Um outro caminho
Núbia Rodrigues
Aprovação pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) de novas diretrizes para Ensino Médio é tema controverso entre professores, diretores e especialistas
Lei de Coulomb, tipos de reprodução das gimnospermas, número atômico dos componentes da tabela periódica. Estes são apenas alguns dos temas que fazem parte do enorme leque de conteúdos que deve ser aprendido pelos estudantes do Ensino Médio brasileiro.
Mas isto pode mudar! O Conselho Nacional da Educação (CNE) aprovou, no início do mês de maio, as novas diretrizes para esse nível de ensino.
Entre as novas regras está o que o CNE chama de "flexibilização do ensino". Isso significa conceder às escolas maior autonomia no sentido de montar a grade curricular de seus alunos a partir de quatro eixos básicos: Trabalho, Tecnologia, Ciências e Cultura.
Na prática, as mudanças vão funcionar da seguinte forma: cada escola poderá focar em uma determinada área, cabendo aos estudantes e seus pais escolherem as instituições de ensino que mais lhes forem convenientes.
Ainda assim, as escolas não podem deixar de lado as disciplinas básicas, como Matemática e Português. A diferença é que, após a implementação das diretrizes, as instituições poderão controlar a carga horária da forma que melhor interessar para a própria comunidade estudantil.
Porém, há de se questionar se o aluno realmente encontrará vaga na unidade educacional que mais se adequar às suas preferências.
De acordo com o CNE, o objetivo de todas estas mudanças é reduzir a grade curricular no Ensino Médio, tornando-o mais atrativo ao estudante.
Contudo, se o aluno não conseguir focar seus estudos nas áreas que mais gosta, por falta de vagas, de nada adiantará o esforço.
Segundo o presidente do Conselho Estadual da Educação, José Geraldo de Santana Oliveira, as novas diretrizes, sozinhas, não trazem nenhuma melhoria. "Todo o processo deve ser discutido com as escolas, e os professores têm que receber as condições necessárias para a implantação das mudanças", afirma.
Noturno diferenciado
Outra mudança proposta é direcionada aos alunos do Ensino Médio noturno, que comporta 40% dos estudantes secundaristas brasileiros.
Com as novas regras, 20% das aulas poderão ser ministradas à distância e o curso poderá ter duração superior a três anos.
As novas diretrizes ainda sugerem que atividades fora da sala de aula também sejam consideradas pela lei, que aumenta em 20% o número de horas-aula.
O objetivo é diminuir a evasão escolar, um dos grandes problemas desse nível de ensino no Brasil. O Ideb de 2009 mostra que 33% dos jovens, de 15 a 17 anos, estão em defasagem no Ensino Fundamental e 15% sequer estão na escola.
Mas as novas regras têm gerado polêmica. O grande questionamento de muitos diretores de escolas é se o aluno, que ainda está na fase da adolescência, saberá escolher em qual área focar seus estudos.
"A maioria dos estudantes, quando chega ao Ensino Médio, não tem a menor ideia de qual curso superior escolher, como vão escolher ou qual área querem focar seu aprendizado?", aponta o diretor da Escola Militar Hugo de Carvalho Ramos, major Ubiratan Regis.
Já o diretor do Colégio Expovest, Eraldo Soares Dias, acredita que são comuns estas incertezas e inseguranças.
Para minimizar estes problemas, ele sugere que as escolas trabalhem não só com o acompanhamento pedagógico, mas desenvolvam, juntamente com os profissionais da Psicologia, testes vocacionais.
Mas não são apenas diretores e professores que estão questionando e discutindo estas novas diretrizes.
Na internet, blogs, microblogs e portais de notícias diversos têm citado a temática e estão gerando uma série de comentários tanto a favor quanto contra.
Muitos professores questionam o fato das medidas não terem sido discutidas com a sociedade, a maior interessada na questão.
Ausência de debate
Para Regis, escolas e alunos terão muitas dificuldades para se adaptarem, uma vez que faltou debater o assunto com os interessados, antes da aprovação pelo CNE. De acordo com o coordenador pedagógico de Sistemas de Ensino da Editora Saraiva, Antônio Sérgio Martins de Castro, o CNE apenas sacramentou uma decisão que já estava em prática em diversas escolas do país.
Para ele, cada escola realizará as mudanças de acordo com suas próprias realidades. "Após uma discussão mais abrangente, que envolva professores, coordenadores e diretores das escolas, será possível chegar a uma conclusão sobre o que será melhor para a realidade de cada instituição", afirma.
Castro ressalta que o ponto forte das novas diretrizes é aproximar mais as áreas que estejam em sintonia com as necessidades da região, onde se localiza a escola. Porém, ele acredita que o projeto ainda valoriza demais algumas áreas em detrimento de outras.
Experiência goiana
Na rede estadual, está em desenvolvimento, há três anos, o projeto ressignificação do Ensino Médio.
Em 2011, por exemplo, 200 escolas estaduais estão com o programa implantado e realizando suas atividades de acordo com este novo conceito.
Para atender à demanda do programa, nas escolas participantes, o turno diário foi acrescido de uma hora, totalizando 200 horas anuais.
Os estudantes, além de terem as disciplinas básicas, também podem escolher os conteúdos complementares que querem incorporar em sua grade curricular.
A vice-diretora do Colégio Estadual Pré-Universitário, Jacqueline Santana Lima, diz que 20% da carga horária da instituição é destinada às disciplinas optativas. Há três anos, a escola faz parte do programa e hoje atende cerca de 2 mil alunos.
Jacqueline afirma que o processo de adaptação, no início, foi difícil, mas que, agora, a maioria dos alunos gosta. "Inclusive, o número de reprovações caiu desde que o programa foi implantado", ressalta.
Para ela, isto aconteceu porque o currículo escolar no colégio passou de anual para semestral, o que motivou os alunos a se dedicarem mais aos estudos.
Vestibular
E como adequar o vestibular, quando o que se é ensinado numa escola, pode ser tão diferente do que é focado pela outra?
A presidente do Centro de Seleção da Universidade Federal de Goias (UFG), Luciana Freire Ernesto, ainda não sabe a resposta para sanar a dúvida.
Segundo ela, a universidade está esperando a homologação das diretrizes para debater e discutir como se adequará a esta nova realidade.
Ela afirma que este será um grande desafio para a UFG, que irá se desdobrar e encontrar alternativas que não prejudiquem nenhum aluno. "Toda mudança, quando pensada para o benefício da Educação, é valida. Porém, elas precisam ser mais discutidas com os interessados para que descubramos se vão realmente ser positivas", analisa.
Para o coordenador pedagógico de Sistemas de Ensino da Editora Saraiva, Antônio Sérgio Martins de Castro, um ponto importante das novas diretrizes será a possível aproximação da universidade com o Ensino Médio.
"A maior interação entre professores do Ensino Médio e as universidades pode ter um papel imprescindível nesta etapa que antecede aos cursos de nível superior", completa.
Como é?
* Dentro da Educação Básica, o Ensino Médio é a etapa que apresenta os piores índices de rendimento.
* No Brasil, atualmente estão matriculados nesse nível de ensino aproximadamente 8,3 milhões de alunos.
* Hoje a taxa de evasão é alta: 14,3%. E a de reprovação fica em torno de 13,1%.
* Segundo dados do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa) de 2009, que avaliou estudantes de 15 anos de idade de 65 países, 69% dos alunos do Brasil tiveram baixo desempenho em Matemática. Além disso, os estudantes brasileiros ficaram em 53º lugar em nível de leitura e também em Ciências.
* As Diretrizes vigentes hoje no Ensino Médio entraram em vigor em 1998.
* As novas regras ainda precisam ser homologadas pelo Ministério da Educação, para entrar em vigor.