A infeliz consequência da sedução do mercado

A infeliz consequência da sedução do mercado

O prazer da satisfação imediata, o acesso facilitado ao crédito, o impulso ao consumo e a inexperiência para organizar as próprias finanças são alguns dos motivos que levam os goianos a se endividarem cada vez mais. Nunca se ofereceu tanto dinheiro, e de forma tão fácil. É só assinar para obter o financiamento do bem desejado, cartão de crédito ou cheque especial.
O final dessa história, para muitos, é ter seu nome na lista de maus pagadores do Serasa e ficar com restrições ao crédito.  E foi isso que aconteceu com o engenheiro elétrico Emanuel Peixoto, de 43 anos.
O goiano, que trabalha nas  Centrais Elétricas de Goiás (Celg) desde 2006, começou a financiar a compra de eletro­do­mésticos e viagens de fim de ano. O valor da parcela, no en­tanto, estava acima do orçamento familiar, descontadas todas as despesas fixas mensais, como água, luz, telefone, aluguel e seguro.
O resultado foi o dissabor da crise financeira na família de Peixoto. “Passamos a consumir menos, racionalizar água e energia e tirar o telefone. Co­loquei meus dois filhos em uma escola particular mais barata e comecei a pagar diarista menos vezes por semana”, conta.
Apesar da redução nos gastos, o nome de Peixoto acabou no Serasa. Para ele, o erro foi ter acreditado na disponibilidade do crédito e a facilidade de quem não quer adiar a aquisição de um bem. A viagem para as regiões litorâneas do Nordeste, em julho de 2008, lhe custou gastos que não estavam previstos.
Além disso, não houve um orçamento confiável e elaborado em relação à compra dos eletrodomésticos que se diziam estar em promoção. “Eu e minha família acabamos seduzidos por promoções relâmpagos. Compramos muito, sem analisar o limite do orçamento. Fomos pegos de surpresa.”
Em busca de soluções emer­genciais, o engenheiro elétrico procurou acompanhamento de um especialista em finanças pessoas. Depois, negociou com os credores, alongando o prazo de pagamento da dívida. “Aos poucos, consegui pagar as dívidas e negociar datas com os credores, o que me ajudou extremamente.”
Pensar duas vezes
Hoje, com muito custo, Peixoto conseguiu tirar seu nome do Serasa e quitar algumas de suas dívidas. O resultado, segundo ele, foi expresso no seu planejamento atual. “Penso duas vezes antes de comprar algum produto que esteja em promoção. Aprendi a racionalizar os supérfluos e diminuir o orçamento do fim do mês.”
Bolso furado
Peixoto é um retrato de quase 40% dos brasileiros que não têm condições de pagar suas dívidas. Conforme dados divulgados no dia 16 de novembro, pelo IEF (Índice de Expectativa das Famílias), apenas 12% dos entrevistados acreditam que possuirão condições de honrar os compromissos, enquanto 48,5% responderam que conseguirão quitar parcialmente em 2012.
Entre as regiões do Brasil, é no Centro-Oeste que está o maior índice de expectativa quanto à capacidade de pagamento de contas em atraso. Os goianos são otimistas. Em média, 45,5% das famílias acreditam que vão conseguir pagar todas as suas contas atrasadas.
Apesar dos números, a Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic) mostrou que a inadimplência das famílias brasileiras caiu pelo sexto mês consecutivo em todo o país. O percentual de famílias endividadas recuou em ambas as faixas de renda pesquisadas.
A faixa de renda inferior a dez salários mínimos chegou a 60,4% em novembro de 2011, ante 62,9% em outubro. Em novembro do ano passado o percentual era 62,2%. Para as famílias com renda mensal superior a dez salários mínimos, o nível de endividamento recuou de 50,5% para 48,9%, de outubro para novembro.
Para que o índice de devedores continue a cair, o especialista em finanças, Marcelo Ferraz, diz que o consumidor não deve comprometer mais do que 30% da previsão de renda livre. As justificativas se baseiam nos riscos de extrapolar o orçamento ou assumir dívidas que, juntas, comprometem as finanças pessoais.
Ferraz, diretor da Credipar, afirma que a disciplina financeira é importante para que o comprador, na hora de tomar um empréstimo de curto prazo, assuma parcelas que, de fato, caibam no bolso. "Como estão minhas contas hoje? Qual minha disponibilidade para comprar o que quero em seis vezes e não em doze vezes, e com isso evitar um gasto desnecessário?”
Prevenir
Não se endividar até o limite do orçamento evita surpresas previsíveis, como a falta de dinheiro antes do final do mês.  Em relação a isso, o especialista recomenda ao consumidor manter um nível de endividamento sem grandes oscilações ou proporcional ao nível de renda previsto.
"Autônomos, profissionais liberais e com cargos comissionados têm mais dificuldade em estabelecer, com exatidão, uma previsão de receitas. Nesse caso, o ideal é sempre ter uma reserva de precaução e optar por uma previsão menos otimista. Isso trará mais comodidade para manter um nível de despesa compatível com o nível de renda", explica Ferraz.
Prevenir, gastando racionalmente e evitando compras por impulso, ainda é a melhor opção para evitar uma crise financeira. Um eventual descontrole, porém, pode ser contornado com o aumento de renda ou com a diminuição dos gastos. "Fazer sacrifícios, cortando alguns padrões de consumo, é sempre difícil.”
Para conseguir condições de crédito de curto prazo, vale à pena buscar informações que levem em conta o valor da parcela. Ferraz alerta também pa­ra as taxas de juros cobradas, penalizações por não pagamento ou descontos no caso de antecipação das parcelas.
“A capacidade de negociar junto a empresas comerciais que prestam serviços financeiros também deve ser considerada, já que essas empresas, geralmente, são mais flexíveis do que grandes instituições financeiras, mais burocratizadas”, afirma o especialista.
Os direitos que norteiam o consumi­dor
A satisfação causada pela compras dos mais variados produtos, juntamente com seu financiamento, pode desestabilizar o pagamento das contas no fim do mês. As seduções das propagandas e das promoções norteiam os consumidores em o que comprar e como comprar. O resultado são dívidas e mais dívidas.
Segundo o economista e psicopedagogo Welinton dos Santos, existem três tipos de devedores. O endividado light é aquele que estourou o orçamento há pouco tempo. O endividado plano já usou os limites do cartão para rolagem de dívidas. Já os endividados máster são os que perderam todos os créditos possíveis e a dívida parece enorme aos seus rendimentos.
Santos dá sinal vermelho para os endividados máster. Eles devem pagar um credor de cada vez, priorizando os mais flexíveis. “Pagar à vista e pedir desconto para priorizar o pagamento daquela conta são prioridades. Também devem pedir empréstimo consignado em folha de pagamento. Outra opção é empréstimo à família.”
Em relação à sedução do mercado, existem regras que devem nortear o relacionamento entre fornecedores e consumidor. Segundo o professor de Direito do Consumidor da Universidade Federal de Goiás (UFG), Diógenes Carvalho, algumas leis criminalizam propagandas abusivas e enganosas.
“Vivemos em uma sociedade pós-moderna de consumo excessivo. Temos o prazer de comprar os supérfluos. Em alguns casos, os consumidores são vítimas do poder psicológico da propaganda e de promoções enganosas. Existem leis que punem o crime das publicidades em prol da responsabilidade civil”, explica Carvalho.
Compras excessivas
A boa fé dos consumidores é traída por publicidade enganosa ou abusiva. Os fornecedores valem-se do poder da mídia e da imagem de artistas famosos para enganar os compradores. “Tudo à respeito da qualidade ou das propriedades inexistentes em seus produtos, muitas vezes inócuos ou até mesmo prejudiciais ao consumidor.”
Para ele, o que ocorre são compras excessivas de mercadorias super divulgadas que mechem com o imaginário do consumidor. “As compras mais caras, como eletrônicos, variados de shoppings, passagens de avião ou as compras de supermercado podem colocar os cidadãos no vermelho”, reitera.
Carvalho, que lançou o livro “Do Princípio da Boa-Fé Objetiva nos Contratos de Consumo”, diz que o consumidor tem direito à informação, acesso à justiça e, principalmente, saber de seus direitos no Código de Defesa do Consu­midor. “Os goianos precisam estar cientes para poder reivindicar seus direitos à justiça.”
O artigo 37 do código define e veda a publicidade enganosa e abusiva.  Também a coloca como crime e estabelece penas para quem faz ou promove publicidade que sabe ou deveria saber ser enganosa ou abusiva. “No entanto, falta clareza a respeito de quem deve ser penado pela conduta.”