardim botânico”, diz Rogério.
Descentralização
O professor da UFG explica ainda que a principal vantagem obtida ao tratar o esgoto com raízes de plantas está relacionada à descentralização do sistema. Nas Estações de Tratamento de Esgoto (ETE) convencionais, há custos relacionados ao transporte dos efluentes, o que não ocorre com a tecnologia alternativa para tratamento de resíduos. “Quando tratamos com plantas, podemos ter uma infinidade de pequenas estações espalhadas pela cidade. Elas são construídas ao lado de onde o esgoto é gerado e, portanto, não precisamos de extensa rede para transportá-lo. Além disso, pequenos sistemas de tratamento não geram uma área urbana inabitável, onde ninguém quer morar devido ao mau cheiro, como ocorre quando temos uma ETE central.”

O sistema de zonas de raízes de bambu já é utilizado em um condomínio residencial de Caldas Novas, pela empresa Anglo American em Catalão, pela indústria de papéis e embalagens Jaepel, em Senador Canedo, e em três estações na cidade de Rio Quente. Desses empreendimentos, Almeida destaca a empresa Jaepel. Premiada na área ambiental (prêmio Crea-2009), a fábrica de papéis promoveu a despoluição de até 92% de seus efluentes. Conforme o pesquisador, ali os tanques tinham filtros com areia, raízes de bambu e telas de náilon (onde ficava retida a celulose residual). Dessa forma, além de sustentável, o processo otimizava os lucros ao recolocar a celulose, que seria desperdiçada, no processo produtivo. “As indústrias terão de fazer os produtos recircularem, fechando os ciclos. A tendência é essa”, enfatiza.
Garimpo
Contrariando aqueles que pensavam que do bambu só se faziam resistentes varas de pescar, vale ressaltar que entre os entusiastas da cadeia produtiva desse arbusto há também arquitetos, designers e empresários. Ora, além de tratar esgoto em um processo altamente sustentável, os bambuzais trazem grande eficiência no resgate de CO2 (e na redução do efeito estufa) devido ao seu rápido crescimento. Estudiosos apontam que uma espécie desse arbusto, chamada Medake, chegou a crescer, em um dia, 121 cm. Foi no ano de 1956, na província japonesa de Quioto. No Brasil, outra espécie, a dendrocalamus giganteus, atingiu 37 cm em 24 horas. Por esses atributos, essas plantas mágicas, como alcunham seus apologistas, são apropriadas para o uso industrial de alta viabilidade e de baixo impacto para o meio ambiente.
E é nesse contexto que surgem projetos pioneiros em terras cerradeiras. Apesar da cultura tradicionalista do meio rural goiano (com suas monoculturas centradas em cana-de-açúcar, soja, milho ou sorgo) e da ausência de fazendas que plantem bambus com finalidade comercial (em Goiás, as maiores produções estão em Araçu e Bela Vista, cada uma com 3 hectares plantados), já há no Estado demanda pelo arbusto. Isso porque há empresas pioneiras, como a Embambu, que lidam com a fabricação de caixas, móveis para escritórios, copa, cozinha e jardins.

Segundo o empresário, para evitar a escassez de matéria-prima, a Embambu já plantou cerca de 3 mil touceiras da planta. Já o administrador de marketing da empresa, José Augusto Ribamar, explica que não existem, em Goiás, mais lavouras pela falta de esclarecimento do produtor rural. “Temos de buscar o arbusto a uma média de 150 km de distância. É uma dificuldade que encarece nosso produto. Mas a partir de 2012, quando o cultivo da Embambu começar a render mais, o produto será barateado. Nosso agricultor acredita ainda que o bambu é uma moita. Por medo, pois essa gramínea nunca foi utilizada da forma como está sendo hoje, não se planta. É um problema cultural”, pondera Ribamar.
Menina dos olhos

Para se ter uma ideia da alta utilização do bambu na indústria moveleira e da organização dos empresários goianos em prol dessa matéria-prima, a atual menina dos olhos dos entusiastas da gramínea é uma cozinha inteiramente produzida com a madeira de bambu. O projeto — feito em parceria com o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), a Fieg, a Faculdade de Tecnologia Senai Italo Bologna, o CNPq e a Embambu — será lançado nos dias 1º e 2 de março, no auditório da Fieg, localizada à Avenida Araguaia, nas proximidades do Parque Mutirama.
De acordo com o designer de móveis do Senai, Grégory Adad, que idealizou e desenhou a cozinha de bambu, o mercado deve caminhar para a substituição da madeira convencional por alternativas renováveis. “Essa madeira tradicional está ficando mais escassa, tem de ser certificada e demora até 30 anos para crescer. Com o bambu, não é assim.” O fato é que, a partir de quatro anos de cultivo do arbusto, os colmos e brotos de bambus já podem ser podados e utilizados com finalidades industriais. A planta, tal como uma grama, volta a crescer e, por isso, não precisa ser certificada.

Conforme José Ribamar, cada prancha de madeira preparada para construir o móvel de bambu custou cerca de 180 reais por metro quadrado. “O móvel pronto, incluindo a perda de materiais, os impostos, a mão de obra e toda a parte de acabamento, com ferragens, puxadores, parafusos ou dobradiças, fica por 900 reais o metro quadrado”, explica o administrador. Entretanto, de acordo com empresários do ramo, o mercado, se devidamente estimulado pelo governo, não deve ficar restrito às classes mais abastadas, seguindo o exemplo de regiões asiáticas. O continente emprega cerca de 2,5 bilhões de pessoas no negócio do bambu e do rattan, atingindo uma cifra de US$ 7 bilhões anuais. “Não há um argumento lógico que dê conta de explicar porque o bambu ainda não é uma cultura comercial no Brasil. Eu me pergunto isso todos os dias”, reivindica, em tom lamentoso, Rogério Almeida.