Valorizar a agricultura familiar
Quem conhece pouco o Estado de Goiás pode pensar que aqui só existem grandes fazendas de gado, cana e soja para exportação. Mas o Estado também abriga muitos agricultores familiares com sistemas de produção diversificados que garantem boa parte dos alimentos consumidos pela população urbana. São 88.436 estabelecimentos familiares ocupando 3,3 milhões de hectares, com média de 37 ha por estabelecimento (agricultores de maior porte representam 47.247 estabelecimentos). Do total de estabelecimentos familiares, 14.750 estão localizados nos 287 assentamentos do Estado e os demais 73.686 seriam agricultores familiares tradicionais (não assentados).
A agricultura familiar no Estado de Goiás tem grande potencial para contribuir com o desenvolvimento regional. Esses agricultores contam com situação fundiária e condições de trabalho consolidadas, que garantem segurança para o agricultor investir em sua propriedade. A maior parte da força de trabalho está voltada para a própria propriedade de onde tiram a maior parte de sua renda. Relacionado ao acesso dos agricultores à infraestrutura, as condições encontradas também indicam potencial significativo para a produção. A maior parte dos agricultores tem acesso à energia elétrica, à água dentro ou próximo de casa e a telefone (fixo ou celular).
Apesar do grande potencial de desenvolvimento regional, os agricultores familiares enfrentam limitações para sua consolidação. Um estudo da UFG nos 16 municípios do território do Vale do Rio Vermelho (TVRV) revelou que os sistemas de produção são pouco diversificados, com concentração de atividades em torno da pecuária leiteira. Dos agricultores familiares do território, 93% criam gado para a produção de leite, apenas 6% fazem horticultura e apenas 16% têm fruticultura em sua propriedade. A agricultura anual é pouco representativa. Agricultores mais diversificados têm maiores possibilidades para compor sua renda. No estudo foi identificado que a renda anual agropecuária (excluindo aposentadoria e outros) dos agricultores que tinham apenas gado foi de R$ 15.903,00, dos agricultores que tinham gado e horticultura foi de R$ 24.974,00 e dos agricultores com gado e fruticultura foi de R$ 66.507,00.
O estudo revelou ainda o baixo grau de uso de tecnologias básicas de produção agropecuária. 85% dos agricultores informaram não dominar a irrigação e apenas 13% indicaram conseguir fazer a irrigação para todas as culturas de interesse. A irrigação é particularmente relevante para o Cerrado por permitir produzir na época de seca, proporcionando a diversificação do sistema de produção com o cultivo de hortas e frutas. 72% dos agricultores não fazem correção e adubação do solo, 11% fazem de acordo com sua intuição e apenas 17% seguem a recomendação técnica. A correção e adubação do solo permitem aumentar a produtividade, particularmente para o Cerrado que tem os solos mais pobres do Brasil.
As práticas de manejo de gado também representam um indicador importante, particularmente para agricultores que têm na pecuária leiteira a sua principal atividade econômica. Como os agricultores familiares do território têm áreas relativamente pequenas que limitam o crescimento da atividade extensiva, a lotação de animais por área é um indicador relevante de sua capacidade de manejo. A maior parte dos agricultores faz criação extensiva de gado, alcançando baixa lotação de animais por área. No Território, 90% das famílias conseguem criar de zero a duas vacas por hectare e apenas 10% das famílias criam de duas a quatro vacas por hectare.
Esses dados apontam para a necessidade da implementação efetiva de políticas municipais, estaduais e federais em apoio ao setor familiar como forma de ampliar sua contribuição para o desenvolvimento regional, geração de emprego e renda e segurança alimentar. A construção de tecnologias adaptadas feita em conjunto com os agricultores tem um papel fundamental para o desenvolvimento do setor, em particular nas atividades já estabelecidas como a pecuária leiteira. Também é fundamental pensar em alternativas para diversificar os sistemas de produção, garantindo a segurança alimentar das famílias e fontes alternativas de renda. As possibilidades a serem discutidas com os agricultores incluem horticultura, fruticultura, cultivos anuais, produtos do Cerrado e agroindústria.
A construção de alternativas de apoio ao desenvolvimento regional representado pela agricultura familiar será o foco da Agro Centro-Oeste deste ano, a ser realizada na UFG entre 13 e 16 de junho. A feira trará a exposição de produtos da agricultura familiar que vão de hortaliças a polpas de frutas expostos em 20 estandes de cooperativas e uma feira-livre. Também haverá seminários para discutir temas relacionados ao desenvolvimento da agricultura familiar passando pela importância da assistência técnica, da educação no campo e da agroindústria familiar. Com essa missão estarão reunidos municípios, Estado, governo federal, instituições de ensino, pesquisa e educação e agricultores e suas organizações representativas. A feira será aberta para a visitação e contará com programação cultural, oficinas de educação ambiental e diferentes espaços para a participação de estudantes.
Gabriel Medina é professor da Escola de Agronomia e Engenharia de Alimentos da UFG