Trabalhar as diferenças para encontrar a paz
Trabalhar as diferenças para encontrar a paz
Como trabalhar a individualidade dos alunos sem criar narcisistas? Educadora indica o caminho das pedras
Mariana Vaz
Pensar a paz como um projeto de vida, que deve ser trabalhado no dia a dia das escolas e individualmente pelos profissionais da área de Educação.
A proposta é da pedagoga Késia Mendes Barbosa, mestranda em Educação pela Universidade Federal de Goiás (UFG) e que se especializou na formação de professores.
Na opinião da educadora, é preciso pensar na paz como uma atitude que requer muita coragem para ser buscada. “Paz é diferente de passividade e nós jamais podemos ser pacíficos. Paz requer atitude”, decreta ela
Késia considera que as pessoas estão cada vez mais voltadas em fazer coisas simples e por prazer, como cozinhar ou cuidar da natureza, e isso demostra que o indivíduo está buscando maneiras de obter sua paz interior dentro das três dimensões identificadas por ela: a paz com o eu, com o outro e com a natureza.
Em entrevista ao Escola, ela ressalta que tratar a paz dentro das escolas é tratar a diversidade de todas as formas, pois para o aluno obter a paz, ele precisa ser respeitado como indivíduo.
Segundo ela, tratar os diferentes projetos de vida, por exemplo, é respeitar o aluno em sua individualidade e isso impede o surgimento de conflitos educacionais. “Eu preciso quebrar os padrões, possibilitar ao meu aluno o direito de conhecer novas culturas, novos conceitos, porque só aí ele vai se encontrar e obter sua individualidade”.
Como definir a paz nos dias de hoje e como buscá-la dentro das escolas?
Nós devemos pensar a paz como uma atitude, viva e vigorosa, que busca pensar a equidade e a igualdade entre os homens. É a paz no sentido de paz para todos. E dentro das escolas é preciso pensar em uma paz que não seja no sentido abstrato, distante.
A paz se concretiza no meu cotidiano, a partir da paz que eu busco e desenvolvo comigo mesma, da paz que eu penso quando me relaciono com o outro, e da paz que eu busco quando me relaciono com a natureza. Então é nessa articulação entre o eu, o outro e a natureza, que é possível construir essa paz de forma ampla, plena e completa.
A paz pra mim pode ser a mesma paz para o outro, ou isso é mais um estado de espírito individual?
Existe aquilo que é a paz para o bem comum. E isso acontece se pensarmos em condições sociais de existência, em condições sociais de troca e de busca. Existe também a paz comum no sentido da natureza, ou seja, se a natureza sofre, surgem os fenômenos naturais que vão colocar em risco a nossa própria paz.
Mas, então, entra aí a questão da singularidade. É quando pensamos que existe uma dimensão da paz que é a paz consigo, e para ter paz consigo é preciso ter paz com o outro e com a natureza.
Existe nessa articulação da paz algo que é singular, que é individual, que é o lado de autonomia do ser, e que permite o seu exercício de paz. Nesse sentido, aquilo que me traz paz pode não trazer paz para o outro. Claro que existe aquilo que é comum, mas sem essa dimensão do que é comum, a paz individual não pode ser encontrada.
O que é mais difícil: buscar a paz consigo mesmo, a paz com os outros ou com a natureza?
Acredito que não há o mais difícil. Existe aquilo que é mais completo, que vai depender da união de todos os seres humanos. Por exemplo, para que nós tenhamos paz com a natureza, não basta apenas cuidar do meu quintal; eu preciso também me preocupar com todo o planeta, pensando coletivamente.
Acho que a paz é o caminho e para que tenhamos paz efetivamente, nós precisamos dessas três dimensões articuladas; não dá para ter uma e não ter a outra. Você precisa das três, pois uma depende da outra. O aquecimento global, por exemplo, é uma questão de falta de paz com a natureza, mas influencia na minha paz individual.
Cada indivíduo possui suas singularidades e respeitá-las é o caminho para a paz. Mas o que se percebe é que muitas escolas tratam seus alunos de maneira uniforme, sem respeitar suas individualidades. O que dizer sobre isso?
Nós temos que pensar em uma educação que não dissocia o corpo, o afeto e a cognição porque nós somos únicos. O professor acha que o aluno entra na escola só com a cabeça e que o corpo, o afeto e a cognição ficaram do lado de fora, mas não é assim que acontece!
Nós aprendemos com o corpo inteiro, com aquilo que não é perceptual, como o afeto, e também com a cognição. Mas nós precisamos também daquilo que é comum. Daí o conceito de projeto humano comum de aprendizado.
Eu preciso respeitar a singularidade dos meus alunos, preciso ter espaço para isso, mas eu também não posso criar narcisos, que só olham para o próprio umbigo. Preciso ter a clareza de ideias e ajudá-los a entender o projeto humano comum, que é tudo aquilo que faz parte de um ideal de lealdade, de igualdade, é um projeto que passa pela justiça, pelas relações harmônicas e, inclusive, vai passar pela tolerância.
Se pensarmos em uma educação que não dissocia o corpo, o afeto e a cognição, e que parte também dessa busca do projeto humano comum, vamos pensar em uma educação que é para todos e em que cada uma dessas pessoas tem um papel, exercendo sua autonomia e se tornando diferentes, mas, ao mesmo tempo, mais solidários.
Como trabalhar essa paz de maneira prática com os jovens dentro das salas de aula?
É preciso pensar nas relações étnicoraciais dentro das escolas. Pensar sobre as diferentes culturas, as diferentes religiões e até mesmo sobre as diferenças de projetos de vida de cada um.
Meu projeto de vida, por exemplo, pode ser não me casar, ou pode ser trabalhar e não ter filhos... É preciso respeitar esses projetos e quebrar padrões de felicidade e de paz. Pois, e se alguém não quiser um futuro igual aos outros? Ele também precisa ter o seu espaço.
Quando eu trabalho com diferentes linguagens, como acontece dentro de uma escola, trabalhando com o Português, a Matemática, as Artes e etc, eu posso e devo quebrar os padrões. Isso possibilita ao meu aluno, o direito de conhecer novas culturas, novos conceitos, e dá a ele a chance de desenvolver a sua individualidade.
Quando se trabalha com a diversidade, se cria novas possibilidades aos alunos. Ainda que ele diga 'eu não gosto disso', ele precisa ter experimentado, de fato, aquilo para só, então, saber se gosta ou não.
Trabalhando a diversidade com os jovens, eles adquirem conhecimento para construir a sua identidade, e isso me dá grande prazer, pois é o respeito à vida e às diferenças que gera a paz individual.
Quem é e o que fez
A pedagoga Késia Mendes Barbosa é mestre em Educação pela UFG (Universidade Federal de Goiás), foi coordenadora geral da MAC (Mostra Artítico Cultural) da rede municipal
de ensino de Goiânia.
Como palestrante, participou do 1º Congresso Goiano de Combate ao Bullying Escolar, realizado em junho no Centro de Convenções de Goiânia, e do 1º Seminário Paz nas Escolas, promovido pela prefeitura de Aparecida de Goiânia