Jornal OPÇÃO - Candidatos denunciam apadrinhamento em mestrado da Facomb
Por Andréia Bahia
O artigo da jornalista Nadia Timm “Mistérios do Mestrado da Facomb (Faculdade de Comunicação e Biblioteconomia, da Universidade Federal de Goiás)”, publicado na edição anterior do Jornal Opção, repercutiu mal na UFG. Ela denuncia em seu texto suposto favorecimento a candidatos e a falta de transparência no processo de seleção. A jornalista conta que o resultado das provas de língua estrangeira e teórica foi apresentado dois dias depois da aplicação das avaliações sem que a nota e classificação dos concorrentes às vagas fossem divulgadas. “Quantos inscritos? Quantos passaram? Quais foram as notas? Quem corrigiu? Segredo. Mistério. Só o interessado tem acesso à sua nota.” A jornalista questiona também a entrevista, ou arguição oral, que era referente à vida pessoal e não ao projeto de pesquisa. “Percebi que webjornalismo, o jornalismo do presente e do futuro, não interessavam”, diz Nádia Timm no artigo.
Por meio de um comunicado público — veja na íntegra na página seguinte — encaminhado à jornalista e ao Jornal Opção, a coordenadora do programa de Pós-Graduação em Comunicação, professora Ana Carolina Pessoa Temer, e o diretor da Facomb, professor Magno Medeiros, contestam as acusações. Em entrevista ao Jornal Opção, Magno Medeiros admite que a carta de Nádia Timm atingiu a instituição e arranhou a imagem do programa de pós-graduação da Facomb porque “possui informações difamatórias, inverídicas e que não condizem com a realidade”.
Todavia, surgiram outros candidatos insatisfeitos com o processo de seleção da Facomb. É caso de Fernando Ferreira, jornalista formado pela UnB em 1992 e especializado em Filosofia Política pela UFPR. Ele também não teve acesso à nota que obteve nas provas nem à classificação no processo seletivo. “É divulgada a lista de admitidos ao curso de mestrado pela internet e quem não está nesta lista pode se considerar descartado. Não existe preocupação da direção do mestrado em divulgar nota e classificação e eu desconheço que haja uma classificação nesses termos.”
Fernando Ferreira chegou a ser entrevistado por três professores que coordenam o mestrado e não teria sido aprovado porque o projeto foi classificado por um dos professores como “horrível”. O adjetivo foi escrito a lápis em uma das três cópias que os candidatos têm que anexar ao processo de seleção. Em outra cópia, o professor avaliou que o assunto não tinha a ver com o interesse do mestrado.
O projeto de pesquisa de Fernando Ferreira propunha o uso da comunicação como ferramenta de “empoderamento” ou “empowerment” de comunidades locais, com o objetivo de implantar consórcios públicos de saneamento e abastecimento de água potável em municípios carentes. Segundo Fernando Ferreira, tem como fonte uma ideia apoiada pelo Ministério das Cidades e pela ONU, para quem ele trabalhou como consultor de comunicação no processo de consolidação do Consórcio Intermunicipal de Saneamento do sul do Piauí, em 2007.
Ele propunha, em seu projeto, melhorar o modelo para que pudesse ser aplicado na região dos municípios que integram a Bacia do Ribeirão João Leite. “Minha proposta de estudo tem garantia de aplicação prática do conhecimento e propõe melhorar a qualidade de vida das pessoas. Essa é a função da academia: ouvir e pensar soluções.” Ele considera a Facomb um lugar distante, dominado por “pseudointelectuais”, cuja produção acadêmica é voltada para questões acima da compreensão do povo e suas preocupações de rotina: educação, trabalho, saúde, saneamento básico, comunicação.
Para o jornalista, a entrevista a qual foi submetido é incompatível com a qualificação acadêmica dos professores. “Eles se comportaram como moleques ao desclassificar como ‘inapropriada’ e ‘horrível’ a proposta de estudo de um profissional de comunicação com passagens por quatro jornais, diversas assessorias de imprensa patronais e de servidores públicos, além de empresas multinacionais e órgãos de cooperação internacional da ONU.”
Na avaliação do jornalista, o processo de seleção da Facomb é muito mais subjetivo do que objetivo. “No Brasil, as universidades públicas se tornaram feudos não democráticos, onde há reis e rainhas que formam uma corte de intelectuais ocupados em problemas e questões tão específicos de suas áreas de conhecimento que se perdem da realidade a sua volta. Isso provoca um ostracismo muito grande, o que gera uma visão platônica da realidade, no sentido de que a visão de dentro da instituição para fora é distorcida e vice-versa, avalia.”
Segundo ele, a sociedade vê a universidade como centro de fomento do conhecimento, enquanto a universidade vê a sociedade como desorganizada e caótica. “O resultado disso é que a produção acadêmica, especialmente nas áreas de humanas e ciências sociais, acaba sendo prejudicada por preconceitos, reprodução de status quo, sentimento de culpa e, fundamentalmente, falta de processos de gestão democrática, que não permitem que as críticas sejam objeto de apuração dentro da academia.” Há, na opinião do jornalista, um silêncio total sobre o que não é agradável ao meio acadêmico. “Ali se exercita a crítica, mas jamais a autocrítica.”
Outra jornalista, Denise Duarte, que tem 20 anos de profissão, passou na seleção para o mestrado da UnB — somente não fez o curso dada a dificuldade de morar e trabalhar em Goiânia —, também reclama da falta de transparência no sistema de acesso ao mestrado da Facomb. Interessada em dar início à carreira acadêmica, Denise decidiu tentar o mestrado acreditando que a experiência profissional seria uma vantagem. “Poderia aliar a docência com a experiência, o que falta a muitos professores que não têm a prática porque não chegaram a atuar no mercado.”
Denise Duarte não sabe em que fase do processo foi desclassificada e tem dúvidas se seu projeto chegou a ser lido pelos avaliadores. “Até hoje não sei se meu projeto está ou não na linha de pesquisa proposta pela Facomb ou se foi na prova que fui reprovada.” Enquanto na UnB apenas os candidatos que têm o projeto aprovado passam para a próxima fase do processo, na Facomb os inscritos fazem grande parte da seleção para, no final, serem reprovados pela falta de adequação do projeto, que também poderia ser ajustado durante o curso.
Denise Duarte reclama que não conseguiu nem ao menos conhecer a linhas de pesquisa da Facomb para poder desenvolver um projeto mais próximo do que a faculdade propunha porque no site da unidade há apenas uma dissertação do ano de 2008 publicada. “Nós que estamos fora da academia não sabemos como atender os pré-requisitos e a impressão que tenho é que os alunos da graduação acabam favorecidos porque já estão dentro da faculdade.”
O professor Magno Medeiros nega o favorecimento a alunos da graduação em detrimento de pessoas de fora da faculdade. “Grande parte dos alunos aprovados veio de fora, veio do Tocantins, cuja passagem pela universidade inexiste, no Nordeste e de vários Estados brasileiros que não tiveram interação com o corpo docente, que não foram orientandos, que não foram alunos desses professores.” O mestre não soube dizer quantos são de fora. Ele garante que o processo seletivo é isento porque a prova não é identificada e o examinador recebe a prova sem a identificação do candidato. A avaliação é corrigida por dois professores do programa de pós-graduação. “Não tem como ele favorecer A, B ou C porque não sabe quem é o candidato.” Em caso de disparidade de notas, um terceiro professor corrige a prova, explica o diretor.
Magno Medeiros afirma que os professores do mestrado são orientados a não trabalhar em pré-projetos, nem mesmo “dar uma olhadinha”. “Por uma questão ética, a gente não pré-orienta trabalho que vá se candidatar ao processo seletivo.” O diretor nega também fala de transparência denunciada pelos reprovados. “A nota está disponível na secretaria do mestrado, qualquer pessoa pode ter acesso. Inclusive pessoa fora do programa.” Ele diz que as pessoas que não tiveram acesso às notas não procuraram porque a secretaria não envia a nota ao aluno.
Em relação ao nível de pessoalidade da entrevista, Magno Medeiros diz que não há entrevista, mas arguição oral na qual o candidato faz a defesa da pertinência do projeto de pesquisa para o avanço da ciência. Ele admite que o professor pode perguntar ao candidato se ele tem filho, como relata Nádia Timm. “De maneira complementar, a banca avalia o grau de disponibilidade do candidato e as perguntas relativas à outras atividades fazem parte de uma tentativa do programa de dimensionar a possibilidade de o candidato se dedicar de maneira integral e exclusiva ao projeto.”
Especialização
Não são apenas candidatos ao mestrado que reclamam da falta de transparência da Facomb. Ana Helena Borges, formada em Audiovisual na Universidade Estadual de Goiás (UEG) em 2010 e que trabalha como consultora de comunicação e marketing, também participou de um processo de seleção na faculdade para o curso de especialização em Assessoria de Imprensa em fevereiro deste ano. Pagou 45 reais pela inscrição e concorreu a uma das 40 vagas com mais de 150 candidatos.
O processo consistia em uma prova de conhecimento e avaliação de currículo. Segundo Ana Helena, em menos de uma semana saiu a lista de aprovados, mas sem o resultado da prova ou a classificação dos candidatos. A consultora procurou a secretaria para saber o resultado da prova, uma vez que o gabarito fora divulgado e ela acreditava que havia se saído muito bem na avaliação, apesar de proibida de levar a prova ou fazer qualquer tipo de anotação. Ficou sabendo que a faculdade não era obrigada a divulgar o resultado da prova porque o edital previa apenas que se publicasse a lista dos aprovados. Como não conseguiu saber a nota, Ana Helena consultou o Ministério Público sobre a metodologia da Facomb e ficou sabendo que todo concurso público tem que divulgar o resultado e a classificação.
A mesma situação passou Marcéli Faleiros, também graduada do curso de Audiovisual da UEG e produtora da TV Brasil Central. Ela participou da seleção para a especialização em Assessoria de Imprensa e estranhou a publicação apenas da lista de aprovados. Ao entrar em contato com a faculdade para saber da nota, lhe pediram para falar com a coordenadora do curso por e-mail. A coordenadora respondeu “secamente” que ela havia tirado 6,0 e que a nota para se classificar era 7,0. Como a nota era composta por prova e avaliação de currículo, até hoje ela não sabe a que se refere o 6,0. “Será que eles acham que a gente vai acreditar que não tem nada por trás disso?”, questiona Marcéli.
Na opinião do diretor da Facomb, os testemunhos dos reprovados nos processos de seleção da Facomb são “falsos”. “Partem de um grupo de pessoas que, talvez por terem sido reprovados, começaram a questionar e o questionamento acabou viajando pelo campo das hipóteses.” Ele afirma que não há nenhum fato concreto que desabone a lisura do mestrado e reclama do “nível” do texto. “Fala em falta de ética, a gente sempre trabalhou com posição ética afinada e é questão de honra para a instituição não ter apadrinhamento, vaidade pessoal; as denúncias não apresentam provas e parecem uma indignação vazia de quem foi reprovado.”
Nadia Timm, jornalista com 30 anos de experiência, formada em 1981 pela instituição, não foi convencida pela resposta recebida da direção da Facomb e continua cobrando mais transparência da instituição. “Não falo como jornalista, mas como cidadã e uma das donas da instituição, uma vez que ela é mantida com os impostos pagos pela sociedade.” Ela conta que, depois de muito insistir, a nota da prova lhe foi entregue em um pedaço de papel, que ela ainda guarda como prova. Na secretaria, a jornalista conta, lhe informaram que não divulgam as notas e classificação dos candidatos para não constranger os professores que participam do processo.