[UFG] Carne do gado curraleiro é 20% mais cara (Diário da Manhã, 25/05/11)

Carne do gado curraleiro é 20% mais cara

Tradicional de Goiás e Tocantins, animal tem manejo barato. Mesmo com vantagens, raça corre o risco de extinção

 

 

Gabriela Guerreiro
Da editoria de economia

A carne do gado curraleiro, tradicional de Goiás e Tocantins, pode valer até 20% mais que a de rebanhos comerciais. Além disso, sua criação chegaria a ser 30% mais barata se comparada aos investimentos que o manejo do nelore exigem. Os dados são de um estudo inédito de raças em risco de extinção no Brasil, apresentados pela professora Maria Clorinda Soares, da Escola de Veterinária e Zootecnia da UFG, durante o II Seminário sobre Gado Curraleiro e Identificação Geográfica, promovido pela 66ª Exposição Agropecuária de Goiás.
O resgate ao gado curraleiro entra no contexto da discussão socioambiental apresentado pelo evento por ser uma raça resistente, adaptada a condições diversas de pastagem, que demanda pouco infraestrutura para criação, mas que está quase extinta das fazendas brasileiras. Ela surgiu na Europa, mas ao ser trazida para o País, pela necessidade de produção de alimentos durante a colonização, no Século 16, desenvolveu grande capacidade de integração ao meio seco do Cerrado. Os primeiros criadores aqui foram os sertanistas que buscavam alternativas para manejar rebanhos em currais.
Com a intensa substituição desses animais pelas raças modernas, nos últimos 50 anos, o curraleiro foi praticamente esquecido. No entanto, os kalungas, maior comunidade de remanescentes de quilombolas, – que fica em Cavalcante – depois de mais de 30 anos da retirada dos últimos exemplares de suas terras por ações do governo federal, decidiram solicitar ao Ministério da Integração Nacional que subsidiasse um programa de reintrodução do manejo tradicional da raça.
“Eles perceberam que o nelore, que foi substituindo massiçamente o curraleiro, necessitava de muito mais investimentos para que sua produção fosse rentável. Os kalungas dependem muito de recursos naturais, têm uma cultura de subsistência e quase nenhuma acumulação de capital. Nesse cenário, o que vemos com a troca de raças locais por bovinos azebuados é uma baixa produção, com vacas tendo uma cria a cada quatro anos, alto índice de mortalidade, e falta de alimentos para a comunidade”, explica a professora Maria Clorinda.
Segundo ela, resgatar a cultura do gado curraleiro é uma forma importante de exploração sustentável da pecuária nas áreas de Cerrado e pantanal, por serem animais típicos, que não demandam um alto nível de tecnologia e investimentos no manejo e se adaptam ao território acidentado. “O curraleiro é resistente ao calor, às pastagens de baixa qualidade (até por isso que ele foi diminuindo de tamanho durante os séculos), inclusive, quando o capim acaba, ele levanta a cabeça e se alimenta das folhas das árvores. E isso tudo ainda oferece uma carne de alto valor gastronômico”, completa.

Kalungas reintroduzem criação em Goiás

Em 2004, foi firmado o primeiro convênio com o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). Três anos depois, eram introduzidos os primeiros 86 bovinos no Sítio Histórico e Patrimônio Cultural Kalungas, área de 253 mil hectares, que abrange os municípios de Cavalcante, Teresina de Goiás e Monte Alegre, e é a maior área de preservação ambiental do Estado. Os animais foram distribuídos entre dez famílias, ficando cada uma com cinco fêmeas e um macho. No ano seguinte, em 2008, outros 78 exemplares foram doados entre as famílias. Hoje, são 150 cabeças existentes em 14 propriedades.
No Brasil, cerca de cinquenta produtores rurais de Goiás, Tocantins e Minas Gerais criam 5 mil animais da raça. Um deles é o proprietário da fazenda Garganta da Serra, de Pilar de Goiás, Hermes Ricardo Matias de Paula, que há 12 anos decidiu introduzir exemplares do curraleiro em sua criação. “Amo esses animais. Eles têm uma grande resistência (eu mesmo não uso mais vermífugo no meu gado e não percebi problemas), são fáceis para alimentar, e ainda podemos aproveitar deles o leite, a carne, os chifres, produzir vestimentas e artefatos, além de serem ótimos para o carro de boi que, em propriedades de terreno acidentado como a minha, é muito necessário”, afirma.

Vantagens econômicas

Para o pesquisador de gado de corte da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa),  Marcos Fernando Oliveira e Costa, apesar de o gado curraleiro ter uma produção menor devido à falta de oferta, o ganho proporcional é quase o mesmo se comparado ao rebanho comercial, principalmente, pela alta qualidade da carne da raça. “Hoje, não podemos querer comparar um volume de 200 milhões de animais das raças modernas com os 5 mil curraleiros, mas a vantagem principal é o baixo custo de manejo e, em especial, sua capacidade de se adaptar a vários ambientes, permitindo criação em lugares onde não se teriam condições de sustentar o rebanho de nelore, por exemplo”, diz.
Segundo a professora Maria Clorinda, outras vantagens são a alta natalidade, próxima a 100%, o precoce desenvolvimento sexual (fêmeas prenham com 10 meses e machos cobrem com 12 meses), facilidade de parto e de criar os bezerros, intervalo entre gestações de apenas 14 meses, além de serem eficientes para cruzamentos. “O volume de nascimentos é até 5 vezes maior que o de nelore”, diz a pesquisadora.
Para ela, trabalhar o uso do gado curraleiro em seu habitat é uma forma de desenvolver a pecuária sustentável.