Superiores? Agora , sim!
Primeira turma de graduação em Letras/Libras do País se forma pelo Instituto Federal de Goiás, que inova ao oferecer curso superior voltado para deficientes auditivos
As diferenças sempre foram um sinal de desigualdade na cultura ocidental. Tanto os portadores de necessidades especiais quanto os negros, mulheres, homossexuais e pessoas de baixa renda do Brasil sofrem, ainda, com o preconceito.
Porém, algumas iniciativas tem dado outro aspecto a essa triste realidade. Esse é o caso do curso de Letras/Libras, criado recentemente na Universidade Federal de Goiás (UFG) e que conta com um polo de ensino no Instituto Federal de Goiás (IFG), em Goiânia.
Libras é a Língua Brasileira de Sinais utilizada pelos surdos. A comunicação por esse método é visual, sendo realizada através de gestos produzidos pelas mãos e expressões faciais.
A linguagem foi instituída oficialmente no país em 2002 através da lei n° 10.436, e em 2006, através do decreto 5.626, passou a ser considerada a segunda língua oficial do país.
Desde então, são disponibilizados diversos cursos técnicos para o aprendizado da nova língua.
Há cinco anos, o IFG firmou convênio com a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e começou a oferecer o curso de Letras/Libras em sua unidade de Goiânia.
Junto com a instituição surgiram outros nove polos pelo país. No mês de março deste ano, a primeira turma do curso superior de Letras/Libras do IFG colou grau.
Para Soraya Duarte, coordenadora do curso, a diferença deste para os demais existentes no país é que os outros funcionam como um curso de idiomas apenas.
Já o instituto oferece um curso de graduação, onde os estudantes saem licenciados em Letras e em Libras com metodologias específicas para cada uma delas. "Antes nós tínhamos instrutores em Libras, agora nós temos professores", destaca.
O curso ainda tem outra vantagem para os deficientes auditivos: o vestibular é em Libras e inclui uma prova visual aplicada através de teleconferência. Nela são apresentadas as questões que, posteriormente, são respondidas pelos estudantes.
Entraves e avanços
Para a professora Andréia Cristina Lima, 35, essa diferença é um grande avanço. Deficiente auditiva, ela graduou-se em Letras/Libras este ano pelo IFG.
Por meio do intérprete Lucas Eduardo Marques, Andréia contou à reportagem que seu sonho era ser pedagoga.
E por isso ela prestou vestibular duas vezes para o curso, mesmo sabendo que ele era destinado a ouvintes e nem sequer tinha Libras em sua grade.
Mas ela foi reprovada nas duas provas, o que gerou muita frustração. "Eu fiquei magoada porque queria ensinar, mas não tinha condições de fazê-lo."
O acesso dos deficientes auditivos ao Ensino Superior sempre foi um entrave no Brasil. Segundo o Presidente da Associação de Surdos de Goiânia (ASG), Marcos Vinícius Calixto, com tradução da intérprete Joniscléia Catanhêde, antes a linguagem de Libras era proibida.
"Não tinha uma lei que aprovasse e liberasse o surdo a utilizar Libras e também não havia intérprete nas escolas".
Para ele, a falta de suporte foi o principal motivo de muitos surdos abandonarem as escolas, gerando um atraso no acesso dessa parcela da população às universidades.
Com a nova lei, esse quadro começou a mudar (ver quadro ao lado), mas algumas dificuldades persistiram.
Para a diretora do Centro Especial Elysio Campos, Eliana Maria Cardoso, a lei de 2002 despertou nos surdos o desejo de entrar na faculdade, mas "ainda são poucos os intérpretes em nível universitário e isso também é um problema."
Outro obstáculo em relação ao ensino para surdos no Brasil diz respeito ao Português. De acordo com Andréia, o idioma é pesado, pois as palavras parecem que são fortes e tem um significado muito carregado para eles. "A Libras é mais leve, eu consigo fazer a contextualização e entender o significado de cada palavra".
Isso explica porque os índices de aprovação de deficientes auditivos nos vestibulares convencionais são baixos quando comparados aos alunos que são ouvintes.
No vestibular de Letras/Libras do IFG, por exemplo, 39 estudantes surdos passaram na primeira tentativa. Para Andréia, o bom desempenho dos alunos justifica-se porque a prova foi em Libras.
No caso específico da pedagoga, ela conta que, quando a avaliação era aplicada em Português, a prova era mais difícil porque tratava-se de uma língua própria dos que ouvem.
No mesmo vestibular, os cinco ouvintes aprovados também fizeram a prova em Libras. Já no processo seletivo da UFG, há uma diferenciação: os ouvintes fazem o vestibular convencional e os candidatos surdos, em Libras.
Curso tem procura maior
Outra diferença do curso oferecido pelo IFG é que as aulas são à distância por serem ministradas pelos professores da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
Há também os encontros presenciais, a cada 15 dias. Para Andréia, isso só dificultou a vida dos estudantes por exigir mais dedicação.
Já na Universidade Federal de Goiás (UFG), todas as aulas são presenciais. De acordo com Soraya, coordenadora do curso no IFG, a universidade tem recebido mais alunos para a graduação em Libras do que no curso de Letras convencional.
Talvez uma explicação para tanto interesse seja o déficit de profissionais no mercado de trabalho. Para se ter uma ideia, a própria UFG já possui três professoras formadas no IFG em seu quadro de docentes.
E a Universidade Federal de Uberlândia (UFU) angariou mais três outros alunos da turma pioneira.
Os graduados ainda estão distribuídos na Associação dos Surdos de Goiás (ASG), no Centro de Capacitação para Surdos (CAS) e demais escolas da região.
Para Soraya, a inserção dos novos profissionais no mercado é muito grande. "Nós sabemos que o campo é muito amplo, pois faltam profissionais qualificados. Por isso nossos alunos vão continuar tendo todas as vagas possíveis".
Além da garantia de emprego, o curso de graduação também representou outras possibilidades para os alunos, como destaca Andréia.
"Eu tive contato com outros surdos, de diferentes Estados. Os professores me ensinaram em Libras e é possível se desenvolver porque os surdos partem dessas experiências visuais", diz. "Quando me formei, fiquei muito emocionada e feliz. Eu amo Letras/Libras e agora posso ser uma profissional eficiente. Posso ensinar as crianças surdas."
Saiba mais
Número de deficientes auditivos graduados em Goiás
1980 a 2000 - 2
2000 a 2005 -
2005 a 2010 - 8
2011 - 39