Agente transformador

Agente transformador

 

Antes, o caminho pa­recia definido. Com a con­clusão do ensino médio, o jo­vem in­gre­s­sava na faculdade, e o a­ma­durecimento propiciado pela experiência e também pela entrada no mercado de trabalho decretava a saída definitiva da casa dos pais e, por conseguinte, a formação de um novo núcleo familiar.
A precocidade dos jovens, no entanto, deixa claro que algumas pedras surgiram nesse caminho, que, de acordo com o sociólogo Flávio So­fiati, tem sido dificultado por vários fatores. Entre eles, a educação deficitária, a falta de emprego e o envolvimento com das drogas, que ultrapassa o sentimento de experimentação presente na juventude. “Estar à margem da sociedade contribui com a fuga para os entorpecentes”, analisa.
Ele ressalta que a conduta do jovem é um reflexo da sociedade, que, atualmente, passa por uma crise em diversas dimensões: econômica, política, cultural e afetiva. “É a juventude que sofre esses impactos. Quando o índice de desemprego é alto em um país, por exemplo, normalmente, os mais afetados são as pessoas nessa faixa etária”, compara.
Sofiati alerta, no entanto, que os jovens não podem ser vistos como um espelho do meio em que vivem porque não apenas recebem os impactos do status quo, mas contribuem  para as mudanças geradas na sociedade. “Em muitos casos são o principal agente da transformação. Temos visto o debate em torno da liberalização da maconha e a juventude é a principal protagonista”, exemplifica.
O sociólogo lembra que as novas tecnologias possibilitaram o acesso fácil a informação, assim, o jovem pode comparar os ensinamentos que recebe em casa com aquilo que está disponível em outros meios, como a internet. “A perspectiva atual de individualização conduz o jovem para um cenário de eleição daquilo que melhor lhe agrada, lhe convém e que melhor combina com os seus sentimentos”, afirma.
A mudança de configuração da família brasileira também impõe novos desafios. “Hoje em dia é comum filhos de pais separados, adolescentes e jovens que convivem com duas famílias, a nova família do pai e da mãe.”

Sexo e drogas
Liberdade reivindicada e experimentada por meio do uso de drogas e do sexo. Para Sofiati, o uso excessivo de en­tor­­pecentes e  pratica sexual de­­senfreada são fruto de uma so­ciedade hedonista e ego­cêntri­ca, permeada por indivíduos que buscam o  prazer pessoal em detrimento do bem co­mum. A juventude, de acordo com ele, foi ensinada pela própria sociedade a agir assim.
“Os jovens não são um problema social. Na verdade, é a sociedade que não tem conseguido resolver os seus problemas centrais, mantendo a juventude marginalizada por um sistema que não sabe incluir.” A saída seria exigir dos adultos a inclusão daqueles que ainda não fazem parte do mundo contemporâneo.
No entanto, para que isso ocorra, é preciso compreender o jovem como um ser autônomo, que vivencia uma fase de profundas transformações em sua vida, especialmente ao passar da puberdade para a adolescência. “Desse modo, vale mais o diálogo e convencimento do que o castigo e violência”, ensina Sofiati.
Ele ressalta que o problema da sociedade atual não é o ingresso precoce na vida sexual ou o uso de drogas, mas a cultura hedonista que impera não só no universo jovem, mas em todo o mundo moderno. “Muitos excessos devem ser repensados na vida urbana: de trabalho, e de consumo, de busca por dinheiro e por poder.”
A cultura da competição também deve ser combatida. O sociólogo acredita que a pressão exagerada para que o jovem seja sempre melhor do que os outros de sua idade não é saudável e pode atrapalhar a sua formação. Ele compara a situação vivida atualmente com as crises ultrapassadas pelas sociedades mais remotas, “que permaneceram de pé porque cooperaram”.
Dessa maneira, se integrado, o jovem pode contribuir com a sociedade. “Suas po­ten­cialidades estão sendo mal aproveitadas. A juventude é vista como problema, mas, em muitos casos, pode ser a solução”, defende Sofiati. Ele cita as empresas de desenvolvimento de novas tecnologias da informação, como Apple e a Microsoft, como exemplos de integração.
“Em seus setores de criação, a maioria dos funcionários são jovens. Mas no Con­gresso Nacional, por exemplo, quantos jovens representam as novas demandas sociais?”, questiona. O sociólogo critica ainda o desinteresse do poder público pela juventude. De acordo com Flávio Sofiati, caberia a esse setor da sociedade garantir a integração do jovem, por meio de educação de qualidade e do ingresso no mercado de trabalho.
Amor e ódio
Mães, empresários e estudantes. Os jovens não são precoces apenas na iniciação da vida sexual, nos negócios e nos estudos. Pesquisa realizada por professores da Uni­ver­si­dade Federal de Santa Ca­ta­rina (UFSC), aponta que, no contexto das relações afetivas, a juventude também age de maneira prematura. Pelo me­nos no quesito violência.
De acordo com o trabalho, que investigou as relações afetivo-sexuais de “ficar” ou namorar entre jovens de 15 e 19 anos, estudantes de escolas públicas e particulares de 10 capitais brasileiras, as meninas são as principais vítimas e agressoras de violência verbal. Já no quesito violência física, que inclui chutes, tapas, puxão de cabelo e empurrão, os me­ni­nos são os maiores agredidos: 28,5% das garotas admitiram agredir fisicamente o parceiro, enquanto 16,8% das meninas fazem o mesmo.  
Quase 30% dos entrevistados disseram chantagear o parceiro, seja provocando medo, seja ameaçando destruir algo de valor. Mais de 24% admitiram ser vítimas dessa prática. As meninas ameaçam mais do que os garotos: 33,3% das garotas consultadas assumiram a prática, enquanto 22,6% dos meninos disseram chantagear as parceiras.
O estudo, realizado entre 2007 e 2010, a pedido do Centro Latino-Americano de Estudos da Violência e Saúde Jorge Careli (Claves/Fiocruz), foi publicado pela Editora Fiocruz, no livro Amor e violência.

Doutorado antes dos 30

Dezembro foi um mês especial para a professora de Comunicação Ceiça Ferreira (27 anos). Aprovada em duas seleções para o doutorado -  na Faculdade de Artes Visuais da Universidade Federal de Go­iás (Fav-UFG) e na Fa­cul­da­de de  Comunicação da Uni­versidade de Brasília (Fac-UnB) – ela ainda lançou seu primeiro livro.
Laroiê! Representações do Candomblé e da Umbanda no cinema brasileiro é fruto de sua dissertação de mestrado. “Acredito que essa conquista é resultado de muitos anos de estudo e dedicação”, pondera Ceiça, que agora vai se dedicar aos estudos sobre a representação do feminino negro nas películas nacionais. A trilha até a pós-graduação foi construída pouco a pouco.
Em 2001, quando cursava o ensino médio na Fundação Bradesco, em Aparecida de Goiânia, Ceiça ficou em 2° lugar no Prêmio Jovem Cien­tis­ta (PJC), promovido pelo Conselho Nacional de De­sen­volvimento Tecnológico e Ci­entífico (CNPq). “Nosso projeto era bem simples. Um grupo de estudantes se reunia nos fins de semana para se preparar para o vestibular, porém, aos poucos, conseguimos envolver também os professores”, lembra.
Com o reconhecimento, ela recebeu também  o primeiro computador, um incentivo para seguir a vida acadêmica.  En­tre­tanto, o maior auxílio  veio dos seis irmãos e da mãe, Maria de Lourdes Ferreira. “Mesmo com pouca escolaridade, ela sempre me apoiou e disse que os estudos são o meu maior tesouro.” Ceiça acredita que  os pais  são elemento fundamental para o êxito da vida acadêmica do jovem.
Com a própria experiência, eles podem orientar os filhos, especialmente na adolescência e na escolha da profissão. Com o fim do ensino médio, aos 17 anos, Ceiça ingressou no curso de Rádio e TV da UFG, extinto posteriormente. “Tinha interesse em estudar Cinema, com o fim desse curso, me formei em Jornalismo”, conta.
Em 2007, fez especialização em docência em História e Culturas Africanas e Afro-Americanas, pela Universi­da­de Estadual de Goiás (UEG). No ano seguinte, um no­vo desafio: o mestrado na Facu­ldade Comuni­cação e Biblio­te­­conomia (Facomb) da UFG.
“Foi uma experiência maravilhosa que me possibilitou confirmar a escolha pela docência”, ressalta.
Com o fim dessa fase, a jovem alcançou uma nova conquista acadêmica e profissional. “Na semana seguinte à minha defesa da dissertação, em março de 2010, já estava trabalhando como professora substituta na própria Faco­mb.”  A dedicação aos estudos, entretanto, nunca atrapalhou a jovem a desenvolver atividades sociais e a ter amigos.
Ela destaca, entretanto, que, em alguns momentos, foi necessário fazer escolhas. “É preciso, por exemplo, ficar em casa escrevendo um artigo  ao invés de ir para uma festa, mas o amigo de verdade entende essa opção.” Para Ceiça Ferreira, o jovem precisa conciliar diversão com conhecimento e desenvolvimento intelectual.
Segunda ela, juventude não é sinônimo de irresponsabilidade. “O jovem tem de aproveitar essa fase para se divertir, ir as festas, cultivar boas amizades e viajar, mas também decidir o futuro e fazer com que isso realmente se realize, pois tudo acontece muito rápido”, analisa.