Universitários precoces

Estudantes driblam a Lei de Diretrizes e Bases da Educação e ingressam em faculdades antes de concluir ensino médio


10 de Abril de 2011 | Por: Vinícius Braga
da editoria de cidades


A lei é clara: só podem ingressar em universidades alunos que concluíram o ensino médio. Contudo, Goiânia conta com vários casos de adolescentes que conseguem brechas na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB). Eles prestam vestibular quando ainda estão no segundo ou terceiro ano do ensino médio, e uma vez aprovados, recorrem a processos judiciais para pleitear o direito de ingressar em cursos superiores.
Apesar de o edital exigir a apresentação do certificado de conclusão do ensino médio, a Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO) recebeu este ano 54 alunos que ainda não haviam terminado o colégio. No segundo semestre de 2010, 146 conseguiram se matricular por meio de liminares (ordens judiciais).
O pesquisador institucional da PUC-GO, Darle Alexandro Pessoa, ressalta que logo no momento da inscrição o candidato deve informar se já concluiu o ensino médio ou se vai participar do processo seletivo como treineiro (categoria para alunos que prestam vestibular sem concorrer a vagas). “Muitos estudantes afirmam que terminaram o colégio mesmo estando no segundo ou terceiro ano. Se aprovados, entram com liminares e conseguem ingressar na universidade.” Darle informa que os alunos que se afirmam como treineiros podem aproveitar a pontuação alcançada no vestibular para tentar a vaga normalmente quando estiverem no final do ensino médio.
DIVERGÊNCIAS
A recém-formada Renata Lobo, 22, prestou vestibular na instituição ainda no terceiro ano para Direito e foi aprovada com apenas 16 anos. Ela contratou um advogado e conseguiu a liminar na Justiça. Além disso, fez uma prova de capacitação da Secretaria de Educação do Estado e ingressou na universidade. Apesar de ter concluído o curso sem dificuldades, ela se diz arrependida pela decisão tomada há anos atrás. “Meu conselho a todos aqueles que querem tomar a mesma iniciativa é que não vale a pena. Eu pulei uma fase importante da minha vida: o terceiro ano. Poderia ter aproveitado mais aquele momento”, analisa.
O advogado Sérgio Murilo Inocente Messias trabalha com este tipo de ação e até hoje conseguiu ganhar cerca de 30 casos. Ele destaca que a maioria de seus clientes é estudante que está no segundo ano colegial e tem 16 ou 17 anos. Para Sérgio, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional está ultrapassada e a considera um obstáculo ao progresso do aluno. “A questão é que a maioria dos colégios aplica os três anos do ensino médio nos dois primeiros. O terceiro fica por conta de revisões. Então, nada mais justo que conceder liminares no segundo ano, já que o aluno tem capacidade suficiente para encarar uma faculdade.”
Juiz da 10ª Vara Cível de Goiânia, Jair Xavier Ferro já concedeu várias liminares a estudantes que estejam pelo menos na metade do terceiro ano. De acordo com ele, a Lei de Diretrizes e Bases permite brechas que dão este direito. “Se passou, é porque o estudante tem potencial para cursar. O Poder Judiciário não pode impedi-lo de progredir na educação.” Jair reitera que o maior número de ações concedidas são destinadas a alunos da área de Humanas. Para ele, áreas biológicas e exatas são mais complexas e requerem maior capacitação. De todos os casos, o juiz só concedeu uma liminar a favor para o curso de Medicina, já que a adolescente estava no último semestre.

DIFICULDADES
Diferente da Pontifícia Universidade Católica de Goiás, a Universidade Federal de Goiás (UFG) afirma que não aceita o ingresso de alunos sem o certificado de conclusão do ensino médio. De acordo com a pró-reitora de graduação da UFG, Sandramara Matias, este processo está em desacordo com as regras da instituição. A universidade adota em seu sistema de inscrição de vestibular o mesmo da PUC-GO. É perguntando ao aluno se este deseja participar do processo seletivo tradicional ou como treineiro. Muitos omitem informações e participam do vestibular propriamente dito. Depois de aprovado, é obrigatório apresentar no dia da matrícula certificado de ensino médio ou histórico escolar. Segundo a pró-reitora, sem estes documentos, o estudante é impossibilitado de matricular-se. Contudo, se ele conseguir de alguma forma o certificado até o dia da matrícula, passa a se encaixar nas normas exigidas pela universidade.
Sandramara ressalta que antes a universidade era mais tolerável e permitia a inclusão de alunos mediante a apresentação de liminares. Contudo, hoje o processo é mais burocrático e as regras são mais rígidas. Ela afirma que este ano foram indeferidas quatro ações judiciais de alunos que ainda não haviam terminado o ensino médio. Apenas uma foi deferida, porém, a UFG entrou com advogados de defesa para cessar a decisão judicial. “Do ponto de vista pedagógico é imprescindível que o aluno passe por todas as etapas de ensino. Além disso, tem-se a questão emocional. Para entrar numa universidade é preciso ter maturidade suficiente, já que o adolescente faz uma escolha que pode durar a vida toda. Um estudante de 16 anos é muito novo para tomar tal decisão”, opina.

Exatas
O estudante de Engenharia Civil Marcos Vinicius Padovani Guerra, 20, foi um dos que conseguiram liminar judicial para ingressar na instituição. Ele prestou vestibular na UFG ainda no segundo ano e foi aprovado em Engenharia. Na época, o advogado Sérgio Murilo o defendeu e ganhou a ação. Marcos Vinicius acredita que, comprovado pelo vestibular o potencial para cursar o ensino superior, o aluno não deve perder tempo. Hoje, está no 9º período e faz uma avaliação do que passou. “Foi uma experiência ótima. Fiz intercâmbio em Portugal e aproveitei bem todo esse tempo em que estive na faculdade.”
O projeto de Lei 6.834/10, do deputado Sebastião Bala Rocha (PDT-AP), em tramitação na Câmara Federal, pretende alterar a lei. Segundo ele, a proibição da matrícula é injusta, visto que o aluno mostrou possuir conhecimento para entrar no ensino superior. A proposta ainda será analisada pelas comissões de Educação e Cultura, Constituição e Justiça e Cidadania para entrar em vigor.