A Educação diante de novo prisma
Thaís Lobo Estagiária convênio Tribuna/Fasam
Promover a interação entre as diferentes disciplinas, com foco na ampliação do conhecimento, é a proposta da transdisciplinaridade. Coordenadora de simpósio que debaterá o tema em Goiânia lança luzes sobre essa questão
Transcender o universo fechado da ciência e trazer à tona a multiplicidade de conhecimentos dos indivíduos. Essa é a proposta da transdisciplinaridade, uma nova abordagem que começou na década de 70 com Piaget, com influência da Física Quântica, que procura criar pontes entre as disciplinas para promover o diálogo, a troca e a interação.
Com o objetivo de unificar os saberes, enfocando o todo e não apenas a unidade, convergindo, assim, com o velho paradigma cartesiano baseado na Física Mecânica, a transdisciplinaridade trabalha as diferentes perspectivas de um mesmo assunto, gerando uma compreensão complexa.
A abordagem tem como pilares o pensamento complexo de Edgar Morin, os diferentes níveis de realidade e a lógica do terceiro incluído, que contraria a lógica binária do sim e do não, do certo ou errado. Na transdisciplinaridade há uma terceira opção.
E é esse debate que estará em pauta no 2º Simpósio de Educação Ambiental e Transdisciplinaridade (SEAT). O evento ocorre entre os dias 18 e 20 de maio no Campus 2 da Universidade Federal de Goiás (UFG). A coordenadora do evento é a professora Sandra de Fátima Oliveira, que concedeu esta entrevista exclusiva ao Escola.
Ela afirma que hoje estamos vivendo dois paradigmas simultâneos: o da separação, da fragmentação cartesiana e determinista, que está deixando a cena; e o novo paradigma da união, que está emergindo e uma das formas de abordá-lo é pela transdisciplinaridade.
Na prática, como podemos levar para as salas de aula um ensino transdisciplinar?
Começando nas aulas. O prefixo 'trans' quer dizer dentro, entre e além. Dentro, porque as disciplinas tem conteúdos; entre, porque nós podemos transitar os conteúdos nas diversas disciplinas sem abandonar nenhum deles. E além desse conteúdo, que é o despertar para essa nova forma de ver, sentir, agir na vida.
O paradigma antigo é determinista. Então você começa uma pesquisa e já sabe o resultado porque você o induz. Na abordagem transdisciplinar você não tem essa determinação. A pesquisa vai acontecendo de uma forma que você não tem como prever e determinar o resultado, até porque você não trabalha só com uma única coisa, pode trabalhar com uma gama diversificada de informações que a pesquisa pode trazer.
Esse novo paradigma visa unificar os conhecimentos, trabalhando-se o todo e não a unidade. Qual a maior vantagem para o estudante frente a essa nova proposta de ensino?
O aluno começa a compreender a ligação com isso que você achava que não era você: o mundo, a natureza, os recursos. E ele começa a ter mais respeito e tolerância com o outro. Ele começa a ver que as metodologias são simplistas, reducionistas. E você tem a possibilidade de abranger mais o seu pensamento, a forma como você vai chegar ao outro para pesquisar. Isso acaba por interar aquela outra pessoa que, às vezes, serviria apenas como informação, como participante da sua pesquisa. É uma possibilidade de aprender a tolerar e a respeitar outras formas de pensamento.
Porque a transdisciplinaridade trabalha com diferentes níveis de realidade? Qual a importância dessa abordagem?
É importante esses diferentes níveis de realidade porque isso nos traz tolerância. O único nível de realidade que conhecemos é a matéria, que é o que a gente vê. Mas, por trás disso, ou além disso, há outros níveis de realidade que devem ser considerados.
Quais são?
Por exemplo, a Física Quântica mostrou a existência das anti-partículas atômicas, partículas e do átomo. Então, atrás do átomo, antes dele, existem outras coisas. Isso é o alicerce de tudo. É o que dá a ideia de que tudo está unido. O que muda é a forma desses átomos se organizarem e é isso que gera os diferentes níveis de realidade. Isso num nível mais complexo. Agora podemos falar o seguinte: nós temos níveis de realidade diferentes. Minha realidade é diferente da sua, que é diferente de outra pessoa. Você tem uma realidade na sua cabeça: seu jeito de viver é diferente do meu.
Entender isso é importante porque passamos a ser mais tolerantes e a aceitar melhor o outro.
Esse novo paradigma também rompe com a dicotomia cartesiana de sujeito e objeto. Por quê?
Isso é importante na pesquisa, porque ela sempre tem o sujeito, o pesquisador e o objeto a ser pesquisado. Na transdisciplinaridade não existe essa separação. É tudo uma coisa só! O paradigma antigo também é baseado na separação do corpo com a mente, ou seja, a consciência separada do corpo, o coração separado da cabeça, a natureza separada do ser humano... E para quê nos afastamos da natureza? Para dizer que eu não sou natureza, ela está aí para me servir e eu posso explorar de forma irracional que não tem problema nenhum. Mas na verdade não é isso, nós somos a natureza.
Em que sentido o antigo paradigma aristotélico/cartesiano contribui para o fundamentalismo, gerando preconceitos como o racismo e a homofobia?
Ele pode gerar este tipo de coisa porque vemos tudo de forma separada e porque não dá às pessoas a opção de ver outras coisas e despertar o interesse por essas diversidades de manifestação. O novo paradigma trabalha com a visão do todo, ou seja, você é parte do todo, e tudo o que acontece é parte de você.
Qual o prejuízo que o estudante sofre com essa lógica racional que nos é ensinada na escola e em que vivemos atualmente?
Como eles tem um sistema disciplinar fragmentado, muitas eles eles saem da universidade um profissional não por inteiro, mas pela metade. Muitas vezes, o aluno sai da faculdade sem conhecer a própria realidade.
O que é necessário para aplicar o ensino embasado na transdisciplinaridade?
Da boa vontade do professor. Ele tem que ter essa boa vontade porque tem que estudar. Tem aulas em que eu abordo Astronomia, Física, Química, Biologia, Geologia, ou seja, cinco disciplinas numa aula só. Isso exige muito mais do professor. É diferente, porque você não dá aula fechada dentro daquela gavetinha dos conteúdos que você já está acostumada e você vai transitar em todas as disciplinas.
Pensando assim, será que a transdisciplinaridade iria exigir, inevitavelmente, um outro tipo de formação do professor?
A mudança tem que ocorrer primeiro na universidade, para que ela possa formar professores capazes de trabalhar dentro dessa abordagem transdisciplinar e isso eu creio que
vai demorar muito. Acho que o maior desafio é esse.
O modelo educacional brasileiro nos ensina a separar e a isolar os saberes e as coisas. Qual o impacto desse novo paradigma em uma sociedade já acostumada a individualizar? Como poderemos nos adaptar a essa nova abordagem?
Essa nova abordagem está sendo construída. Infelizmente são poucas as pessoas que estão nesse processo. Muita gente critica por ainda não conhecer e é uma coisa que nós temos que começar a construir. E o impacto não vai ser grande porque isso está sendo construído com a juventude e será trabalhado com as crianças.
Então, essas pessoas, crescendo nesse processo, não vão sofrer impacto nenhum. Eu sofro impacto aqui dentro na universidade, pois, às vezes, percebo que há críticas.Mas é tudo por desconhecimento.
Como está a aplicação prática da transdisciplinaridade no Brasil e no mundo?
Na França, os ensinos Médio e Fundamental foram reformulados por Edgar Morin, pai da teoria da complexidade. Então eles já estão numa base bem transdisciplinar. A transdisciplinaridade é uma coisa muito nova. O Brasil é um país bastante avançado nesse processo. Nós tivemos aqui, em 2006, o 2° Congresso Mundial Sobre Transdisciplinaridade.
Hoje já temos vários centros, como na USP e na PUC de Brasília. E em Goiânia criamos o Núcleo de Pesquisas e Estudos em Educação Ambiental e Transdiscipli-naridade (Nupeat) e, recentemente, foi fundado outro núcleo na Faculdade de Educação da UFG.