[UFG] Universidade via judicial (Diário da Manhã, 28/07/11)
Universidade via judicial
É cada vez maior o número de estudantes do ensino médio que passam em vestibulares antes da conclusão do curso
Mário Víctor
Da Editoria de Cidades
Aprovados, mas incompletos. Essa é a situação de vários alunos goianos que prestaram vestibular, tiveram destaque nas avaliações, mas só conseguem fazer a matrícula após entrar com ação judicial. Isso se faz necessário porque esses alunos ainda não concluíram o ensino médio, o antigo segundo grau. No ato da matrícula, nas Instituições de Ensino Superior (IES), os interessados precisam entregar o certificado de conclusão do curso. Para conseguir o documento, pais e alunos pedem na Justiça que seja feita a requalificação do estudante visando avançar nos estudos e, assim, conseguir a conclusão antecipada. Só assim conseguem fazer a matrícula na faculdade.
Esse fato tem sido mais comum aos alunos dos colégios militares de Goiás. A instituição possui seis unidades no Estado. Três delas estão na Capital e as outras em Rio Verde, Itumbiara e Anápolis. Em uma das unidades de Goiânia, no Hugo de Carvalho Ramos, vários alunos foram aprovados em vestibulares, do meio do ano, e encararam a realidade de não serem aceitos. Dos alunos aprovados, seis procuraram a instituição para buscar orientação.
O jovem Daniel Inácio Furtado Alves, 17, prestou vestibular na Universidade Federal de Goiás (UFG) para o curso de Agronomia. Ele foi aprovado, mas teria que continuar os estudos no Colégio Militar até o mês de dezembro, quando concluiria o ensino médio. Mas ele não quis perder a oportunidade da vaga garantida e recorreu à Justiça para que fosse feita a requalificação através de avaliação escrita obrigatória, elaborada e aplicada pela instituição.
Ele diz que a aprovação era esperada. Essa não foi a primeira vez que ele prestou vestibular. No final de 2010, ele fez a prova, também na UFG, para o curso de Geografia. Na época, sinalizou na inscrição que concorreria à vaga, através da livre concorrência, para alunos de escolas particulares. Este ano ele optou pela seleção para estudante de escola pública. “Eu já tinha o pensamento de entrar mais cedo na universidade. O ano passado eu fui apenas treineiro”, disse Daniel Furtado.
Para a mãe do aluno, que é professora, o filho tem capacidade de ocupar um banco de universidade e se sair muito bem. “Ele é responsável, maduro e acredito que tudo será tranquilo. Estou feliz com a entrada dele na faculdade. É o curso que ele escolheu”, contou Rosana Inácio Furtado, 39.
Outro estudante, também do Colégio Militar, João Bosco Ferreira Alves, 16, também conquistou o acesso mais cedo à universidade através da Justiça. Ele fez vestibular para o curso de Ciências da Computação na UFG e, como ainda cursa o terceira série do segundo grau, fez uma prova para ser requalificado, visando a conclusão do ensino médio, que deveria acontecer em dezembro.
O estudante detalha que prestou vestibular apenas como treineiro, mas que quando recebeu a notícia da aprovação ficou muito feliz, mas sabia que poderia fazer a matrícula. “Foi um choque saber que não poderia realizar minha matrícula, porém eu tinha noção que existia possibilidade de entrar, mesmo sem a conclusão”, disse o estudante.
Feliz com a aprovação do filho no curso que ele sempre sonhou, a também professora Dilena Ferreira, 59, diz que são apenas três meses e meio de aula que o filho não terá e que esse fato não vai influenciar na vida do estudante. “Pela maturidade do meu filho, eu afirmo a total capacidade dele de entrar na universidade. Se não tiver maturidade agora, não será com 20 ou 30 anos que terá”, declarou a mãe.
Outro aluno do Colégio Militar, que também foi aprovado no vestibular, é Felipe Vilas Boas, 16. Ele concorreu a uma vaga no curso de Direito da Universidade de Brasília (UnB) e conseguiu ser aprovado, mesmo cursando a segunda série do ensino médio. Apesar da aprovação, o jovem não vai fazer a matrícula no curso. Segundo a mãe dele, Maísa Santana, 35, a família não tem condições de entrar com uma ação judicial neste momento e, por isso, preferiu abdicar à vaga.
Antes de prestar vestibular, Felipe Vilas Boas passou por uma requalificação no Colégio Militar, onde se mostrou apto a passar da segunda para a terceira série, no segundo semestre de 2011. Dessa forma, em vez de concluir o ensino médio no final de 2012, o término será em dezembro deste ano. Para aplicar a prova, o Colégio Militar entrou com um pedido no Conselho Estadual de Educação (CEE), que autorizou o estudante a fazer o teste.
Apesar do filho não entrar na universidade agora, a mãe dele está feliz com a conquista do mesmo, pois isso mostra que tem capacidade. “Se fóssemos tentar a entrada agora, seria um desgaste emocional muito grande. Em dezembro ele fará a prova novamente e também tentará em outras universidades, como a Universidade de São Paulo”, afirmou Maísa Santana.
Ainda em Goiânia, um aluno de 17 anos, estudante de uma escola particular da cidade, também foi aprovado para o curso de Direito da Universidade de Brasília (UnB). Mesmo tendo os conhecimentos necessários para ingressar na instituição, também foi impedido de iniciar o curso. O caso do estudante ficou mais difícil porque a instituição particular que ele estuda está de férias e ele não consegue solicitar a documentação necessária.
Para casos como este, o Instituto Brasileiro de Estudo e Defesa do Consumidor (Ibedec-GO) orienta que o interessado deve procurar a Justiça, caso sinta-se lesado. “Além de demonstrar a má prestação de serviço da escola, trata-se ainda de propaganda enganosa por parte da instituição de ensino, já que as escolas particulares costumam fazer propagandas, no início do ano, sobre os altos índices de aprovação de seus alunos nos vestibulares de todo o País”, ressaltou o presidente do Ibedec, Wilson Rascovit.
Lei assegura ingresso no ensino superior com diploma
O Conselho Estadual de Educação (CEE) se manifestou contra a aceitação de alunos que não concluíram o ensino médio nas universidades. O CEE já debateu o assunto e a conclusão foi de que é necessária a conclusão do ensino médio antes do aluno entrar na faculdade. A visão da entidade é que a aprovação no vestibular não significa que o estudante esteja apto ao ingresso. “A prova é um fator importante, mas o que vale é a aprendizagem do estudante. Por isso é preciso completar a formação”, afirmou o presidente do CEE, professor José Geraldo de Santana Oliveira.
Para o professor, as instituições de ensino superior não deveriam abrir espaço para avaliação de alunos com ensino médio incompleto. Somente os chamados treineiros, que são os que prestam vestibular antes de concluir o ensino médio, como forma de ganhar experiência. Mas essa abertura precisa ficar condicionada ao não ingresso do aluno, independente do resultado que ele venha conquistar. “As instituições federais dão essa abertura, mas se houver aprovação o estudante não é aceito”, disse Santana Oliveira.
LDB
O assunto é polêmico e é tratado na Lei de Diretrizes Básicas da Educação (LDB), no artigo 44. No texto está assegurado o ingresso de estudantes nas universidades, quando esses tiverem em mãos o diploma de conclusão do ensino médio. Alguns magistrados se baseiam nesse artigo para emitir sentenças. Fato assim aconteceu no Estado do Pará, quando uma procuradora defendeu que, autorizar o ingresso de alunos com pendências na escola é ficar em desacordo com a lei estabelecida. Além disso estaria prejudicando outros estudantes que seriam privados de ingressar no ensino superior, mesmo preenchendo todos os requisitos necessários.
O presidente do CEE concorda com o artigo 44 da LDB. Para ele, a regra deve ser seguida para todos e mudar a legislação é desnecessário. “A LDB não deve ser alterada. A conclusão é fundamental para a formação do aluno, que inclui exercício da cidadania”, afirmou José Geraldo Santana de Oliveira.
Mas a própria LDB abre brechas para que qualquer aluno possa ser reclassificado. O artigo 24 da lei, diz que a classificação de estudantes pode ser feita em qualquer etapa, exceto na primeira do ensino médio, e que o aluno pode ser inserido em uma nova série por promoção para aqueles que tiveram bom aproveitamento em etapa anterior, para quem chega transferido de outra instituição, e através de verificação de aprendizado, que é a aplicação de uma prova.
UFG
A Universidade Federal de Goiás (UFG) afirma que só efetua a matrícula de novos alunos quando estes apresentam o certificado de conclusão do ensino médio. Segundo a instituição, ela não pode considerar a forma utilizada pelo futuro aluno para conquistar o documento, seja cursando regularmente o ensino médio ou fazendo uma avaliação de requalificação.
Na opinião da pró-reitora de graduação da UFG, Sandramara Matias, infelizmente quem deixa de passar por todo o processo de formação do ensino médio deixa de concluir etapas importantes. Todas as fases fazem parte do amadurecimento e levam habilidades e conhecimentos aos futuros universitários. Ainda segundo a pró-reitora, o reflexo disso são universitários cada vez mais imaturos que muitas vezes causam evasão nas IES porque perdem a vontade de concluir o curso escolhido quando muito jovem.
Sandramara Matias diz que alunos com o ensino médio incompleto deveriam, apenas, fazer o vestibular, mas como treineiros, uma maneira deles fazerem uma avaliação dos conhecimentos. “Quando eles fazem a prova e não optam por ser treineiros, isso causa toda essa confusão”, concluiu a pró-reitora.
Particulares
O Sindicato das Escolas Particulares do Estado de Goiás (Sepe-GO) informou que as instituições de ensino particular somente cumprem as decisões judiciais. Apesar disso ela não concorda com a reclassificação de estudantes. Para o presidente da entidade, Alexandre Umbelino Sousa, esses estudantes têm competência, mas falta maturidade, até mesmo para decidir o curso que deve escolher.
Ele diz que o Sepe não vê a antecipação de conclusão do curso de forma simplista como pais e alunos encaram. Orientações são passadas às partes interessadas para que reflitam. “Daqui a pouco aluno do primeiro ano, vai prestar vestibular, vai passar e também vai requerer a requalificação”, disse Alexandre Umbelino Sousa.
PEDAGOGIA
Segundo a psicopedagoga em Educação pela Universidade de São Paulo, a professora Maria das Graças Fleury Curado, as empresas não buscam somente um profissional com diploma na mão. Elas querem pessoas que vão transmitir confiança e comprometimento. “E isso o jovem não conquista na universidade e sim no dia a dia, com experiência de vida”. Ela diz que existem jovens maduros, corretos e com princípios, mas esse número é pequeno.
A especialista em educação afirma que os jovens de hoje estão buscando valores, que na verdade não passam de ilusão e acrescenta que um ano de maturidade a mais é um diferencial. “Quem chega ao mercado de trabalho com diploma mas sem experiência de vida é descartado e como não tem maturidade para lidar com essa situação, fica frustrado”, diz Maria das Graças.