[UFG Fonte] O desequilíbrio das rodas (Tribuna do Planalto, 28/0711)
O desequilíbrio das rodas
Com o desordenado trânsito da capital, a mobilidade urbana é pouca, como a dificuldade do ciclismo nas ruas
DIVERSOS GRUPOS JÁ SE ORGANIZAM NA CAPITAL PARA REIVINDICAR DIREITOS E DISCUTIR A MOBILIDADE URBANA; ELES QUEREM CICLOVIAS E A CONSCIENTIZAÇÃO SOCIAL PARA O USO DE BICICLETAS NA CIDADE
Os moradores de Goiânia vivem no trânsito caótico. A capital de Goiás cresceu tanto que o número de carros aumentou. Segundo dados recentes da frota nacional, há um automóvel a cada 1,6 habitantes, perdendo apenas para Curitiba e Ribeirão Preto. No dia primeiro de julho, Goiânia atingiu um milhão de veículos registrados. A frota pode quase dobrar até 2020, chegando a 1,7 milhão de automóveis.
Num espaço pouco planejado, o número de acidentes cresce e as alternativas são poucas. Ou os moradores goianos apelam para os transportes públicos, que também possuem diversos problemas, ou recorrem à única solução cabível, que está mudando a dinâmica social e urbana de várias capitais nacionais e internacionais, a bicicleta.
Em diversas cidades, é crescente a incorporação de ciclovias nas estruturas urbanísticas. Em 2001, o Ministério das Cidades registrou 60 cidades com cerca de 250 km de ciclovias. Já em 2007, o número aumentou para 279 cidades que somavam aproximadamente 2.505 km de ciclovias.
Em Goiânia, os moradores que optam por andar de bicicleta enfrentam diversos problemas relacionados à falta de educação, fiscalização e infraestrutura no trânsito. É um verdadeiro perigo pedalar nas ruas da cidade.
Paulo Ribeiro, ciclista desde os oito anos, vê a capital goiana como um verdadeiro percurso radical de provas de ciclismo. “Você encontra tudo nas ruas daqui, buracos, asfalto mal feito, má sinalização e falta de educação por parte dos motoristas. É como se fosse uma prova de aventura cotidianamente.”
Ribeiro vai todos os dias para o trabalho de bicicleta e afirma ser o principal meio de transporte utilizado por ele. “Mesmo com todos os problemas de infraestrutura, a bicicleta é uma ótima forma de chegar mais rápido nos lugares, porque o trânsito de Goiânia está insuportável. Além de ser ecologicamente correto, é um bom exercício físico.”
O ciclista conta que já presenciou graves acidentes por diversos motivos, quase sempre pelo excesso de fluxo no trânsito. “Eu nunca sofri acidente, mas muito dos meus amigos já foram atropelados. A sorte é que sempre usamos os equipamentos de segurança obrigatórios, como o capacete, luvas e farol dianteiro.”
Somente em 2011, o Hospital de Urgências de Goiânia já registrou 274 atendimentos a ciclistas feridos. Nos dois últimos anos, o Hugo atendeu 2.866 ciclistas acidentados. De acordo com estatística do Detran, 37 morreram.
O caso mais recente de morte foi o do ciclista Walter Rodriges Pereira, atropelado no dia 18 de junho. O goiano pedalava com alguns amigos que transitavam pelo acostamento na GO-020 sentido Bela Vista a Goiânia, quando um carro colidiu com a traseira dos ciclistas.
Pereira tinha 41 anos e integrava o grupo Os Goiabas, que prioriza o lazer por pedalar. Empresário do ramo de informática, possuía o hábito de fazer o percurso Goiânia- Bela Vista. Iraídes, a mulher que atropelou Walter, dirigia o carro com duas crianças no banco de trás, e não fugiu. O laudo médico registrou que ela não estava alcoolizada.
A Agência Municipal do Trânsito (AMT), órgão municipal responsável pelas autuações e infrações cometidas, já chegou a fiscalizar ciclistas que se aventuram a pegar carona na traseira dos ônibus de transporte coletivo. A famosa prática é chamada de rabeira.
O diretor de fiscalização, Vicente Mendonça, garante que a AMT realiza trabalhos educativos voltados para os ciclistas. Para ele, o ciclista precisa entender que é um dos elementos mais frágeis do trânsito. “A AMT atende apenas ocorrências sem ferido.” Em todo caso, todo mundo sabe que o motorista tem sua cota de responsabilidade, e também tem de compreender a fragilidade do ciclista.
Mendonça ainda ressalta que a maioria dos ciclistas tem conhecimento do que é certo e errado. “Mesmo assim, muitos ainda pegam rabeira e andam sem os equipamentos de segurança necessários.” Alguns deles, como refletores, campainha e espelho retrovisor, são indispensáveis para a segurança e sobrevivência no trânsito, e têm sua necessidade estabelecida por lei.
A cidade com a vida nas mãos
Atualmente, diversos setores públicos e privados concentram esforços para uma melhor análise e profundidade na questão da mobilidade urbana. Goiânia, por exemplo, é conhecida pela sua qualidade de vida, mas registra um notório crescimento populacional que já vem causando a dificuldade de deslocamento, e isso reflete no bem estar social.
A arquiteta e urbanista em Transportes Públicos e professora da Universidade Federal de Goiás (UFG), Erika Cristine Kneib, argumenta que a as grandes cidades de outros países já amadureceram conceitos de mobilidade.“Algumas metrópoles chegaram a soluções que valorizam o transporte coletivo e não motorizado, em detrimento do modelo que o Brasil insistem em incentivar: o automóvel.”
Mestre e doutora na área, Erika diz basicamente que a discussão do tema afeta toda a população, desde o pedestre, até o usuário do automóvel. “É necessário trabalhar a cidade coletiva, voltada à melhoria da qualidade da vida urbana. Toda a sociedade precisa se engajar nessa discussão e estar ciente desse processo de transformação da cidade.”
Para Erika, o grande desafio é a mudança de paradigma, que se relaciona à cultura e aos hábitos dos brasileiros e dos goianos. A prefeitura precisa ser capacitada e atuar em prol de uma cidade coletiva. Inclui-se também a melhoria da mobilidade, em bases sustentáveis. “Só assim podemos pensar em iniciar um sistema de mobilidade urbana consciente e com qualidade de vida.”
Ela afirma que a capital de Goiás deve fazer um exercício de conscientização, principalmente no trânsito. “Para a melhoria da mobilidade é indispensável uma gestão municipal eficiente, não só da mobilidade, como também de todas as políticas públicas que impactam e são por ela impactadas: trânsito, transporte, uso do solo, educação, segurança, dentre outras.”
As bicicletas seriam uma nova forma de bem estar social e melhoramento no trânsito goianiense. “Para fomentar e implementar uma política que favoreça o uso de bicicletas em Goiânia, é necessário mudar o paradigma e a prioridade do veículo motorizado individual, aliado à medidas para sua restrição; e ao mesmo tempo oferecer condições para a utilização, com qualidade e segurança, das bicicletas”, ressalta a doutora.
A capacitação e educação da população é uma das prioridades vistas pela doutora. Segundo ela, os habitantes devem ser capazes de aceitar e até apoiar alterações pontuais na cidade, em prol da melhoria da mobilidade e da qualidade de vida coletiva.
“São alterações que serviriam como um processo de investimento maciço e valorização dos modos coletivos e não motorizados, dando novas oportunidades de deslocamentos para a população, com qualidade, que não o automóvel”, aponta a doutora.
As mudanças
Em Goiânia, diversos grupos se organizam para reivindicar alguns direitos e promover discussões sobre mobilidade. Os principais objetivos dos grupos são conscientizar o uso da bicicleta como meio de transporte e lutar pela implantação de ciclovias em Goiânia.
Em junho de 2010, o grupo Pedal Goiano foi criado pelos ciclistas Eduardo Costa Silva e Fernando Accioly, por meio do perfil no twitter @pedalgoiano. Eles lutam para a conscientização do uso da bicicleta, contra as disparidades do uso excessivo dos carros e pela iniciação das criações de ciclovias na capital.
O grupo promove passeios por Goiânia. Em cada encontro, os adeptos às ideologias crescem. Só na primeira semana da criação do twitter, havia mais de 100 seguidores. Hoje, o grupo possui mais de 1200 pessoas que participam ativamente das reivindicações sociais. Além do twitter, ainda há o site, o blog e a página no facebook para o acompanhamento das informações.
Segundo Accioly, a capital não tem estrutura alguma para que o goiano pense em trocar o carro e usar a bicicleta como meio efetivo de transporte. “Com o trânsito do jeito que está, é muito perigoso sair pedalando por aí. Eu mesmo, que vou trabalhar de bicicleta, vejo e sinto na pele o risco de pedalar pelas ruas da nossa cidade.”
Ele acredita que Goiânia só vai mudar quando os meios de transportes alternativos restringirem e dificultarem o acesso dos carros. “Vi essa experiência em Barcelona, na Espanha. A cidade tem ciclovias por toda parte. No centro, os estacionamentos são caríssimos. Só que lá os transportes públicos são bons e funcionam.”
Goiânia começa a investir em ciclovias
A prefeitura de Goiânia lançou no dia 31 de março deste ano o projeto para a criação da ciclovia que liga o Jardim Guanabara à Praça da Bíblia. A iniciativa tem como finalidade trazer para a capital uma melhor qualidade de vida e acabar com o caos do trânsito nos setores correspondentes.
Além da nova ciclovia da capital, se tornou definitivo desde 28 de março de 2010 o projeto da Ciclovia de Lazer de Goiânia. Nos últimos domingos de cada mês, das oito horas ao meio-dia, os ciclistas têm espaço reservado nas vias que ligam os parques Areião, Flamboyant e Vaca Brava. A ciclovia entrou oficialmente para o calendário de lazer goianiense.
Um exemplo de projetos que funcionam bem é o do Rio de Janeiro, que conta com 167,4 quilômetros de ciclovias implantadas e 200 quilômetros projetados.
Outros exemplos ficam mais perto de Goiás, como o do Distrito Federal, que desenvolveu um programa de 610 quilômetros de ciclovias.
Segundo o ciclista Paulo Ribeiro, é necessário antes de tudo, uma real conscientização por parte dos motoristas e também dos ciclistas. “Se os ciclistas não respeitarem também as leis de trânsito e não usarem os equipamentos obrigatórios, não haverá uma mudança efetiva no convívio social.”
A arquiteta Erika Cristine Kneib, da Universidade Federal de Goiás, vê a bicicleta como um modo positivo para melhorar a qualidade de vida da cidade. Mas para ela, não bastam apenas a criação de ciclovias. “É necessária toda uma infraestrutura cicloviária, que abrange desde o tratamento adequado para a circulação das bicicletas, como ciclovias, ciclofaixas, percursos em rede, paraciclos, bicicletários, sinalização vertical e horizontal.”
Para Erika, a educação da população e a fiscalização são elementos primordiais que necessitam de maior atenção. “É necessário garantir não só espaços adequados aos ciclistas, mas também respeito e segurança a eles. Além disso, todos têm de cumprir a legislação.”
Em Copenhague, capital da Dinamarca, por exemplo, a preferencial no trânsito dos veículos motorizados é sempre dos ciclistas. São 350 quilômetros de ciclovias com semáforos exclusivos. Cinquenta e cinco por cento da população vão de bicicleta para o trabalho todos os dias.
Apenas 11% das pessoas priorizam os automóveis. As outras porcentagens se dividem em transporte público (22%) e à pé (12%). É uma questão histórica que reflete nos dias de hoje. Estima-se ainda que 95% dos moradores da capital possuem bicicleta própria.
Copenhague é um exemplo de cidade com um trânsito reestruturado. É modelo para várias gestores públicos no mundo inteiro. Como O Brasil também tem seus exemplos, Goiânia pode observar vários modelos, dentro e fora do país, para melhorar sua mobilidade e criar condições para as ciclovias.