Menos baderna. Será?
Raphaela Ferro
Pesquisa internacional indica pequena redução da indisciplina nas escolas brasileiras. Resultado, contudo, não reflete a realidade
Disciplina não é exatamente o que se encontra nas salas de aula brasileiras. Contudo, uma análise feita pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a partir do Pro-grama Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA, sigla em inglês), indica que já foi pior.
O documento PISA em Foco nº 4 examinou o ambiente disciplinar nas classes dos alunos que fizeram a prova do programa.
O objetivo foi identificar se a disciplina piorou nas escolas entre os anos de 2000 e 2009.
A resposta foi que houve uma melhora na maioria dos países analisados, inclusive no Brasil.
Questionados se o professor nunca, quase nunca, ou só em algumas aulas, precisava esperar muito tempo para que os alunos ficassem quietos, 67% dos estudantes brasileiros responderam positivamente.
Esse índice ficou abaixo da média dos países analisados, que foi de 72%, mas foi quase 5% maior do que o conquistado pelo Brasil na avaliação de 2000.
Chefe da Assessoria Internacional do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), Sheila Carvalho de Lira explica que a análise destacou o Brasil entre os países que melhoraram, mas a representatividade desse resultado é pequena.
"É preciso ter em mente que são conclusões a partir das respostas que os alunos dão aos questionários. Não é uma pequisa profunda", avalia.
Segundo ela, o PISA em Focus é uma publicação sem expressividade, para a qual é escolhido um tema específico e analisados alguns resultados a partir dos dados que o programa oferece.
"São poucas perguntas no questionário que trata desse assunto, especificamente", destaca ela.
Sheila enfatiza que a análise não se aprofunda em estudos a partir dos dados do PISA, apenas destaca algumas respostas.
Falta de aprofundamento
Ela acredita que uma pesquisa mais aprofundada deveria ser feita sobre a indisciplina no Brasil, para que seja possível tirar conclusões acerca da realidade das escolas brasileiras.
"Na verdade, o que a mídia fala o tempo todo sobre nossos alunos e sobre a disciplina nas nossas escolas é diferente desse resultado".
Doutora em Educação pela Univer-sidade Federal de Goiás (UFG), Susie Amâncio Gonçalves Roure afirma que os problemas com disciplina existem desde a origem das escolas.
Mesmo assim, ela avalia que não é possível dizer se há realmente uma crescente onda de indisciplina escolar ou se hoje existiria mais consciência acerca da questão.
"O que eu acho que tem acontecido é o aumento da violência. E, também, o que tem trazido confusão é a forma de os professores lidarem com a indisciplina e com essa violência", opina a educadora.
Susie lembra que há alguns anos lidava-se com a indisciplina impondo sanções, castigos que controlavam um pouco mais as condutas negativas.Enquanto hoje tem-se certa incerteza com relação à legitimidade dessas ações e como impô-las em sala de aula.
Pesquisas que abordem mais detalhadamente o assunto são poucas, conforme a professora.
Entretanto, a grande quantidade de iniciativas que buscam resolver o problema da indisciplina escolar pode ser um dos termômetros de que o assunto talvez ainda não esteja tão afastado da escola.
Nos rigores da lei
A problemática chegou ao Ministério Público do Estado de Goiás (MP-GO), que criou recentemente o Centro de Apoio Operacional (CAO) da Educação, com o objetivo de articular políticas públicas para a área.
O foco de um dos projetos do centro é justamente a indisciplina escolar. "Especi-ficamente sobre a indisciplina, trabalhamos com orientações dadas primeiro aos educadores, coordenadores e gestores", explica Simone Disconsi de Sá Campos, promotora responsável pelo CAO.
De acordo com ela, o primeiro objetivo do projeto é ensinar os educadores a diferença entre o ato de indisciplina e o ato infracional. "Eles não fazem a menor ideia dessa diferenciação".
A promotora informa que o ato infracional é aquele tipificado como crime, só que praticado por um menor de idade.
"Dependendo da gravidade desse ato infracional é que se pode tomar medidas como chamar a polícia, registrar ocorrência, apreender esse jovem, iniciar um procedimento judicial...", explica.
Já o ato de indisciplina é aquele que a escola pode resolver internamente, como, por exemplo, o uso de roupas inadequadas, a falta de respeito com o professor, atrasos, falta de higiene e cuidados com a sala de aula, entre outros.
Acolher é o melhor caminho
Na opinião de Simone, um dos grandes problemas é que, muitas vezes, as escolas não têm a dimensão do que seria motivo de registro de ocorrência e do que pode ser resolvido dentro da própria escola.
A solução errada, incoerente com a natureza do ato, piora a situação. "A indisciplina se agrava quando não há punição" enfatiza a promotora.
Contudo, ela também releva que há uma grande dificuldade em estabelecer uma regra rígida a respeito.
Com o objetivo de facilitar o processo, o MP-GO criou a cartilha de orientações Como Proceder Frente à Indisciplina Escolar, disponível para dowload gratuito no site www.mp.go.gov.br.
O motivo: uma das reclamações mais comuns que chegavam ao MP-GO estava relacionada às dúvidas sobre como agir em relação à indisciplina escolar.
Simone conta que eram feitos muitos atendimentos neste sentido. Na maioria das vezes, o público alvo era formado pelos educadores de escolas públicas.
Assim, segundo ela, surgiu a necessidade de criar uma informação padronizada que servisse de orientação a todos os professores.
"Todos os projetos propõem, de alguma forma, que tratar o ato isoladamente não é a solução. É preciso trazer a família para a escola e envolvê-la na realidade do aluno. É isso que tem funcionado, que tem dado certo", destaca.
Para a promotora, o problema da indisciplina só diminui quando a escola assume o compromisso de acolher o aluno ao invés de rejeitá-lo.