[UFG] Ciência de verdade (Tribuna do Planalto, 19/08/2011)

 

Ciência da verdade

Professora goiana conquista prêmio da Fundação Victor Civita com trabalho sobre Carlos Chagas

Rafaela Ferro

Os  alunos têm orgulho de falar que pertencem àquela turma, fazem questão de dizer que aquela professora e aquele projeto fazem parte da trajetória deles. O entusiasmo da educadora com os seus dois 5º anos não é menor.
Uma escola ideal? Não apenas. Uma escola real, onde Ciência é conteúdo programático, mas é também interessante por ser aplicada na prática.
Uma Ciência que ganha a admiração dos estudantes, que a veem de forma personificada em um famoso sanitarista.  
A descrição acima é o resultado do projeto “Carlos Chagas: um Cientista Brasileiro”, desenvolvido por Flávia Pereira Lima no Centro de Ensino e Pesquisa Aplicada à Educação (Cepae), escola de Educação Básica da Universidade Federal de Goiás (UFG).
Por esse projeto, a professora receberá no dia 17 de outubro R$15 mil pela classificação na fase final do prêmio Educador Nota 10, da Fundação Victor Civita.
Para os avaliadores da fundação, a proposta foi a melhor do país na área de Ciências.
Flávia não esperava esse resultado quando se inscreveu. Ela diz que o prêmio não era o objetivo inicial do trabalho em questão. Sua intenção era fazer com que as crianças tivessem uma visão mais adequada da Ciência e dos cientistas.
“No ano passado, pedi para os alunos desenharem um cientista e me assustei com o resultado. Os desenhos traziam imagens muito estereotipadas”, lembra.
A solução? Lecionar por meio do uso instrumental da história da Ciência, colocando o estudante no lugar do cientista. Assim os alunos enfrentaram os mesmos dilemas que Carlos Chagas quando ele ainda trabalhava na descoberta da doença que leva seu nome.
“Eles elaboravam hipóteses e buscavam pistas para resolver o mistério que o cientista resolveu”, explica a professora.
A professora escreveu um pequeno livro sobre Chagas e cada estudante pôde construir o seu, similar ao que foi apresentado por ela inicialmente. “Esse livro tinha vários capítulos, que eu trabalhei com os alunos como novelinha”.
A partir daí se desenvolveu toda a dinâmica pedagógica do projeto.“Cada dia nós líamos alguns capítulos, descobríamos algumas pistas e eles faziam as atividades”.
Segundo Flávia, ao final de cada aula permanecia um suspense. “Eles ficaram interessadíssimos. Eu terminava a história em um ponto e eles ficavam curiosos até a próxima aula”.        
À medida que, na história, o cientista fazia descobertas, as crianças também iam descobrindo, até chegar à tríplice descoberta do sanitarista. “O Chagas é muito bacana porque, além da doença, descobriu o vetor, que é o barbeiro, e o causador da doença, o Tripanossoma Cruzi”.
A professora completa que escolheu o cientista por sua história instigante e pelo uso do passo a passo na metodologia de pesquisa. Só com isso a proposta já estava pronta. O que não indica que foi um trabalho fácil. “Isso exige muita pesquisa de história”, ressalta.
Outro grande trabalho foi transformar tudo em aprendizagem. O motivo? Com a palavra, a professora: “Divulgação científica é tornar o conhecimento acessível para que os estudantes possam compreender”.

Reconhecimento na escola

O projeto “Carlos Chagas: um Cientista Brasileiro” foi desenvolvido no primeiro semestre de 2011. Sua idealizadora, Flávia Pereira Lima, afirma que cada turma teve 25 aulas sobre o assunto.
Aulas que mudaram a forma de os alunos verem os cientistas.A professora comenta que o interesse das crianças, que já era bom, cresceu muito.
“Aqui não podemos reclamar de desinteresse dos alunos. É só conseguir canalizar a energia deles para a sala de aula, que a atividade é um sucesso”.
A classificação no prêmio Educador Nota 10 é uma prova disso. Flávia foi a única goiana entre os 55 finalistas. O motivo ela não sabe responder. Mas propõe hipóteses, como boa cientista: talvez os professores não tenham tempo para sistematizar seus projetos ou não conheçam a premiação.
Para ela, todos os educadores deveriam participar. E ainda sugere: no site do prêmio há dicas que auxiliam os interessados a fazerem seu próprio projeto.
 Dificuldade? Flávia, pelo menos, parece não ter encontrado. Animada, mesmo grávida, ela já começa a planejar os próximos passos para o projeto: pesquisa na internet, trabalho conjunto com a professora de Português... E não tem tema difícil.
O assunto Carlos Chagas não seria muito complicado para crianças do 5º ano do Ensino Fundamental? Nada! “É possível explicar tudo para a criança, desde que você se proponha a isso. Eu me propus a explicar a partir de uma história, porque crianças gostam de narrativas”, justifica.
O trabalho mais difícil foi fazer a adaptação da linguagem. Com a ajuda ilustre de Carlos Chagas, a professora ensinou sobre malária, insetos, transmissão de doenças, protozoários e tantos outros assuntos.
O primeiro principal foi a aprovação dos alunos. “Eles se sentem donos do projeto também, ficaram muito orgulhosos”. Só que agora, cientista para eles, só da área de Medicina. Mas eles ainda terão tempo de conhecer muitos outros Carlos Chagas.

Educador Nota 10

1878
Nasce no dia 9 de julho, na zona rural do município de Oliveira, interior de Minas.

1903
Conclui sua tese de doutorado: “Estudo Hematológico do Impaludismo”, sobre o ciclo evolutivo da malária na corrente sanguínea.

1907
Inicia, no norte de Minas Gerais, pesquisa relacionada a um novo protozoário, que mais tarde seria conhecido como Trypanosoma Cruzi.

1910
É promovido a chefe de serviço do Instituto de Patologia Experimental de Manguinhos, comandado por Oswaldo Cruz. No mesmo ano, torna-se membro honorário da Academia Nacional de Medicina (foto).

1913
Participa de expedição ao vale do Amazonas, onde faz levantamento médico-sanitário das condições de vida da população e encaminha o documento ao governo federal. É indicado ao Prêmio Nobel de Medicina pela primeira vez.

1918
Chefia a campanha contra a epidemia de gripe espanhola que havia contaminado dois terços da população do Rio de Janeiro.

1921
É nomeado Doutor Honoris Causa, da Universidade de Harvard. Foi o primeiro brasileiro a obter esse título. No mesmo ano, foi indicado ao Prêmio Nobel de Medicina pela segunda vez. Novamente sem êxito.


Linha do Tempo

Vida e obra de Carlos Chagas

Carlos Justiniano Ribeiro Chagas. Este é o nome do médico mineiro que deixou grandes contribuições para a área de saúde pública. Bacteriologista e sanitarista, ele foi o único cientista a descrever completamente uma doença infecciosa. Confira a sua trajetória:

1897
Ingressa na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro.

1905
Recrutado por Oswaldo Cruz, realiza a primeira ação bem-sucedida contra a malária no Brasil, em Itatinga (SP).

1909
Descobre uma nova doença, a Tripanossomíase Americana, que ficaria conhecida como Doença de Chagas. Seu trabalho foi o primeiro e único a descrever completamente uma doença infecciosa, relatando anatomia patológica, meio de transmissão, etiologia, formas clínicas e epidemiologia.

1912
Seu trabalho é reconhecido com o Prêmio Schaudinn, do Instituto de Moléstias Tropicais de Hamburgo, da Alemanha, concedido ao melhor estudo em Protozoologia.

1917
Após a morte de Oswaldo Cruz é nomeado diretor do Instituto Manguinhos, onde atuou principalmente na investigação de epidemias que atingiam a zona rural brasileira.

1919
É nomeado pelo presidente Epitácio Pessoa para reorganizar a saúde pública nacional, frente ao Departamento Nacional de Saúde Pública.

1934
Morre no dia 8 de novembro, aos 56 anos, no Rio de Janeiro. Causa: infarto do miocárdio.