Se esquentar, eu corro!
Thaís Lobo Estagiária convênio Tribuna/Fasam
Após 100 anos de sua descoberta, supercondutividade continua sendo um grande mistério para a comunidade científica
Imagine um computador que não esquenta? Ou fios e cabos que conduzam energia sem ocasionar perdas? Seria muito bom, não? Pois é essa a perspectiva dos físicos que pesquisam a supercondutividade.
Um dos principais assuntos da 28ª Semana de Física da Universidade Federal de Goiás (UFG), realizada na semana passada, a supercondutividade é um fenômeno que ocorre em alguns materiais que, resfriados a uma determinada temperatura, possuem a propriedade de conduzir a eletricidade sem resistência, ou seja, sem perder energia.
Essa propriedade física foi descoberta há 100 anos pelo holandês Heike Kammerling – Onnes quando ele pesquisava a função da temperatura na resistência elétrica dos metais.
Porém, um de seus colaboradores, Gilles Host, orientou-o a acrescentar Mercúrio, que era um material mais fácil de se trabalhar.
Foi dessa forma que no dia 8 de abril de 1911, os pesquisadores colocaram um tubo capilar cheio de Mercúrio imerso no Hélio líquido. E, ao medir a resistência elétrica da amostra, em função da temperatura, a equipe teve uma surpresa: 4,2 K (-269ºC). Temperatura tão baixa que sequer pode ser medida.
Ao atingir tal estado, a resistência elétrica do Mercúrio caiu a zero. A descoberta rendeu um Prêmio Nobel de Física em 1913 para Onnes, mas as pesquisas prosseguiram a passos lentos.
Primeiro, porque os laboratórios com capacidade para se realizar as experiências se restringiam ao monopólio do grupo liderado por Onnes.
E segundo porque os estudiosos ficaram desanimados com a descoberta de que a supercondutividade desaparecia quando o material era exposto a um campo magnético.
Reviravolta
Atualmente, sabemos que esse fenômeno ocorre devido aos metais elementares que foram utilizados na experiência. Esse material, em seu estado supercondutor, possui uma fina camada superficial facilmente destruída por campos magnéticos que penetram em seu interior.
Contudo, alguns físicos persistiram na pesquisa e suas descobertas mudaram a perspectiva da supercondutividade.
A reviravolta só aconteceu em 1933 quando os alemães Walther Meissner e Robert Ochsenfeld descobriram o resultado do campo magnético nos supercondutores, o chamado efeito "Meissner".
Eles demostraram que um material, em seu estado supercondutor, é capaz de repelir um campo magnético. Durante a experiência, perceberam que a cerâmica ficou supercondutora, após ser colocada sobre o nitrogênio líquido, e repeliu o ímã.
A repulsão compensa o peso do ímã e, consequentemente, ele levita. Essa proprie
dade pode ser observada hoje nos trens Maglev (Magnetic Levitation Transport).
Comuns na China, esses veículos levitam sobre os trilhos e podem atingir velocidades superiores a 400Km/h. Gastam pouca energia e praticamente não emitem ruídos.
Os experimentos de Meissner e Ochsenfeld, que definiram os supercondutores como condutores perfeitos, também contribuíram para a definição da supercondutividade. Mas ainda faltava uma teoria que justificasse o fenômeno. E ela só veio em 1957.
A teoria BCS
A formulação da teoria BCS por John Bardeen, Leon Cooper e Robert Schrieffer foi um marco no estudo da supercondutividade.
Segundo ela, mesmo que os elétrons tenham a tendência de se repelirem, eles formam "pares" com a ajuda da baixa temperatura e da rede cristalina. Assim, com os "pares" feitos, os elétrons podem mover-se sem dificuldade.
O impacto da teoria foi tão grande que o número de pesquisas aumentou cinco vezes na década posterior, pulando de 246 [entre os anos de 1945 a 1955} para 1241.
Essa descoberta também garantiu o Prêmio Nobel de Física ao trio de pesquisadores.
Porém, mesmo com as novas descobertas, as aplicações tecnológicas dos supercondutores ficavam limitadas, pois as pesquisas exigiam laboratórios sofisticados com estrutura para resfriar materiais a baixíssimas temperaturas.
O seu uso, portanto, ficou restrito a equipamentos de laboratório e de ressonância magnética nos hospitais. Logo, a comunidade científica esmoreceu, mas não por muito tempo.
Temperatura alta
A supercondutividade em temperaturas mais altas só foi descoberta em 1986 por Alexander Müller e Johannes Berdnorz. Eles fizeram uma cerâmica de óxido Bário, Lantânio e Cobre, que se tornava supercondutora a uma temperatura de 35 K (-238).
A nova descoberta aguçou os pesquisadores e, em 1987, Paul Ching-Wu Chu apresentou uma cerâmica composta de óxido de Ítrio, Bário e Cobre com temperatura de supercondutividade a 93 K (-180°C).
Posteriormente, Chu estabeleceu novo recorde, em 1993, na temperatura de 160k (-113ºC). Mas apesar dos avanços, a supercondutividade permanece um mistério. Para o professor do Instituto de Física da UFG, Hermann Lima e Silva, "ainda falta entender o mecanismo da supercondutividade em altas temperaturas e nas interações básicas que ocorrem na matéria".
Ele destaca que o desafio agora é descobrir supercondutores em temperatura ambiente. Para ele, essa descoberta poderia ajudar na criação de computadores mais velozes, armazenadores de energia, fios e cabos de transmissão de energia sem perda da mesma. Enfim, uma infinidade de novas possibilidades se abririam.