Sem sentido
Sem sentido
- Projeto de lei que propõe a transferência da gestão do Ensino Superior do MEC para Ministério da Ciência e Tecnologia está longe de ser uma unanimidade
Raphaela Ferro
Transferir a gestão do Ensino Superior para o Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) e criar o Ministério da Educação de Base. Essa é a proposta do senador Cristovam Buarque, considerada por ele uma revolução na Educação.
Mesmo desagradando muitas entidades envolvidas com o ensino e a ciência, o projeto foi aprovado na Comissão de Ciência e Tecnologia do Senado Federal. Não quer dizer que já será colocado em prática.
A proposta ainda será analisada em duas outras comissões de senadores, a partir de onde, se aprovada, irá para a Câmara dos Deputados. E só depois de aprovada pelos parlamentares é que seguirá para sanção ou veto presidencial.
Aparentemente, a favor mesmo da alteração está apenas Buarque. Assessor de Comunicação do senador, que está em viagem, Paulo Miranda explica que o objetivo principal do projeto é a federalização da Educação Básica, a exemplo do que já acontece no Distrito Federal. “Enquanto a Educação estiver entregue aos municípios e Estados, ela sempre vai ser desigual”, argumenta.
Conforme ele, o senador quer que todas as escolas públicas sejam de excelência, inclusive prevendo reforma física em todas elas. “Ele propõe fazer isso em 20 anos; não é de uma hora para outra”.
Para isso, nem seria necessário o investimento dos 10% do Produto Interno Bruto (PIB) do país, defendido pelas entidades de defesa da Educação dentro do PNE (Plano Nacional de Educação). Miranda acredita que 6,4% do PIB já seria o suficiente.
Seria mesmo possível? Nada comprova e, do outro lado, há muita gente contra o projeto. A Academia Brasileira de Ciências (ABC) e a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), por exemplo, já divulgaram um manifesto contra a proposta.
No documento, as entidades expõem que não há nenhum benefício conceitual, institucional ou acadêmico nem para o terceiro grau nem para a Educação Básica. “A proposta de separação do Ensino Superior do conjunto dos assuntos educacionais de competência do MEC cria obstáculos importantes ao desenvolvimento de ambos, de forma integrada ao projeto educacional para o país”, versa o manifesto.
Aqui, o reitor da Universidade Federal de Goiás (UFG), Edward Madureira, também se mostrou contra a proposta. Para ele, o projeto é um grande equívoco. “Não que as universidades não tenham identificação com o MCT, mas essa possível migração, com certeza, não acontecerá, pois ela quebra a lógica do sistema”, avalia.
Solução de superfície
Madureira vai mais além e defende que a divisão seria a pior proposta para a Educação Básica, já que o momento é, na verdade, de aproximação entre as universidades e o ensino básico.
O reitor ainda acrescentou que o sentimento de muitos reitores é igual ao dele, apesar de a Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) ainda não ter posição oficial.
À equipe do caderno Escola, a assessoria de imprensa da Andifes informou que o projeto ainda não entrou na pauta nas discussões da entidade por ser ainda muito incipiente. O assunto, aliás, sequer foi lembrado durante a visita do ministro da Ciência e Tecnologia, Aloízio Mercadante, a Goiânia no dia 24 de novembro.
Até o fechamento desta edição, na quinta, 1º, o MCT não havia enviado seu posicionamento a respeito da proposta. Já o MEC informou que não comenta projetos de lei em tramitação e por isso não se pronunciará por enquanto.
A mudança não traria mesmo muita diferença ao cenário educacional. Doutorando em Educação, o escritor Hamilton Werneck afirma que é apenas uma mudança de patamar para o problema. Muda-se o nome e cria-se problemas.
Caso o projeto seja aprovado, o país terá que buscar verbas para o MCT muito além do valor do PIB discutido para a Educação. Entretanto, ele considera que haveria um lado positivo: ficariam definidas verbas para a Educação Básica e seria mostrada a despesa que o governo federal tem com o Ensino Superior em detrimento das outras etapas da Educação.
Mas ainda assim, seria uma solução vazia. Afinal, de onde sairiam os recursos? “Se não reforçarem as verbas para o ensino básico, já que poderia haver o remanejamento delas para a Ciência e Tecnologia, esse nível ficaria pior do que está”, critica Werneck.
O professor e escritor é enfático: a transferência de uma atribuição de um ministério para o outro não significa a solução dos problemas. “A questão não está centrada no ministério em si, mas, sem dúvida, nas instituições”, completa.