Autonomia na ponta da agulha
Cooperativa de bordadeiras do Conjunto Caiçara promove renda e cidadania para mulheres que nunca trabalharam fora
Leydiane Alves
Da editoria força livre
Com a intenção de promover a inclusão de mulheres e oferecer oportunidades de trabalho, foi criada em 2009 a Cooperativa Bordana. A entidade faz parte do Instituto Ana Carol (IAC), e pretende se consolidar no mercado, tornando-se uma referência em bordados. A cooperativa conta com o trabalho de 38 mulheres, algumas delas são donas de casa e nunca tiveram a chance de trabalhar fora. Com a Bordana o sonho de ter uma profissão foi alcançado e valorizado por essas mulheres.
Segundo Celma Grace, fundadora e presidente do IAC, a maioria das bordadeiras não conseguiu se inserir no mercado de trabalho pela falta de capacitação ou idade avançada. “Se o mercado não quer essas pessoas, nós queremos. Porque aqui elas são mãos de obra que ajudam essa cooperativa a dar certo.” Antes de se tornar Instituto Ana Carol, a entidade, que na época era um núcleo, fazia parte do Centro Popular da Mulher. A instituição primava pela educação em saúde de jovens e mulheres, e principalmente o combate à violência doméstica. As palestras eram voltadas para a orientação de mulheres que sofriam agressões dentro de casa. De acordo com Celma, a ideia de criar uma cooperativa voltada para mulheres surgiu parcialmente dessa dificuldade em que muitas encontram em sair de casa. “Não adiantava orientar essas pessoas, era preciso dar oportunidade e autonomia. O IAC trabalha com a perspectiva de gerar renda e melhorar a autoestima delas.
Cerrado
Os produtos feitos pelas bordadeiras são peças inovadoras, inspiradas pelo bioma cerrado. Segundo a presidente, essa é uma maneira de conscientizar e mostrar para a população a riqueza que existe nesse bioma. “Reproduzir o cerrado é uma maneira de contribuir com a preservação.” A entidade conta com o trabalho de uma designer que cria todos os desenhos que serão bordados. Silvênia Helmar de Souza explica que, para a produção dos traçados, ela faz pesquisas em livros, internet e revistas. “Além da minha experiência de vida, já que fui criada no meio do cerrado, faço um estudo bem profundo das folhas, para que os desenhos sejam os mais fiéis possíveis”. Os produtos confeccionados pelas bordadeiras podem ser vistos no blog da entidade: www.coopbordana.blogspot.com.
A cooperativa já participou de vários eventos, mas o grande objetivo é fazer parte da feira do cerrado, onde o trabalho artesanal é valorizado. Celma explica que as peças produzida pela Bordana são cheias de valores, porque ali está um bordado de uma pessoa que se recuperou de uma depressão ou algo parecido. “Não é só o valor financeiro. Tem toda uma história por trás daquele bordado. Tem sentimento, tem vida."
Perda
Explicar de fato como surgiu o Instituto Ana Carol é um desafio, onde as palavras dor e superação caminham lado a lado. Depois de perder a filha de 10 anos de idade para uma doença terrível, Celma Grace se viu diante de uma dor imensa e irreparável. “Não sabia o que fazer para conseguir superar parte dessa dor.” Carol, como era chamada por todos, faleceu em dezembro de 2007, vítima de uma leucemia. Para Celma, a perda precoce de uma filha tão dedicada como a Carol a fez ficar sem rumo. “Uma semana depois da morte da Carol, uma mãe que também tinha perdido um filho me disse que, após um tempo de terapia, ela percebeu que sem o filho a vida nunca mais seria a mesma, mas também não seria pior.” Foi assim que ela começou a pensar no que fazer pra vida dela ter sentido, e ainda manter viva a memória da Carol.
Segundo Celma, a filha sempre foi uma criança ativa na comunidade. Apesar da pouca idade, ela gostava de estar presente em todos os projetos da Associação de Moradores do Conjunto Caiçara. “Ela acompanhava todas as dificuldades da associação. Sempre tentava dar ideias para melhorar a sede. Ela cresceu junto com a entidade”. A presidente conta que a relação que tinha com Carol não era só de filha, era de companheira. Celma ressalta que começou a lembrar da relação que a Carol tinha com a comunidade. As conversas da menina em construir um mundo melhor, onde todos tivessem oportunidades, fez com que a mãe pensasse em dar continuidade aos sonhos da Carol. “Pensei, a saída é essa, criar um projeto social”, recorda Celma. Assim ela começou a idealizar o Instituto Ana Carol, em homenagem à filha. Na comunidade já existia o Centro Popular da Mulher, a presidente reuniu com essas mulheres e mostrou como seria o projeto. “A ideia era um trabalho social, que fosse voltado exclusivamente para as mulheres. Onde fosse possível gerar renda para aquelas que nunca trabalharam.”
Como a Carol gostava muito de artesanato e coisas voltadas para esse gênero, Celma pensou em criar algo que primava por isso. As primeiras reuniões aconteceram em 2008, e ali iria surgir a cooperativa, onde o nome era a união de bordado e Ana, sendo assim Bordana.
Padrinho
No começo seria só o Núcleo Ana Carol, porque o projeto estava no início e levava tempo para as coisas começarem a dar certo. Geralmente é assim que acontece, a pessoa tem uma ideia e depois vai atrás de patrocínio para que o projeto ganhe forma. No caso da Celma, foi totalmente ao contrário. Seu marido Romualdo Pessoa, professor da UFG, escreveu um livro em memória da Carol. Nessa obra, intitulada de “Depois que você partiu”, ele conta como foram os últimos dias com a filha e também resgata a memória de alguns momentos com ela. Por acaso, esse livro foi parar nas mãos do governador, Marconi Perillo, que na época era senador.
O livro traz um resumo de como seria o Núcleo Ana Carol, o governador se sensibilizou com a iniciativa e decidiu que iria ajudar. Ele marcou uma reunião para saber mais do projeto. “Eu não acreditava que aquilo estava acontecendo. Parece até que tinha o dedo da Carol, que mesmo lá de cima estava dando o jeitinho dela”, conta Celma. E em março de 2009 surgiu o Instituto Ana Carol (IAC), que tem Marconi Perillo como padrinho. “O apoio do governador foi fundamental para o projeto chegar ao nível que está hoje”. A grande dúvida era onde a sede do IAC iria funcionar. Por conta da relação da Carol com a Associação dos Moradores, Celma pensou em um jeito de homenagear mais uma vez a filha, e resolveu que o IAC iria funcionar junto com a associação, onde ela participou do mutirão da limpeza”.