Concurso ou avaliação?

Raphaela Ferro

Proposta de prova nacional para docentes confunde profissionais da área. Ministério da Educação reafirma que teste será usado exclusivamente para concursos

Prova, exame, ranking ou cadastro de professores? A discussão já está pautada no âmbito do Ministério da Educação, mas ainda existem mais dúvidas do que esclarecimentos a respeito do assunto. Questões que, aos poucos, já começam a encontrar respostas.
A Prova Nacional de Concurso para o Ingresso na Carreira Docente foi normatizada em portaria publicada no Diário Oficial da União no dia 3 de março. Antes disso, em 2010, o MEC havia divulgado outra portaria que instituía o Exame Nacional de Ingresso na Carreira Docente.
Sim, são a mesma coisa! É o que explica a coordenadora geral de Instrumentos e Medidas Educacionais do Instituto Nacional de Pesquisas e Estudos e Educacionais (Inep), Gabriela Moriconi. A mudança no nome ocorreu para atender a solicitação de entidades ligadas ao assunto.
"No universo educacional, exames remetem muito à certificação, no qual é colocada uma nota de corte e indicada, se há ou não, a competência de um candidato para o exercício da profissão, certificado ou não. Não é o caso dessa prova e nunca foi", ressalta. O pedido foi aceito e o nome alterado.
A proposta é que a prova funcione como concurso público. "Os Estados e municípios são livres para aderir ou não, assim como o professor. Agora, se o candidato ao Magistério quiser ingressar em uma das redes que tiver aderido à prova, terá que fazê-la", diz Gabriela.
Ela reforça: "É só para o ingresso na carreira e não para quem já está nela. Não vai ter ranking nacional nem lista de quem é melhor professor. Cada rede vai receber apenas a relação de quem se inscreveu no seu concurso".
Esse receio poderia ter sido evitado. Bastaria ter consultado antes as entidades ligadas à Educação. As mesmas que solicitaram a alteração do nome da prova. Contudo, para alguns a confusão permanece. Inclusive dentro do próprio MEC.
Confusão dentro do próprio MEC
Após solicitação da reportagem do caderno Escola, a assessoria de Comu­nicação do Ministério da Educa­ção encaminhou e-mail com a seguinte identificação: "Releases Exame Nacional do Professor".
Um problema interno que precisa ser resolvido, já que a resistência dos professores surgiu justamente por conta da denominação. "O receio existe porque foi divulgado que era um exame nacional voltado para os professores que já estão atuando. Ele refletia a portaria anterior. Os objetivos presentes na proposta levavam a esse entendimento dúbio", justifica o secretário de Assuntos Educacionais da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), Heleno Araújo.
Ele enfatiza que o texto da nova portaria não gera dúvidas. "A prova será adotada exclusivamente para ingresso na carreira. Não podemos dizer que seja um concurso público, porque não cabe à União fazer isso". Seria, então, um instrumento para que as unidades federadas façam seus próprios concursos.
Se funcionar dessa forma, a prova contará com a aprovação da presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Estado de Goiás (Sintego), Iêda Leal. Ela afirma que a resistência inicial é normal, já que tudo que é desconhecido causa insegurança.
A sindicalista acredita que a prova não será um problema porque a participação dos professores é espontânea e terá o simples objetivo de gerar um Cadastro Nacional de Trabalhadores.
Ferramenta de qualificação
O conselheiro do movimento Todos pela Educação, Mozart Neves Ramos, vai mais além. Ele acredita que a prova poderá ser também um instrumento no processo de qualificação do professor.  "Eu só vejo sentido nessa proposta do MEC se houver, de fato, a perspectiva de articular uma carreira nacional diferenciada", avalia.
Ramos destaca que o regime de colaboração entre a União, os Estados ou municípios deve ser potencializado para garantir uma carreira melhor para o professor. Para Araújo, da CNTE, pelo menos um problema da carreira poderia ser resolvido: a falta de concursados.
"Nas nossas negociações com prefeitos e governadores muitos alegam que não fazem concurso público por causa dos custos. Agora, eles poderão abrir as inscrições e utilizarem esse modelo que já está pronto".
Mesmo apostando nessa possibilidade, o secretário da CNTE não acredita que os municípios e Estados que não realizam concursos públicos possam se interessar pela adesão à Prova Nacional. Pelo contrário. Para ele, quem já faz concurso pode até ter mais interesse "porque terá economia de recursos e poderá aplicá-los em outra área da Educação".
O mesmo, segundo ele, não aconteceria nas cidades ou Estados onde os concursos são raros. "A maioria não faz não é por causa da falta de dinheiro, mas por falta de vergonha. Eles preferem as contratações temporárias do que um quadro de pessoal efetivo. E essa maioria de que falo, não vai procurar".
A responsabilidade do Inep
Em seu site, o MEC apresenta a prova dos docentes como item com qualidade garantida pelo Inep/MEC. Contudo, permanece a desconfiança gerada pelos sucessivos erros na aplicação das provas do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) nos últimos anos.
Ramos, do Todos pela Educação, defende que não se pode considerar o Inep ineficaz somente por causa dos atropelos que marcaram a recente história do Enem. "O Inep já aplicou a Prova Brasil, o Enade (Exame Nacional de Desempenho de Estudantes), o Saeb (Sistema de Avaliação da Educação Básica) e outros exames com tranquilidade e muita qualidade".
Ele enfatiza que a prova dos professores deve, sim, ser realizada pelo instituto. Para os que pensam o contrário, Gabriela Moriconi, do MEC, tem um bom argumento. "O Inep está se estruturando tanto para o Enem quanto para os outros exames, incluindo esta prova. O objetivo é realmente melhorar os processos de aplicação. Essa avaliação entra nesse cuidado que está sendo tomado com todas as provas sob a responsabilidade do órgão".

Impacto regional
Logo após a publicação da portaria que instituiu a Prova Nacional de Concurso para o Ingresso na Carreira Docente, o ministro da Educação, Fernando Haddad, participou de audiência pública na Comissão de Educação da Câmara dos Deputados.
Na ocasião, ele afirmou que as provas de concurso, em geral, são mal elaboradas. "Elas não definem claramente qual é o perfil do bom professor. Nosso trabalho agora é legitimar uma matriz de referência que possa ser usada, inclusive, por aqueles que  não queiram se valer da prova nacional", considerou.
Haddad ainda completou que as provas atuais cobram do docente mais sobre legislação educacional do que sobre o trabalho em sala de aula. Para Iêda Leal, presidente do Sintego, as declarações do ministro demonstram desconhecimento. "Sempre que há problemas nos concursos aqui, nós buscamos a Justiça, acompanhamos de perto. Mas o que ocorre é só o normal de concursos mesmo!". Iêda critica a postura do ministro. "Para criar uma situação positiva não é preciso dizer que o outro não sabe fazer ou faz mal."
Apoio técnico-pedagógico da Secretaria Municipal de Educação (SME), Isa Maria Braga lembra que, em Goiânia, quem realiza os concursos públicos da Secretaria é a Universidade Federal de Goiás (UFG). "Em nível nacional há uma grande quantidade de concursos que é criticada e diversas ações de anulação... Sempre que falarmos sobre avaliação haverá questionamentos a esse respeito".
Na opinião de Isa, a discussão sobre a Prova Nacional de Ingresso na Carreira Docente é muito recente e por isso ainda não é possível prever modificações nos concursos regionais. Ela comenta ainda que qualquer posicionamento da SME só será definido após a reunião da Undime (União Nacional dos Dirigentes Municipais da Educação), na qual a proposta será oficialmente apresentada aos secretários municipais. "Eu penso que, a partir do momento em que isso for divulgado, a secretária [Neyde Aparecida] vai se posicionar".
Na Secretaria Estadual da Educação (Seduc), a assessoria de imprensa afirmou não ter conhecimento da prova. E o assunto morreu por aí, pois até o fechamento desta edição, o órgão não havia entrado em contato com a reportagem para dar o seu parecer sobre a Prova Nacional.
Prova afetará também as universidades
As instituições de Ensino Superior também serão impactadas pela Prova Nacional, mesmo não sendo essa a intenção. "Nós não queremos que a prova se torne uma referência para a formação dos professores. Ela tem que servir como um instrumento de concurso público", enfatiza o secretário da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), Heleno Araújo.
Isa Maria Braga, apoio técnico-pedagógico da SME, afirma que esse tipo de avaliação proporciona uma discussão sobre a formação do professor que alcança, claro, as universidades. "É fato que as universidades têm feito alterações em suas matrizes. Não é só por causa dessa prova, já tem um trabalho em desenvolvimento, mas acho que a prova pode ajudar a repensar isso".
O professor de Políticas Educacionais de Educação da Universidade Federal de Goiás (UFG), Luís Gustavo Alexandre da Silva, concorda que o processo de avaliação vai incidir sobre o currículo acadêmico. Para ele, as faculdades começarão a moldar seus currículos a partir do que a avaliação exigir.
Silva comenta que a prova é mais uma forma de transferir a responsabilidade da qualidade do ensino para o professor, desconsiderando os elementos estruturais da Educação. "Do ponto de vista da qualidade do ensino, a longo prazo, haverá poucas mudanças efetivas".
O professor avalia a realização da prova como uma iniciativa ineficiente. No seu entendimento, o que deveria ser feito é aumentar o controle e a fiscalização sobre os cursos, melhorar as condições salariais e de valorização dos professores e oferecer um processo contínuo e permanente de assistência didático-pedagógico dentro da escola.
Dê a sua opinião!
De nome pomposo, a Prova Nacional de Concurso para o Ingresso na Carreira Docente será realizada pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep) anualmente, a partir de 2012.
Inicialmente será voltada apenas para os professores da Educação Infantil e da primeira fase do Ensino Fundamental. Até o momento o que há de concreto é somente uma proposta de matriz de referência.
Gabriela Moriconi, do Inep, destaca que a proposta está disponível no site do MEC. Sugestões, críticas e recomendações sobre o documento podem ser enviadas até o dia 29 de abril.