Lei da sala cheia
Raphaela Ferro
As pesquisas não são conclusivas em relação ao número adequado de alunos por sala de aula. O tema polêmico ganhou proporção por estar envolvido em questões políticas, mas acadêmicos e escolas particulares estão longe de chegar a um acordo ou consenso.
A regulamentação estadual era clara: o limite é 40 alunos por sala de aula. Já a nacional não é tanto. A lei de Diretrizes e Bases da Educação nacional (LDB) indica apenas que é objetivo permanente das autoridades responsáveis alcançar a relação adequada entre o número de alunos e professor.
Contudo, o conceito de adequado varia de acordo com a autoridade. Nas escolas particulares, as autoridades são os diretores, que, em maioria, reivindicam o direito de permanecer com a prática atual. Principalmente agora que o limite da lei estadual foi revogado pela Assembleia Legislativa goiana.
Medida que, segundo o deputado estadual Luís César Bueno, está sendo chamada de lei da sala cheia.
O diretor do Colégio Integrado Jaó, Marcos "Tucano" das Neves, está entre os diretores que não se opõem à exigência numérica. Mesmo concordando com o limite, o professor acredita que a questão deveria ser mais discutida. "Não sei de onde pegaram esse número, não foi discutido".
Ele explica que a medida não afeta a sua escola por ser uma instituição que já tem turmas variando em torno dos 40 alunos. Entretanto, nem todos os diretores de escolas particulares goianas enfrentam essa discussão com tanta facilidade.
Fortes argumentos
Diretor do Colégio Prevest, Flávio Roberto de Castro é enfático ao afirmar que as escolas particulares estão como bode expiatório em uma questão política. O assunto só ganhou dimensão maior porque o propositor do projeto de lei que anula o limite de alunos se tornou secretário de Educação.
A solicitação do diretor e também vice-presidente do Sindicato de Escolas Particulares é pela regulamentação do que já acontece. "A realidade das escolas particulares é trabalhar com 50 alunos no 1º ano do Ensino Médio, 55 no 2º e 60 no 3º". Ele justifica: "Nesses últimos 15 ou 20 anos, você já viu alguém reclamar de superlotação de turmas na rede privada?".
Castro afirma que as escolas não irão superlotar salas ou colocar mil alunos em um ginásio. "Até porque nós vivemos da nossa qualidade de ensino e temos resultados expressivos. O governador foi muito feliz quando disse que quem tem que regular isso é o mercado".
É aí que o ponto de vista das escolas particulares entra em confronto com a visão do Conselho Estadual de Educação (CEE). Castro afirma que a instituição particular de ensino é uma empresa como outra qualquer, que se mantém com o dinheiro das mensalidades. Por isso, encontra dificuldades com as turmas de apenas 40 alunos.
Presidente do Conselho, Lacy Guaraciaba repudia tal opinião. "A escola não é empresa exploradora, não centra o seu processo na comercialização. Nós não industrializamos cabeças no âmbito escolar". Ela ainda questiona o motivo da implicância com o número. Por que e a quem ele incomoda?
Às escolas particulares, ela responde, mas não a todas. Inclusive, a maioria já se ajustou à exigência legal. "É tão pequena essa variável dentro do projeto educativo escolar que eu não consigo compreender porque essa resistência ao número 40. Se ela é financeira, ela não se justifica", enfatiza.
Por que 40?
"O número cabalístico foi dado em 1998 no apagar das luzes e nem houve repercussão na época. Dez anos depois, o Conselho resolve exigir?", brinca o diretor do Colégio Millenium Classe, Gustavo Silva.
Lacy justifica o número. "Mais que 40 alunos inviabiliza a relação de proximidade do professor com o estudante. Se nós tivermos compromisso com a formação para a cidadania plena, 40 ainda é muito", argumenta.
E por que só dez anos depois? "Porque ao longo desse período, ao avaliar as escolas para reconhecimento ou renovação do mesmo, o Conselho orientava quanto às exigências que constituem o conjunto de referenciais de qualidade", informa Lacy.
Até dezembro do ano passado as escolas poderiam manter o que já praticavam, mas com o compromisso de que em 2012 as salas de aula não tivessem mais de 40 estudantes. E somente quatro ainda estavam sem a adequação.
Qualidade do ensino
O diretor do Millenium Classe, Silva, não vê a menor relação entre número de alunos em sala de aula e ganho pedagógico. Do outro lado, o professor do Instituto de Química da Universidade Federal de Goiás (UFG) Márlon Soares reafirma que essa relação existe sim. "Para um professor compromissado com o ensino fica claro que com um número menor de alunos é mais fácil trabalhar. Não estou falando em treinamento, falo em ensino-aprendizagem".
Na literatura científica também não há consenso entre os pesquisadores. "Há a mesma quantidade de pesquisas que mostram que não existe relação e que mostram exatamente o contrário", confirma Soares. Só que há uma ressalva. "Não tem artigo que fala em 40 ou em 60 alunos como é no Brasil. Tradicionalmente, nos Estados Unidos e na Europa, o número de alunos varia entre 16 e 35".
Lacy Guaraciaba recorre à experiência como professora para afirmar que o quantitativo de alunos é sim um dos referenciais de qualidade da Educação. Afinal, o estudante requer disposição do professor para que seja ouvido. "Percebemos que quando esse aspecto não é bem gerido pelo educador, a aprendizagem também não flui satisfatoriamente".
Falta professor
Os que defendem a revogação da lei têm ainda outro argumento. Não existem bons professores o suficiente para dividir as turmas. Gustavo Silva explica que é possível chegar à conclusão de que o número de alunos por sala tem que ser menor daqui a algum tempo, mas será preciso preparo para isso. "É impossível fabricar professor do dia para a noite", analisa Silva.
O professor da UFG Márlon Soares concorda que não há número suficiente de professores, o que não justifica. "É fácil falar que vai aumentar a sala porque não temos professores. Uma alternativa paliativa, porque não pensam em investir no professor. Ao invés disso, dão a ele 60 ou 70 alunos".
A mesma crítica é feita pelo coordenador geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Daniel Cara. "O país precisa decidir se quer garantir a Educação de qualidade, ou se quer continuar garantindo uma Educação de baixo padrão. Precisa aumentar o número de professores, mas essa [a limitação do número de alunos por sala] é a atitude que precisa ser tomada".
Debate atrasado
A Assembleia Legislativa irá realizar nesta terça-feira, 22, uma audiência pública para discutir a questão, às 16 horas. Escolas particulares, conselho de Educação e demais interessados estão preparados para o debate que já deveria ter acontecido em 1998 ou ainda no final do ano passado.
Flávio Castro, do Prevest, explica que sua intenção é mostrar a verdade. "As escolas particulares funcionam e bem com o número de alunos. Relação qualidade de ensino não está presa a isso e sim à proposta político-pedagógica, às condições materiais e ao que o professor vai fazer em sala de aula", avalia.
O diretor acredita que como a LDB não define número, assim como nenhuma outra unidade federativa, Goiás está na contra-mão se o fizer. Presidente do CEE, Lacy Guaraciaba pensa o contrário. "Só o Estado de Goiás definiu esse quantitativo, porque foi pioneiro. O Brasil inteiro vai definir quantitativo, sem dúvida. Goiás pode se sentir orgulhoso de ter saído à frente, de ter sido ousado".
Na política
A Lei Complementar Estadual número 026 foi aprovada em dezembro de 1998 para organizar e estabelecer diretrizes para a Educação em todo o Estado de Goiás. Essa lei tem referência na LDB nacional e, por sua vez, referencia o reconhecimento e a renovação para as escolas particulares.
Dessa lei, o número de alunos por sala, as prerrogativas do CEE e o tempo de trabalho fora de sala de aula dos professores foram revogados no final de 2011, após a aprovação de um projeto de lei do então deputado Thiago Peixoto. A própria Assembleia a promulgou mesmo após parecer contrário do conselho.
Recentemente, o deputado Evandro Magal apresentou projeto de revogação da lei. O que o motivou teriam sido conversas com profissionais da área ligados á UFG e à Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO). "É unanimidade, essa lei é maléfica para a qualidade do ensino".
Prerrogativas CEE
Outro deputado, Luís César Bueno também apresentou substitutivo revogando a lei aprovada no final do ano. Mesmo incluído a manutenção do limite de 40 alunos por sala, a preocupação dele é maior com a questão das prerrogativas do CEE. "Esse projeto de lei retira do conselho as prerrogativas de normatizar e regulamentar a democracia nas escolas e o ensino médio".
Luís César explica que é uma intervenção arbitrária, já que os conselhos têm legitimidade garantida pela Constituição Federal. Mesmo assim a proposta que retira as tais prerrogativas foi aprovada pela Comissão Mista da Assembleia, mas ainda depende da aprovação em plenário. O que deve ser discutido também na terça, 22.