Negócio com China é bom pra Goiás
Negócio com China é bom para Goiás
Representantes do Estado e especialistas consideram importante para Goiás investimentos de R$ 12,2 bilhões, que serão aplicados principalmente em infraestrutura
Fotos: Fernando Leite/Jornal Opção
José Mário Schreiner, presidente da Faeg: “Este projeto chinês implica infraestrutura, aumento da produção, melhoria do solo, calagem”
Márcia Abreu
A exemplo de outros cinco Estados brasileiros — Bahia, Mato Grosso, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Tocantins —, Goiás é alvo de interesse do maior importador de soja do mundo, a China. Há quatro anos, o país asiático iniciou um trabalho de investimento pesado em solo brasileiro a fim de garantir sua presença na cadeia produtiva de soja e, com isso, o seu abastecimento, cuja demanda é grande.
Depois de adquirir hectares no Rio Grande do Sul e no Tocantins (e de ver endurecida as regras para vendas de terras a empresas estrangeiras), a China planeja investir bilhões na produção de soja goiana. O primeiro contato com o governo do Estado aconteceu há cerca de dois anos. O último em menos de duas semanas. O contrato, caso seja efetivado, será bom para Goiás. No entanto, há algumas ressalvas.
A China planeja investir R$ 12,2 bilhões na agricultura e infraestrutura do Estado nos próximos dez anos. A finalidade é garantir a compra direta de 6 milhões de toneladas de soja a cada 12 meses. A quantidade é pouco menor que a total produzida no Estado (7,8 milhões), segundo dados da Secretaria de Agricultura, Pecuária e Irrigação de Goiás (Seagro). Sendo assim, produtores terão que trabalhar dobrado.
As regiões a serem exploradas serão a Norte e Nordeste. Tratam-se de áreas com pastagens degradadas, propícias à produção de soja, com climas e solos precisos. As cidades ainda não foram definidas — depende do interesse de cada produtor —, mas entre as que têm condição de produzir a soja que a China tanto almeja estão Porangatu, Uruaçu, Padre Bernardo, Jaraguá, Barro Alto, São Miguel do Araguaia, Mundo Novo, Bonópolis, Nova Crixás e Niquelândia.
Neste último contato com o governo estadual, com empresários goianos e demais autoridades ligadas à agricultura e pecuária local, a estatal chinesa Sanhe Hopefull, que é quem investirá em Goiás, reforçou o interesse em levar a soja que será produzida localmente para a China in natura, isto é, sem processo de industrialização, e o desejo de iniciar o trabalho já na próxima safra agrícola. Esta é a ressalva e a única parte negativa do contrato. Para Goiás, é mais interessante o Estado agregar valor à soja aqui mesmo, transformando-a em alimentos, como fa relo, milho, óleo ou carne (via ração para animais).
Todavia, mesmo que a China invista somente na produção de soja o contrato não deixa de ser positivo. Goiás ganha de qualquer jeito. Primeiro porque o negócio firmado (se se efetivar) entre os dois países injeta dinheiro ao caixa do Estado; depois porque movimenta o Produto Interno Bruto (PIB) de Goiás, melhora a renda da agricultura, dinamiza o mercado de fatores e produtos e recupera as rodovias goianas (com os investimentos em infraestrutura que os chineses prometem). Há ainda a geração de novos empregos com a demanda da mão de obra.
Secretário de Agricultura, Pecuária e Irrigação de Goiás (Seagro), Antônio Flávio Camilo de Lima avalia que o negócio entre os dois países é importante para o Estado devido à tamanha envergadura. “É bom para Goiás. O investimento não será apenas na produção de soja, mas também nas rodovias porque o Estado precisa dessa infraestrutura para atender um negócio deste porte”, diz.
De acordo com Antônio Flávio, o Estado defende a industrialização da soja em solo brasileiro, mas a decisão só será tomada depois que as discussões forem aprofundadas em um segundo encontro com o governador Marconi Perillo (PSDB), previsto para ainda este mês. “O interesse da china é importar a soja goiana in natura. Porém, ainda não se sabe se ela só fecha negócio assim ou se a aceita beneficiada.”
Antônio Flávio diz que o martelo será batido pelo governo do Estado, por meio da Seagro; empresários também opinarão. Os produtores que acharem a proposta interessante aderirão ao negócio. Ainda de acordo com o secretário, os 6 milhões de toneladas propostos pela China não serão produzidos no primeiro ano. “Serão necessários pelo menos dois anos para que os produtores peguem o ritmo e consigam produzir todo o combinado.”
Para o presidente da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Goiás (Faeg), José Mário Schreiner, o fator que determina a agricultura é o investimento, por isso ele vê “com bons olhos” a parceria entre China e Goiás. “Este projeto chinês implica infraestrutura, aumento da produção, melhoria do solo, calagem (preparação do solo)”, diz.
Schreiner explica que hoje o crescimento é um limitante na produção. Primeiro devido à restrição que as empresas produtoras encontram no limite de crédito; depois porque, segundo ele, os limites de crédito estão esgotados com o sistema que há no Brasil. O resultado são saldos não compatíveis com o esforço do produtor. Por isso, ele diz, Goiás tem de atentar para a proposta que tem em mãos. Segundo o presidente da Faeg, o Estado tem capacidade para aumentar sua produção, chegando a um total de 13 milhões de toneladas anualmente e 4 milhões em hectares de agricultura.
“Hoje Goiás tem 15 milhões de hectares em pastagem artificiais e 5 milhões de pastagens naturais, o que resulta em 20 milhões de hectares dos quais grande parte está degradada. A China quer levar o grão importado para ser processado em seu país, mas é preciso levar em consideração que ela quase sempre faz isso. É quase que uma cultura. É claro que o processamento de soja é bom para agregar valor. Mas ele não é final. Há indústrias em Goiás que hoje colocam, por exemplo, 1.500 toneladas de soja na máquina, esmaga tudo e manda embora. É um processo primário, pouco tecnológico.”
Segundo Schreiner, a agregação ocorre, de fato, quando se transforma a soja em carne. Ele diz que qualquer agregação de valor é importante para Goiás. Mas pondera que ela não gera muitos empregos. “Geram alguns. Todavia, há que se ficar atento ao mercado. Se a gente não fecha esse contrato com a China eles vão buscar outros Estados. Não se pode travar. Corre-se o risco de perder a oportunidade.”
O superintendente do Sindicato e Organização das Cooperativas do Estado de Goiás (Seagri), Alécio Maróstica, acredita que a oportunidade de parceria entre China e o Estado não pode ser desperdiçada. Porém, alerta que tem de ter muita cautela. “A China pode buscar outros parceiros, como a África ou Argentina. Goiás tem potencial e nós podemos aproveitar isso para atrair outros investimentos. Temo algumas regiões desequilibradas e ofertas como essas geram expectativa de balancear. Acredito fielmente nessa empreitada. Todavia, é preciso cautela e debate com os agricultores.”
Fome
Maróstica chama a atenção para a questão da fome no mundo. Segundo ele, a Organização das Nações Unidas (ONU) quer acabar com a fome no mundo até 2015 e o Brasil, assim como os países desenvolvidos, pode contribuir com isso aumentando a produção de alimentos que será importada. “O Brasil tem mais de 100 milhões de hectares para produção alimentar. Portanto, pode ajudar no combate à fome.”
O presidente da Sociedade Goiana de Pecuária e Agricultura (SGPA), Ricardo Yano, vê o interesse da China de investir em Goiás como mais um negócio. Para ele, o Estado tem potencial para produzir as toneladas necessárias sem aumentar a área reservada para isso. Ricardo defende que é preciso receber os chineses de novo. “Vamos analisar e ver o que é melhor para Goiás e para o produtor. O fato de estarmos negociando com a China não quer dizer que este seja um negócio da China. É um negócio com os chineses”, diz.
Ricardo Yano é a favor da industrialização da soja em solo goiano. “Penso que a gente tem de agregar valor. E para agregar valor teríamos de industrializar o produto. Tudo vai depender da proposta. Além do governo, empresários e produtores de pequeno, médio e grande porte poderão participar do segundo encontro que teremos com os chineses.”
Parceria aumenta e balanceia PIB goiano
Se o governo do Estado bater o martelo no negócio proposto pela China e as regiões exploradas forem as previstas, Norte e Nordeste, haverá uma mudança positiva na arrecadação do Produto Interno Bruto (PIB) goiano. Isto aconteceria porque, segundo o economista Aurélio Ricardo Troncoso Chaves, do Conselho Regional de Economia (Corecon-Go) e professor universitário, hoje o maior PIB é o da Capital, seguido pelos os das regiões Sul e Sudeste do Estado. A menor arrecadação fica por conta justamente do Norte e Nordeste goianos.
“A balança comercial goiana melhoraria muito. Produzir no Norte é muito interessante porque é uma região pobre, ao contrário do Sul e Sudoeste, que hoje são as mais ricas e maiores responsáveis pelo PIB goiano depois da Capital. O PIB da região Norte é pífio, irrisório. Essa produção lá pode gerar empregos e até levar algumas empresas para a região. Isso começa a fazer a transferência de riqueza do Estado.”
Aurélio Ricardo relata que a China tem investido no mundo inteiro e que é parceiro do governo brasileiro há alguns anos. Segundo ele, o Brasil foi o primeiro país a reconhecer a China como um mercado seguro para ser trabalhado. “Enquanto os outros paises criticavam, o Brasil deu um voto de confiança. Agora os dois têm uma relação comercial estável. Mesmo durante a crise econômica mundial a China continuou a comprar mercadoria brasileira.”
De acordo com o economista, o fato de os chineses quererem levar a soja in natura não quer dizer que o negócio seja ruim. Aurélio Ricardo diz que o Brasil tem controle sobre a situação porque é soberano a quem produz no país. Desta forma, poderia fazer com que a soja saísse mais cara do Brasil. “Isto se chama proteção à indústria nacional. Goiás tem alternativas para que a soja saia mais cara do Estado. Mas também se pararmos para analisar, Goiás tem mais de 100 produtos, no entanto só industrializa três, que são a lecitina de soja, óleo de soja e farelo de soja.”
O professor acredita que pelo fato de o Estado ter uma herança grande de commodities, a tendência é que com a soja exportada para a China não seja diferente. “Tirando estes três produtos que falei, os outros todos saem em forma de commodities. O interessante é que a cadeia seja produtiva. A China quer levar a soja como comodities porque é mais barato. Acho que Goiás só tem a ganhar com a vinda dos chineses”, opina.
Especialista cita possíveis problemas
Apesar de o contrato de R$ 12,2 bilhões na produção de soja goiana (entre a estatal Sanhe Hopefull e o Estado de Goiás) ser importante para a economia e para o desenvolvimento agropecuário do Estado, há que se tomar cuidado com alguns fatores. A PhD em Economia Rural, professora titular da Escola de Agronomia da Universidade Federal de Goiás (UFG) e ex-pesquisadora da Embrapa Sônia Milagres Teixeira cita uma lista de monitoramento da produção de soja a fim de evitar possíveis problemas.
Segundo Sônia, o maior custo social da terra são os impactos ambientais, como a exaustão dos recursos naturais, do solo, a poluição da água, substituição de vegetação nativa, perda de biodiversidade nos monocultivos mesmo que em rotação. “Nestes casos, tem-se que insistir na integração da lavoura e pecuária, em recuperação de pastagens com agricultura e no plantio direto; nada de desmatamentos.”
A professora também destaca os pontos positivos do negócio: melhoria da renda da agricultura, aumento do Produto Interno Bruto (PIB) dos municípios; dinamização dos mercados de fatores e produtos e intercâmbio de cultura que funcionaria por meio de testes das tecnologias agrícolas chinesas nos câmpus da UFG e da Universidade Estadual de Goiás (UEG), em uma parceria entre governo estadual e China.
Para Sônia Milagres, a soja levada in natura para China é um ponto negativo, apesar de esperado devido à cultura dos chineses. “A competitividade chinesa no câmbio e nos salários, sua agressividade na economia, sempre conquistando mercados, faz com que, enquanto compradora, exija produto in natura, ou seja, commodities a ser processado no seu país. Isso tem implicações sérias de logística, além de não contribuir com a geração de empregos em Goiás. O cultivo da soja totalmente mecanizado emprega mão de obra mínima no campo. Socialmente é pouco atrativa, a não ser pelo seu valor protéico e agora sendo usada na produção de biodiesel, também cultivada por agricultores familiares em pequenas áreas.”
Secretário e deputado defendem a industrialização da soja
O deputado estadual Mauro Rubem (PT) é a favor do negócio entre China e Goiás desde que a soja seja industrializada no Estado. Do contrário, não. Ele reclama que o Estado está cada vez mais vendendo commodities e que isso não é bom. De acordo com Mauro Rubem, o correto é investir no Brasil, ir em busca da transformação da economia e apoiar atividades que possam agregar valor aos produtos regionais.
“É preciso investir em pesquisas e na capacidade de produção do Estado. Porém toda e qualquer decisão deve ser apreciada também pelos pequenos produtores. Não se pode deixá-los de fora. Eles têm de ter voz.”
O deputado se diz preocupado com a economia goiana. “Esse negócio de que a China quer pegar a soja que será produzida em Goiás e exportá-la in natura, sem processo de industrialização, agrava ainda mais a situação. O Brasil e o Estado de Goiás não podem ficar cada dia mais dependentes do processo da economia, que é essa situação de depender das commodities.”
O petista é a favor de um debate com a sociedade. Ele também diz que o governo está esquecendo dos agricultores — talvez o petista esquece que entidades como Faeg e SGPA são representativas dos agricultores também. “O Estado tem de debater o assunto com os goianos, com a Assembleia Legislativa e com os agricultores, que são mais de 150 mil. O governo deveria dar atenção à reforma agrária, voltar com a Emater [Empresa Goiana de Assistência Técnica, Rural e Pesquisa Agropecuária], investir na capacidade própria e em cada agricultor goiano. Esse negócio parece que é bom, mas, ao contrário, resulta em maior dependência e até exclusão de agricultores locais, especialmente dos pequenos e médios.”
O secretário Estadual do Meio Ambiente, Leonardo Vilela (PSDB), diz que o projeto é importante para Goiás, mas que o ideal é agregar valor à soja, exportando-a como farelo, farinha ou óleo. Para ele, o Estado tem potencial para produzir os milhões de toneladas de soja solicitadas. Basta investir pesado em energia elétrica, infraestrutura, dobrar as capacidades de armazenamento, secadores e se atentar para a questão ambiental.
“Não tenho conhecimento profundo sobre o projeto apresentado pela China. Mas de forma geral, posso dizer que é um bom negócio tanto do ponto de vista econômico quanto do social. Naturalmente, é necessário cumprir a legislação ambiental e fazer o processo em cima das pastagens. Hoje, 90% das pastagens estão com erosão. Outro fator interessante é a Ferrovia Norte-Sul, que pode ser uma boa ferramenta para ajudar no transporte e no escoamento do produto”, diz o secretário.
A reportagem tentou contato com o deputado federal Ronaldo Caiado (DEM) durante toda a semana. Em algumas ligações, ele atendia e pedia para retornar mais tarde. Sua assessoria também foi procurada, mas não intermediou contato. O Jornal Opção tentou entrevista com o vereador Fábio Tokarski (PCdoB). A pedido de sua assessoria, as perguntas foram encaminhadas por e-mail na quarta-feira, 6, mas não foram respondidas até o fechamento desta edição. O deputado federal Rubens Otoni (PT) também foi procurado, mas não foi localizado.
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