E o voto nulo?

O temor do voto nulo ronda a presente eleição municipal. Não tenho notícia de outro fator comum às diferentes localidades, ou às mais importantes – as capitais –, a marcar tanto o momento pré-eleitoral. Somados nas pesquisas, a ausência das urnas, o voto branco e o nulo criam um absenteísmo de 40% a mais. É como se estivesse persistindo e ganhando estrutura um contraste de difícil harmonização entre vigorosas tendências da opinião pública e o chamado mundo político.

Ante os cenários previsíveis no debate, os candidatos ficam de cabelo em pé, exceto os líderes de intenção de voto. Para estes, as vitórias projetadas independem se a anulação vier em pequenos índices ou em enxurrada, na medida em que, mantidas as tendências captadas nas pesquisas, suas vantagens também o serão. Sem dúvida um pensamento tacanho e passível de tremendo erro tático, pois a força do futuro governante para negociar com a Câmara e os aliados, assim como para dialogar com a imprensa, os movimentos sociais e entidades civis, será menor.

Embora haja concordância geral sobre as causas do sentimento de indiferença ou repúdio à política e a seus agentes, difere-se na qualificação ético-política do fenômeno. São muitos escândalos, CPIs, corrupção e desfaçatez dos políticos, tanto que podemos pular essa parte. A crise moral e ética exige, no mínimo, reflexão e esforço dos de boa-fé, para daí se procurar alguma lição ou sinais para os próximos encaminhamentos.

Discordo de se tratar o voto nulo como opção indigna ou ilegítima. Se o voto em branco indica falta de identificação ou de informação perante as alternativas postas – ambas devido à incapacidade e/ou descrédito dos responsáveis por veicula-las (os partidos e candidatos), o nulo supõe, em teoria, algum conhecimento e julgamento severo dirigido a essas figuras. Nega-se o sistema em conjunto, uma reação lógica no escopo republicano, capaz de conter, como denúncia coletiva, um impulso regenerador. Como vejo, o conteúdo de ilegitimidade é menor do que o de crítica contundente ao sistema político. Variantes amenas dessa postura estão em, intencionalmente, votar em branco ou meramente não comparecer às urnas.

Dito isso, vale explicitar que evito a todo custo praticar e recomendar o voto nulo. Não é fácil! Busco apoio em uma concepção antecedente à constatação de nossa miséria política: ao negar o sistema, o indivíduo decreta também o desligamento racional do seu vínculo com a comunidade, do modo como suas forças componentes estabelecem instrumentos para lidar com as contradições, os dilemas comuns e o futuro comum a todos. O ato de anular pode ser um tiro no pé, que fragiliza a mensagem pretendida, já que vira as costas para a sequência das contendas institucionais.

Por isso, nas eleições brasileiras recentes a grande maioria resolve o drama com uma técnica de dentro do sistema: o voto útil, o mal menor. A percepção extraída das pesquisas qualitativas é de que, entre outros atributos, a natureza da política a converte num campo restritíssimo. Nele vivemos a dualidade inevitável de expressarmos vontades ideais e agirmos sob as imposições da realidade, quase sempre contrárias entre si. Nas eleições esse drama faz-se mais intenso e visível.

Em 2004 e 2008, como hoje, faltando um mês exato para a votação, a inclinação para o absenteísmo de que falamos já regredia para menos de 15%. Agora fala-se bastante da força disseminadora das redes virtuais, para denegrir as instituições e apontar a anulação do voto. Qualquer um pode localizar pelo menos seis sites com esse apelo. Também neles o contraditório do senso de realidade pode emergir e gerar contracorrentes, pois ali se fala do mundo real.

Desde o retorno à democracia no país, cada eleição tem tido uma vedete. Será que 2012 ficará lembrado pelo tema do voto nulo? Aguardemos os resultados. E os Justos Veríssimos já se acostumem a ver suas batatas assando.

 

Pedro Célio Alves Borges é professor na Faculdade de Ciências Sociais da UFG e representante da UFG no Conselho Estadual das Cidades

Fonte: O Popular