Tratamento de choque no setor

JORNAL OPÇÃO, 13 a 19 de fevereiro de 2011

Educação

Tratamento de choque no setor

Meritocracia, piso salarial acima da média e cursos de gestão são políticas previstas na Reforma Educacional de Thiago Peixoto. Em Goiás, desvalorização afugenta professores da sala de aula

Luana Borges

Quando o assunto é educação, nenhum político ou governante declara-se contrário ao discurso de que é necessário ampliar os investimentos na área, aumentando, da rede básica às instituições superiores de ensino, o aporte de verbas. São fáceis preleções, nos pleitos eleitorais, de alguns candidatos que prometem zelar pelo ensino de qualidade e pela valorização do professor. Contudo, muito além da verborragia nas propagandas de campanha, uma pesquisa realizada pela ONG Todos pela Educação, em parceria com o Ibope, demonstra que a educação é, cada vez mais, preocupação efetiva dos cidadãos brasileiros. Se em 2006, o assunto ocupava apenas o sétimo lugar no ranking dos problemas do País, o tema atingiu, no ano passado, a terceira colocação entre as principais inquietações tupiniquins.

Por isso nada mais natural que, diante do aumento dos anseios da população na área educacional e da consequente maior cobrança para que os gestores públicos ajam, exista, no meio político, fresco entusiasmo ao tratar do tema. Nesse contexto, em tempos de novo governo em Goiás, um plano de Reforma Educacional é elaborado. A estimativa é de que, em junho, ele seja apresentado à população.

O planejamento dessa reforma na Educação não foge ao tom das propostas do governador Marconi Perillo (PSDB). O tucano, já na transição entre governos, recorreu ao Instituto de Desenvolvimento Gerencial (INDG) para modernizar a administração pública, dar foco à gestão, à meritocracia e à estipulação de metas. Nesses moldes, o Estado contaria com técnicas gerencias do setor privado e seria mais eficiente. O modelo será aplicado às escolas de Goiás? O secretário da Educação, Thiago Peixoto (PMDB), garante que sim.

Segundo ele, duas empresas consultoras que traçaram as reformas educacionais nova-iorquinas e inglesas poderão ajudar na elaboração do projeto da educação goiana. “O bom de tudo isso é que essas empresas não serão pagas com recursos do Tesouro Estadual. Estamos articulando com o Movimento Brasil Competitivo, que vai bancar as consultorias por meio de empresários locais. Ou seja, parcerias pagarão o apoio externo de que precisamos”, garante o secretário. De acordo com Thiago, senadores como Cyro Miranda (PSDB), que têm forte representatividade junto às lideranças empresariais, estão buscando patrocinadores para a empreitada.

O secretário explica também que a Reforma Educacional em Goiás deve privilegiar, em um primeiro momento, mudanças legislativas necessárias à valorização do professor e às transformações do sistema atualmente em voga. Um exemplo de transformação necessária é que, hoje, de acordo com a legislação, qualquer professor pode se candidatar ao cargo diretivo de uma instituição de ensino. Entretanto, Thiago explica que uma das metas é permitir a candidatura apenas àqueles que passarem por um curso de gestão escolar, que priorizará, além da capacidade gerencial, o plano pedagógico. “Um diretor deve ser um líder forte. Em minhas visitas, vi escolas de uma mesma realidade social, que têm um mesmo orçamento, mas que apresentam desempenhos muito variados. Isso decorre da ausência de liderança em umas e da presença de bons líderes em outras”, explica.

De acordo com a proposta, chamada de Academia da Liderança, os professores só poderão se candidatar se frequentarem 40 horas de aulas, que serão formuladas tendo por base casos de sucesso no ambiente escolar, como aquele da Escola Aprendizado Marista Padre Lancísio, em Silvânia. O colégio ganhou em 2007, pela qualidade de seu ensino, prêmios concedidos pela Unesco e pela Fundação Roberto Marinho. Após o curso inicial, o plano ainda prevê que os professores passem por uma pós-graduação de 360 horas. Por fim, aqueles que frequentaram as classes e que não foram eleitos diretores integrarão um banco de talentos, que contará com os gestores mais capacitados para futuras eleições. “Assim, pretendemos inserir na escola a cultura de gestão, sempre tendo como referência o aluno”, frisa o secretário. Boa teoria. Mas ela só é aplicável diante de mudanças legais. “Temos de fazer uma lei pra que o que estamos prevendo aconteça. Nossa reforma trabalhará nesse sentido. Não queremos inventar a roda. Vamos dar continuidade, mas sem continuísmo.”

Salários baixos

Outra promessa contida no plano de reforma educacional do peemedebista diz respeito ao pagamento de um piso salarial ao professor acima do estabelecido nacionalmente. Hoje, de acordo com informações do Sindicato dos Trabalhadores da Educação em Goiás (Sintego), cerca de 70 mil professores estão recebendo, em Goiás, valores abaixo do piso nacional, que é de R$ 1.024,67, estipulados pelo Ministério da Educação (MEC) para aqueles que lecionam por 40 horas semanais.

A distorção no sistema é tamanha que, em um contexto em que a escola de tempo integral é estimulada pelo próprio Plano Nacional de Educação (PNE), os professores que nela trabalham são menos valorizados em termos salariais. Ora, conforme apontam estudos, o período de permanência dos alunos em sala de aula é fator preponderante para a qualidade da educação em um país. Vale ressaltar que o tempo em que estudantes brasileiros ficam na escola equivale a dois terços da quantidade de horas dedicadas ao estudo por finlandeses e à metade das horas dedicadas pelos coreanos. Esses dois países ficaram, respectivamente, em terceiro e segundo lugares no Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa, sigla em inglês), que mediu o desempenho dos estudantes nas áreas de leitura, ciências e matemática.

Já o Brasil, com suas reles cinco costumeiras aulas a cada período, alcançou a 53ª posição, entre 65 países e 470 mil alunos avaliados. O Pisa é um exame aplicado a cada três anos pela Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE). O último, realizado em 2009, foi divulgado em dezembro do ano passado e deu ênfase à leitura. Nesse quesito, o desempenho brasileiro foi semelhante ao de países como Trinidad e Tobago, Colômbia e Jordânia e inferior ao de nações como Chile (44ª posição), Uruguai (47ª) e México (48ª). As escolas patropis tampouco atingiram, com uma pontuação de 412, a nota média do exame, que foi de cerca de 500 pontos. Quando se vê que os colégios verde-amarelos tomaram bomba, nota-se a urgência de uma reforma educacional no país e as distorções ainda existentes em nosso sistema.

No que se refere à valorização do profissional que se dedica a uma instituição de tempo integral, a diretora do Colégio Estadual Polivalente Professor Goiany Prates, Suêde Aparecida da Silva, explica que, na rede de ensino integral, os professores são impossibilitados de darem 25 aulas por semana, como ocorre nas escolas do currículo básico, e por isso ganham menos. “Nós já começamos semestre quase sem professores porque, em tempo integral, um docente pode se dedicar ao máximo de 20 aulas, semanalmente. Ora, isso vai interferir no salário. Nós acreditamos que, para atraí-los, tem de haver um diferencial na remuneração”, pondera a diretora.

Funcionária do Colégio Polivalente Goiany Prates que ajudou na implementação do plano pedagógico de tempo integral na escola, a secretária Thaisy de Carvalho ressalta que os professores, por esse sistema, enfrentam maiores cobranças que, aliadas aos baixos salários, podem afugentá-los. “Não é qualquer professor que consegue atender às demandas do tempo integral. Tem de ter um perfil próprio. Todas as tardes, no contraturno, vêm os desafios porque a escola, durante todo o dia, tem de ser muito mais atraente. A concorrência lá fora é enorme. O professor tem de ser muito dinâmico e disposto. Caso contrário, o aluno não se envolve”, esclarece.

O projeto pedagógico de tempo integral que está em funcionamento no Colégio Polivalente Goiany Prates, localizado no Setor Sudoeste, em Goiânia, inclui o currículo básico pela manhã, quando os alunos assistem às costumeiras cinco aulas de Ciências, Matemática, Geografia, Língua Portuguesa e demais matérias. Já no turno vespertino, há as atividades permanentes, que destinam duas aulas diárias para que os estudantes, orientados por professores, leiam, escrevam, pesquisem ou resolvam problemas matemáticos, bem como para que eles possam se utilizar dos laboratórios de informática, línguas ou ciências. Por fim, nas duas últimas aulas da tarde, que se encerram às 17 horas, os alunos podem escolher entre atividades curriculares artísticas e culturais (como aulas de música, teatro, dança ou artes visuais), atividades esportivas (como voleibol, futsal, xadrez ou dama) ou exercícios de integração social nas áreas de empreendedorismo e educação ambiental.

“O planejamento de aula tem de ser melhor, pois o aluno escolhe o que quer assistir à tarde e, se o professor não planejar bem, ele corre o risco de ter menos horas/ aula. No geral, os efetivos não preferem trabalhar nas escolas de tempo integral. Na primeira oportunidade, eles vão embora. Se houvesse uma gratificação, não seria assim”, reitera Thaisy.

Apesar das distorções ainda existentes, a experiência no Goiany Prates parece bem-sucedida. A escola chegou a 3,9 pontos no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) em 2009, quando a meta estipulada era de 2,9 pontos. Ao todo, passam, a cada dia, 885 alunos por seus corredores. Desse total, são 395 estudantes de ensino médio, que ali ficam até o meio-dia, e 230 que assistem às aulas da Educação de Jovens e Adultos (EJA), dedicando-se aos livros no período noturno, a maioria das vezes após tensa rotina de trabalho. O restante, 260 estudantes de 6° ao 9° ano, passa o dia no colégio, que funciona em tempo integral desde outubro de 2006 e atende a diversas regiões da Capital e entorno.

Como ainda é difícil encontrar uma instituição em bom funcionamento em Goiânia, um problema do colégio é a alta rotatividade de alunos. “Temos estudantes de Aragoiânia, do Setor Madre Germana, do Garavelo e de tantos outros lugares distantes. Começamos com uma clientela e terminamos com outra. Os alunos, que saem às 5 horas da manhã de suas casas e retornam às 8 da noite, por vezes, não aguentam essa rotina dura”, explica a diretora Suêde Aparecida. Segundo ela, para amenizar o problema, políticas de continuidade devem ser tocadas pela Secretaria da Educação no governo Marconi, levando a todos as mudanças iniciadas em tempos pepistas. Em Goiás, 120 escolas de tempo integral foram implantadas, desde 2006, na rede estadual de ensino, que hoje conta com 1.095 instituições.

Aluno de tempo integral

Para amenizar esses índices, enquanto milagres com o aporte de 25% da arrecadação tributária estadual — que é destinado a investimentos na Educação — ainda não são possíveis, a proposta de Thiago Peixoto é a de criar a figura do aluno de tempo integral. Isso quer dizer que, enquanto não se tem condições de investir em infraestrutura nas escolas existentes, tornando-as aptas a receberem o estudante por todo o dia, a ideia é de que existam convênios com clubes ou escolas de inglês para suprir as demandas necessárias. “O processo tem de ser completamente reformulado. Não temos estrutura física em nossas escolas. Temos, em primeiro lugar, de dar estrutura àquelas 120 que já funcionam. Mas, enquanto vamos adquirindo condição física, patrocinaríamos o acesso a uma série de atividades, fora da escola, no segundo turno”, explica Thiago.

Em meio a essas distorções do sistema, outra proposta muito acentuada pelo secretário refere-se à meritocracia entre os funcionários da Educação. Assim como defende o senador pedetista Cristovam Buarque, estudioso dos problemas educacionais em terras brasilis, Thiago Peixoto diz que valorizar a educação é, também, atribuir um sistema de méritos que contemple o bom educador. "Aquele que se dedica muito, que se prepara, que não falta, não pode ter a mesma remuneração daquele que não consegue os mesmos resultados. Dessa forma, se estimularmos o bom professor, valorizaremos a carreira." Segundo o secretário, o bônus por desempenho será dado com base em avaliações feitas anualmente pelo aluno em âmbito estadual.  Esses exames fornecerão as metas que a instituição de ensino deve cumprir. “Vamos comparar a escola com ela mesma. Se ela atingir a meta de evolução estipulada, todos os professores terão a remuneração a mais”, explica o peemedebista, garantindo que o projeto não gerará rivalidade entre os professores de um mesmo colégio.

A presidente do Sintego, professora Iêda Leal, afirma que a classe concorda com os mecanismos de bonificação, mas que, primeiro, deve se discutir as condições básicas de atuação dos trabalhadores. “Antes de mais nada, as questões de nossa data-base, de nosso vencimento básico, devem ser resolvidas. Não só os salários dos professores, mas também dos funcionários administrativos. Além disso, devemos pressionar para a realização de concursos públicos. Na área administrativa, os exames não são feitos há sete anos. Quando tivermos a estrutura adequada, o número de funcionários adequado e a parte pedagógica completa, se sobrar dinheiro para meritocracia, ela deve ser consolidada”, reivindica Iêda.

Já o professor da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Goiás (UFG) João Ferreira de Oliveira, que é estudioso das políticas voltadas à área educacional, alerta para a transferência de responsabilidades, por parte do Estado, ao professorado quando se institui um sistema meramente baseado em bônus. "Vários governos ligados, sobretudo, ao PSDB têm trabalhado com essa noção de bonificação. Há de se ter o cuidado para não focar o problema da educação no professor e isentar o próprio Estado na formulação de políticas que contemplem o currículo e a gestão do sistema de ensino. Focar meramente em políticas de maior competitividade é focar somente no professorado, quando se sabe que o problema é muito mais amplo e histórico. Goiás, por exemplo, ainda não conseguiu pagar o piso nacional. Ou seja, o básico para se valorizar a profissão ainda não foi feito no país", acentua o pesquisador.

Exército de 800 professores fora da sala de aula

A despeito da ausência de concursos para contratar novos efetivos, há ainda outra distorção que, no diagnóstico educacional feito no território goiano, deve ser levada em conta. Conforme explica o secretário da Educação, Thiago Peixoto, 34% dos docentes goianos estão fora da sala de aula. Apenas na Secretaria de Educação Metropolitana, há 800 docentes que estão afastados dos corredores escolares. “Já vi mestres de Física na biblioteca ou professores no transporte da secretaria. Eles abandonam porque é muito desgastante, mas nós não podemos abrir mão de quem se preparou para a Educação, deixando-os na xerox, como é o que ocorre hoje”, pontua Peixoto, que garante precisar contratar 11 mil servidores, entre docentes e administrativos, para integrar os quadros da Seduc em Goiás.

E se o grande avanço do Brasil refere-se à universalização do ensino de base, com cerca de 90% das crianças e adolescentes de 4 a 17 anos matriculados na escola, os diagnósticos apontados mostram ainda que outros tantos caminhos devem ser percorridos para se atingir, entre os muros da escola, as metas de qualidade no ensino. “A educação não é uma demanda corporativa, da classe dos professores e, sim, é uma demanda do Estado, da Nação brasileira. Para sua melhoria, a vontade não deve vir apenas dos políticos, mas da coletividade. Nesse sentido, eu estou muito otimista, pois a sociedade brasileira começa a incorporar o discurso da educação em seus pleitos”, pontua a ex-secretária Milca Severino, que atualmente retornou à sala de aula, na Faculdade de Enfermagem e Nutrição da UFG.