O vilão do orçamento doméstico
A autônoma Lulena Vilela de Borba, 65 anos, levou um susto quando, no final de abril, foi a um supermercado de Goiânia e teve que pagar R$ 11 pelo quilo do feijão. Apesar de morar sozinha e consumir pouca quantidade do alimento, com medo dos valores subirem mais, ela resolveu estocar o produto.
Só na última semana, Lulena comprou cinco quilos de feijão, dessa vez em outro supermercado. “O preço precisa baixar. Muitas famílias são grandes, consomem mais e, no final do mês, fica muito caro”, opina.
A reação da autônoma foi a mesma de muitos goianienses, conforme mostra o Índice de Preços ao Consumidor (IPC-Goiânia) de abril, apurado pela Superintendência de Estatísticas, Pesquisa e Informações Socioeconômicas da Secretaria de Gestão e Planejamento (Sepin/Segplan).
O feijão carioca apresentou uma variação de 21,27% e foi o item do grupo de alimentação que mais pressionou a inflação na capital. Em abril, o custo de vida aumentou 1,01%, taxa muito superior a registrada em março, que foi 0,21%.
Naquele mês, o quilo do feijão era vendido, em média, a R$ 4,42, e no mês seguinte passou a ser comercializado por R$ 5,36. No acumulado do ano, o produto registrou alta de 55%, a mais expressiva entre os itens pesquisados.
“Acreditamos que R$ 7 é o preço máximo que o produto pode atingir, pois a queda no consumo acaba freando a subida de valores. Assim, o preço estabiliza e começa a descer”, detalha o gerente de Pesquisas Sistemáticas e Especiais, Marcelo Eurico de Sousa.
A explicação para a elevação dos valores ao consumidor está na quebra da primeira safra de 2012, colhida em janeiro. Segundo dados da Companhia Nacional Abastecimento (Conab), a produção foi 20% abaixo do esperado, com queda de 340 milhões de toneladas em todo o Brasil.
O Sul, região que abriga a maior produção de feijão do país, em especial o Paraná, colheu 33% a menos, e o Nordeste, menos 28%. A Associação Goiana dos Supermercados (Agos) também aponta os baixos estoques do governo federal como uma das causas para o aumento do preço ao consumidor. Na primeira semana deste mês, apenas 1,3% dos estoques públicos da Conab era destinado ao feijão, enquanto cerca de 38% eram ocupados por arroz, 32% por milho e 25% por trigo.
Redução
O pesquisador da Embrapa Arroz e Feijão, Alcido Elenor Wander, lembra que o tipo carioca, o mais consumido e produzido no Brasil, não tem mercado externo que permita compensar excessos ou falta de oferta. “Por isso o preço oscila muito”, justifica, ressaltando que países vizinhos como a Bolívia e o Paraguai estão tentando produzir a variedade para vendê-la ao Brasil.
A Federação da Agricultura e Pecuária de Goiás (Faeg) prevê que os preços regridam a partir do início do segundo semestre, com a colheita da segunda safra de feijão no Sul e no Centro Oeste. A estabilização, entretanto, deve demorar.
“Esse é um mercado assimétrico. Com a queda na produção, os prejuízos do produtor rural são repassados imediatamente ao consumidor, em forma de aumento dos preços. Já a queda dos valores é um pouco mais lenta”, explica o assessor técnico da Faeg para a área de cereais fibras e oleaginosas, Leonardo Machado.
Na opinião de Wander, a queda mais acentuada deve ocorrer por volta de setembro ou outubro, com a colheita da terceira safra. Ele lembra que o cenário atual estimula a produção do alimento e, em vista disso, as áreas de cultivo devem ser aumentadas. Nesse mês, o preço da saca de 60 quilos de feijão atingiu o valor mais alto nos últimos quatro anos, descontada a inflação.
O tipo mais consumido, o carioca, passou de R$ 192,50 para R$ 205 - alta de 6,49%, conforme levantamento da Coordenação de Pesquisa Mercadológica da Gerência de Informações Econômico-Fiscais da Secretaria da Fazenda (Gief/Sefaz).
O feijão amarelo, aporé, caupi (vigna), emgopa, pérola e roxo registraram a mesma alta. Já o tipos jalo, rajado e rosinha passaram de R$ 185,00 para R$ 195,00, alta de 5,29%. O feijão preto de R$ 95,00 para 97,50, alta de 2,63%, e o feijão branco, manteve mesma cotação anterior, ou seja, R$ 135,00.
Inflação em alta
Se o preço da saca do feijão bateu recorde, a inflação em Goiânia não ficou atrás. Em abril, contrariando as expectativas dos pesquisadores da Segplan, que previam o índice em torno de 0,4%, a taxa chegou a 1,01%. O grupo da alimentação – em especial o item feijão – as despesas pessoais, a habitação e e os gastos comunicação contribuíram para o aumento do índice.
No grupo alimentação, o item leite tipo C Longa Vida registrou acréscimo de 4,19%. Além do pulmão, o bolso de quem fuma também está sofrendo. O principal responsável pela elevação de 4,78% no grupo despesas pessoais foi o cigarro, reajustado em 21,7%.
Já o aumento do aluguel residencial (0,99%) e do gás de cozinha (1,77%) pressionaram o grupo habitação, que variou 0,72%. Os reajustes nas tarifas de telefone celular pós-pago (13,79%), do telefone fixo residencial (0,20%) e do cartão telefônico para telefone público (8,33%) provocaram variação de 2,09% no grupo comunicação.
A superintendente de Estatísticas, Pesquisa e Informações Socioeconômicas, Lillian Maria Silva Prado, explica que o reajuste desses itens afeta diretamente o grupo pesquisado pela Sepin/Segplan, que possui renda de entre um e cinco salários mínimos.
Lillian destaca que a inflação em abril só não foi maior porque dentro do grupo alimentos alguns itens, como as frutas, registraram queda. A banana maça teve variação de -14,06%, a banana prata -10,84% e a melancia -11,54%. O preço do tomate registrou recuo de 9,32%.
Apenas dois grupos apresentaram taxas negativas em abril. Os transportes são um deles, que tiveram queda média de 0,14%, por causa do recuo nos preços da gasolina comum (-3,18%) e da passagem de ônibus interestadual (-1,22%). Já os artigos residenciais registraram uma pequena redução de 0,17%, com destaque para o recuo dos preços do armário para copa e cozinha (-8,45%), do lençol de casal (-7,04%) e estante (-6,17%).
Feijão preto e outras leguminosas podem ser opção
Preterido pelos brasileiros, o feijão preto pode ser uma opção para driblar os preços altos do tipo carioca. É o que recomenda a Associação das Donas de Casa do Estado de Goiás (ADC/GO).
De acordo com a vice-presidente da entidade, Jacy Ribeiro de Moura, é possível encontrar essa variedade por valores mais atrativos. Ela recomenda ainda pesquisar o preço do produto em diferentes estabelecimentos, mas alerta: comprar no próprio bairro pode ser mais vantajoso do que longe de casa.
Jacy sugere também que pelo menos três vezes por semana o feijão dê lugar a outros pratos, como o macarrão ou o estrogonofe. “Esperamos que os preços caiam, mas enquanto não acontece a dona de casa precisa reduzir o consumo para forçar essa queda”, ensina.
Mas a tarefa não é tão simples, principalmente se os dados do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento forem levados em consideração. De acordo com a pasta, de cada dez brasileiros, sete consomem diariamente a leguminosa. Em média, por ano, cada pessoa ingere 19 quilos de feijão.
“O Brasil e a China são os maiores consumidores mundiais de feijão, seguidos do México”, explica a professora da Escola de Agronomia e Engenharia de Alimentos da Universidade Federal de Goiás (UFG), Patrícia Pinheiro da Cunha.
A substituição do feijão por outros alimentos precisa ser pensada não apenas do ponto de vista econômico, mas também sob a perspectiva nutricional. É o que defende a professora da Faculdade de Nutrição (Fanut) da UFG, Raquel Santiago.
Para ela, muitas vezes, a troca do feijão por outros alimentos nem sempre produz uma redução significativa nos gastos domésticos. Raquel recomenda que outros tipos de leguminosas - como o grão de bico, a soja ou a lentilha, que possuem rendimento nutricional tão alto quanto o feijão - sejam a primeira opção na hora driblar os altos preços.
Patrícia lembra que o feijão tem elevado valor nutricional. Cada 100 gramas dessa leguminosa possui 20 de proteína, 60 de carboidratos, 16 de fibra e 14 gramas de resíduo mineral, entre eles ferro, fósforo, magnésio, cálcio, zinco, cobre e selênio. Junto com o arroz, o feijão forma uma dupla poderosa, que produz proteína equivalente à da carne.
Made in China
Se o consumidor precisa conviver com as oscilações no preço do feijão carioca, ocasionadas também pela falta de mercado para exportar o produto, o mesmo não acontece com o tipo preto. “As trocas comerciais ajudam a regular a oferta e a demanda no mercado”, explica o pesquisador da Embrapa Arroz e Feijão, Alcido Elenor Wander.
Essa variedade, que ocupa 21% a área plantada e é consumida principalmente no Sul do Brasil, segundo dados da Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, desperta desde o ano passado a atenção dos produtores chineses.
A venda do feijão made in China em território brasileiro é resultado de acordos comerciais envolvendo a exportação da soja. Para Wander, o Brasil não tem dado a devida importância para essa questão. “Sabemos muito pouco sobre a forma de cultivo do feijão preto chinês. Como ele é produzido? Quais insumos são usados?”, questiona.
Não é possível prever se haverá uma guerra diplomática entre Brasil e China pelo mercado dessa variedade da leguminosa. As guerras, no entanto, de acordo com a história, foram benéficas para que feijão se espalhasse pelas mais remotas regiões do mundo.
Segundo o professor da Faculdade de Ciências Sociais e Agrárias de Itapeva, Luiz Cláudio Nogueira, no artigo Feijão – origem e características culturais, o alimento era parte essencial da dieta dos soldados. “As ruínas da antiga Troia revelam evidências de que os feijões eram o prato favorito dos robustos guerreiros troianos”, exemplifica.