Nas entrelinhas
Nas entrelinhas
Célio Braga volta a Goiânia e abre hoje na Galeria da FAV a mostra Abstrações para Morrer de Amor, primeira individual dele na cidade em duas décadas
Detalhe da instalação de Célio Braga: concepção minimalista
"Nos últimos dois anos, tenho sentido vontade de ficar mais na minha terra. Embora tenha aquele sentimento comum de desterro em qualquer lugar, sinto que preciso estar mais perto da minha cultura"
Fitinhas do Senhor do Bonfim da Bahia e bulas de remédio dadas por amigos e parentes são cobertas por várias camadas de tinta branca. Para quem olha de longe, fica difícil perceber que mesmo assim pontos dos textos ainda estão visíveis. Ao mesmo tempo, parte desse emaranhando de letras em negro se encontra com linhas coloridas a lápis de cor. Convidado instantaneamente a se aproximar mais para visualizar melhor a obra de concepção minimalista, o espectador descobre que o que parecia ter somente uma camada de longe é na verdade uma sobreposição de superfícies.
A instalação de 28 elementos da exposição Abstrações para Morrer de Amor , que o artista plástico Célio Braga abre hoje, às 10 horas, na Galeria da Faculdade de Artes Visuais (FAV) da UFG, realmente mexe com os sentidos do espectador. Esta é a primeira exposição individual do artista, que mostra sua evolução técnica e principalmente conceitual, após quase duas décadas sem expor sozinho em Goiânia, cidade onde deu os primeiros passos nas artes há 30 anos.
Atualmente divido entre São Paulo e Amsterdã, aos 45 anos, Célio Braga é dono de uma trajetória em que o acaso agiu a favor da lapidação de um talento. Natural de Guimarânia, pequena cidade situada no Triângulo Mineiro, o artista decidiu morar sozinho em Goiânia aos 17 anos, no início dos anos 80. Foi pouco depois de já ter caído na estrada para estudar em Uberlândia. Segundo filho de três, do comerciante João de Paula Braga e da professora Dalice Braga, ele havia decidido que era hora de crescer buscando novos horizontes.
Ousadias
Na capital goianiense, Célio chegou a frequentar três diferentes cursos universitários - Administração, Serviço Social e Psicologia -, mas não terminou nenhum. Queria mesmo era produzir arte. "Eu pensava em estudar artes plásticas, mas achava que aquele não era o momento e o lugar", lembra o artista. Acabou desenvolvendo inicialmente técnicas autodidatas. Mais a seguir, passou a também causar polêmica com temas ousados, mesmo para o produtivo e provocativo mercado da arte goianiense dos anos 80.
Nesta época, diferentemente do tom minimalista em que se sobressai agora, sua arte foi vista como questionadora, mesmo que já se apresentasse com as nuances de atualmente, como quando retrata a fragilidade do corpo humano. Foi assim que explorou, com cores, formas e furor, temáticas sociais ainda hoje atuais.
Pintava, por exemplo, nus masculinos em cenas homossexuais. Não que essa verve tenha sumido, diz ele. Ela apenas mudou de foco. Mas então o que diferencia o Célio Braga desta época com o de agora? "Uma pergunta complexa de responder", diz o próprio artista, antes de uma breve pausa. "Acho que foi o conhecimento. Naquela época tudo era intuitivo. Passei, principalmente, por um amadurecimento técnico", avalia-se o dono de estética agora mais adepta das entrelinhas.