Os caminhos do lixo nosso de cada dia
Tribuna do Planalto, 19 de fevereiro de 2011
Os caminhos do lixo nosso de cada dia
Sara Cassiano
O problema do lixo não termina com a coleta de porta em porta. A destinação dos resíduos ainda é o maior desafio
O lixo é um dos problemas ambientais que mais preocupam em relação às cidades, e não só aos grandes centros. Reduzir os milhões de toneladas que a população produz diariamente é o maior desafio, visto que a geração dos chamados resíduos sólidos, que crescem não só em quantidade, mas também em complexidade, afeta a sustentabilidade urbana.
Por isso, a necessidade de que o lixo receba uma destinação final segura deve ser preocupação dos gestores e também da população, como fator determinante para se começar a pensar os prejuízos sociais e de saúde, além dos danos ambientais para esta e futuras gerações.
E isso sem falar nos bilhões de reais perdidos pela falta de reciclagem dos chamados resíduos urbanos, que poderiam ser destinados para geração de trabalho e renda a inúmeros desempregados no país. Segundo pesquisa, cada cidadão que vive até os 70 anos produz em média 25 toneladas de detritos.
O Brasil produz cerca de 240 mil toneladas de lixo por dia e, de acordo com a Associação Empresarial para Reciclagem (CEMPRE), apesar de 45% de esse lixo ser reciclável, o país reaproveita apenas 2% do lixo urbano. O restante vai para lixões (75%), aterros controlados (13%) e aterros sanitários (10%).
Em Goiânia, cada habitante produz uma média diária de 600 gramas a 1 quilo de lixo. E apesar de a capital ter sido uma das pioneiras na implantação de coleta seletiva, ainda hoje 70% das 1.300 toneladas de lixo recolhidas diariamente vão parar no aterro sanitário.
Espaço
Essa quantidade imensa de restos que poderiam passar por uma peneira mais cuidadosa acaba causando transtornos ambientais. No mínimo contribui sobremaneira para aumentar o problema da destinação de resíduos sólidos, além de comprometer a vida útil do local.
Atualmente, com uma área de 10 alqueires, o aterro sanitário de Goiânia já esgotou quase que a sua total capacidade, restando dois anos de vida útil. A proximidade da data para vencer, fez que a prefeitura iniciasse um trabalho de expansão, com o melhor reaproveitamento do próprio local.
De acordo com o diretor de Coleta e Remoção da Comurg, Ailson Alves, a ampliação do espaço vai garantir mais 20 anos de capacidade do aterro. Sua preocupação, no entanto, é com a carga cada vez maior de resíduos, exigindo uma demanda sempre crescente de espaço para destinação.
Com o avanço das tecnologias, diz Alves, a tendência é que haja um volumoso descarte de produtos e de suas embalagens. A saída seria um crivo mais refinado da reciclagem, aumentando a porcentagem de aproveitamento de separação do lixo. "Mas ainda há um longo caminho a ser percorrido pela coleta seletiva, para que se alcancem índices satisfatórios no processo de reciclagem", diz.
Por isso, existe um consenso da necessidade de que a população se conscientize da importância da separação do lixo. Só assim haverá um caminho de volta dos materiais recicláveis, reduzindo os danos ao meio ambiente e à saúde, além de gerar trabalho e renda a vários setores mais carentes.
Na visão de Alves, um dos grandes desafios é justamente o fato de a reciclagem não crescer na mesma proporção do lixo produzido e que é reaproveitável. Para se ter uma ideia, 70% do lixo de Goiânia pode ser direcionado às cooperativas para reciclagem, mas elas não dão conta do recado.
Segundo o executivo, as nove empresas já estabelecidas em Goiânia e os três grupos em formação não são suficientes para aproveitar os 19% das 1.300 toneladas de lixo que são retiradas pela coleta seletiva todos os dias. E esse número cresce de 10% a 15% a cada mês.
"Começamos o trabalho com um projeto piloto no Jardim América, trabalhando com quatro caminhões e hoje já estamos com 15 e fazendo 100% da cidade. E como a adesão da população está em ritmo rápido, precisamos contar com mais cooperativas que possam aproveitar esse material reciclável", destaca Alves.
Pioneirismo
Além disso, segundo coordenador-geral do Programa de Coleta Seletiva em Goiânia, Jorge Moreira, o ideal é que o Estado de Goiás também contasse com indústrias de reciclagem, ressaltando a valorização econômica dos materiais recicláveis e seu potencial de geração de negócios, trabalho e renda.
Moreira complementa que em 2010 o Programa Goiânia de Coleta Seletiva foi considerado o mais completo na sua concepção logística e inclusão social abrangente, o que rendeu a Goiânia o título de 2ª capital brasileira em serviço de coleta seletiva, atrás somente de Curitiba, que já explora a modalidade há mais de 20 anos.
Goiânia está à frente quanto ao destino dos resíduos hospitalares, com um dos mais modernos sistemas de tratamento, através da incineração de 100% do material recolhido, transformando-o em cinza sem nenhum valor de contaminação, conforme diz o coordenador.
Mas ainda há muito trabalho a ser feito. "O maior desafio é a institucionalização do programa, dando a ele o status que merece, dada a grande mobilização que deve ser contínua com a comunidade goianiense", reafirma Alves.
Redução
O Brasil entrou em 2011 com uma Política Nacional de Resíduos Sólidos e um Plano de Ação para Produção e Consumo Sustentáveis. Vale destacar que o decreto, publicado em dezembro do ano passado, além de regulamentar a lei das PNRS, criou o Comitê Interministerial da Política Nacional de Resíduos Sólidos.
Junto com o CIPRS, a nova lei criou também o Comitê Orientador para a Implantação dos Sistemas de Logística Reversa. Ambos têm o propósito de apoiar a estruturação e a implementação desta lei mediante a articulação dos órgãos e entidades governamentais.
Sobre a questão do uso das sacolas plásticas, o presidente da Associação Brasileira de Supermercados (Abras), Sussumu Honda, explica que a lei estabelece a responsabilidade compartilhada de todos os agentes da sociedade nas questões ambientais, especialmente para a redução da geração e correta destinação dos resíduos sólidos.
Sussumu enfatiza que o setor de supermercados se movimenta para dar a sua contribuição na parte que lhe cabe, realizando diversas iniciativas voltadas ao incentivo do consumo consciente. Entre elas anuncia a meta de reduzir em 40% o uso de sacolas plásticas nos supermercados de todo o País até 2015.
O objetivo mais imediato desse trabalho é atingir 30% de redução até 2013 – em 2010 o consumo foi de 14 bilhões de sacolas, 21,8% menor que 2007. De acordo com o Ministério do Meio Ambiente, anualmente são consumidos em todo o mundo entre 500 bilhões e 1 trilhão de sacolas plásticas. Só no Brasil, cerca de 1,5 milhão são distribuídas por hora.
Incubadora Social tem papel relevante
A troca de experiências entre universidades e grupos de pessoas que estão em estado de vulnerabilidade social, dentro da chamada economia solidária, é o compromisso do Programa Incubadora Social, projeto financiado pela Secretaria Nacional de Economia Solidária, que é ligada à Secretaria do Ministério do Trabalho.
O processo consiste na promoção de atividades por parte das universidades, com o objetivo de formar e desenvolver cooperativas ou associações produtivas, para que possam transformar a força de trabalho desses grupos em negócio.
Em Goiânia, o Programa Incubadora Social, da Universidade Federal de Goiás (UFG), surgiu em 2008, juntamente com o lançamento do Projeto de Coleta Seletiva da prefeitura, com o primeiro projeto direcionado aos catadores de material reciclável, para organizá-los em cooperativas.
A equipe inicial da Incubadora era formada por 18 docentes, em nove projetos individuais, além de quase 30 estudantes entre bolsistas e voluntários, das áreas de Administração, Contabilidade, Economia, Educação, Direito, Educação Ambiental, Direitos Humanos, Comunicação, Saúde Coletiva, Engenharia, Cultura, Esporte e Lazer e Agricultura Familiar.
Atualmente, já são seis cooperativas e duas associações de catadores de material reciclável formalizadas em Goiânia – e mais três grupos que estão em formação – recebendo o apoio da Incubadora Social, do total dos nove grupos existentes na Capital (a PUC/Goiás, através do seu programa de Incubadora Social coordena mais uma cooperativa, a Cooprec).
O coordenador do Programa Incubadora Social da UFG, Fernando Bartholo, explica que as cooperativas de catadores de material reciclável são regulamentadas pela lei 5.764, de 1971, que normatiza todas as cooperativas do País, mas que existe uma discussão em andamento há 10 anos no Congresso Nacional para a reforma da lei.
Bartholo esclarece também que o Fórum de Economia Solidária propõe uma nova legislação específica para a Economia Solidária, para caracterizar esses cooperativas como populares, que têm características diferentes das demais cooperativas de grande porte, formada por pessoas que já têm capital e estrutura.
A expectativa, segundo o coordenador, é que num futuro próximo, com o surgimento de uma legislação específica para as cooperativas populares, o processo de registro, contabilidade, enfim, toda a parte fiscal possa ser simplificada.
Bartholo enfatiza que o Programa Incubadora Social não se restringe só ao projeto de cooperativas de catadores de material reciclável. "Este foi o primeiro, mas serão desenvolvidos projetos com outros grupos de áreas diferentes, como a agricultura familiar e de assentamentos." E completa que já existe também um trabalho inicial com um grupo de bordadeiras, no Setor Caiçara, que hoje já se transformou em cooperativa.