SOS Goiânia: soluções práticas para a cidade

Diene Batista Repórter de Comunidades

Saúde, segurança e mobilidade, apontados como alguns dos principais problemas da capital, podem ser minimizados por meio de decisões objetivas

Ao sabor das pesquisas, Goiânia vai do céu ao inferno. Se de acordo com levantamento do Ibope divulgado em maio deste ano, a capital tem a melhor infraestrutura entre as maiores cidades do País, dados do Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Huma­nos (ONU-Habitat) colocam o município como o mais desigual em toda a América Latina e o Caribe. Entre políticos e especialistas, há quem questione e até rebata essas análises. 
Apesar das controvérsias, a população conhece bem os problemas de Goiânia. Números da pesquisa Ipem/Tribuna divulgados na edição da última semana revelam que 70% dos participantes do estudo consideram a saúde o principal gargalo da cidade. E não é para menos: quem precisa de atendimento nos Centros de Aten­dimento Integral à Saúde (Cais) e Centros Integrados de Assistência Médico Sanitária (Ciams) da capital convive com a demora no atendimento e falta de materiais básicos. 
A segurança pública foi apontada por mais de 50% dos entrevistados como um grande problema atual da gestão de Goiânia. Os cidadãos também estão insatisfeitos com a mobilidade urbana. Mais de 18% dos entrevistados reprovaram o transporte público e 11,3% con­sideram o trânsito como um problema. Quem depende desse sistema para circular por Goiânia convive com veículos lotados e atrasados, além de terminais em péssimas condições. Quem usa carro ou moto também não está em melhor situação e precisa enfrentar um trânsito caótico e cada vez mais travado. 
É possível solucionar esses problemas? A resposta positiva depende do gerenciamento adequado de recursos, como no caso da saúde e da implantação de medidas que têm eficácia comprovada, mas  desagradam alguns setores as sociedade. A Tribuna conversou com especialistas e apresenta soluções práticas para os gargalos da capital.


Saúde

Organizações Sociais (OS), a alternativa para a gestão

"Terceirização impede o controle de recursos públicos e gera perda da estabilidade de médicos”

Leonardo Reis, presidente do Simego

“ Saúde em Goiânia precisa de mais investimentos. Recursos precisam ser melhor gerenciados”

Salomão Rodrigues Filho, presidente da Cremego

Goiânia possui dois hospitais sob o comando da prefeitura - as  Mater­nidades Dona Iris,  inau­gur­ada recentemente, e a Maternidade Nascer Cida­dão. Além disso, quem precisa do município para conseguir atendimentos na área da saúde conta - ou deveria contar - com o atendimento em 11 Cen­tros de Atendimento Inte­gral à Saúde (Cais) e em três Centros Integrados de Assistência Médico Sani­tária (Ciams) espalhados pela cidade.
O atendimento, po­rém, deixa a desejar. Falta material básico - de itens de limpeza a remédios - destaca o presidente do Conselho Regional de Medicina do Estado de Goiás (Cremego), Salo­mão Ro­dri­gues Filho. Colocar a Mater­nidade Nascer Cidadão, Cais e Ciams nas mãos das chamadas Organizações So­ciais de Saúde (OSS), poderia melhorar o serviço prestado? A Mate­r­nidade Dona Iris, lembra o presidente do Cremego, já é administrada em parceria com a Universidade Fe­deral de Goiás (UFG). 
Para ele, a terceirização não é via mais adequada para o setor em Goiânia. Rodrigues de­fende um que mais recursos sejam destinados para o setor em Goiânia. Além disso, o montante disponível deveria ser melhor gerenciado.  Com isso, seria possível aprimorar a estrutura física das unidades de saúde e supri-las com os medicamentos necessários para o atendimento da população. 
Um dos principais argumentos de quem defende a terceirização de hospitais é a desburocratização dos processos licitatórios, o que resolveria, por exemplo, a falta de medicamentos e outros materiais. Para o presidente do  Sin­dicato dos Médicos de Goiás (Si­mego), Leo­nardo Reis, esse ponto favorável às OSS é, na verdade, uma das principais brechas desse tipo de administração.  “Isso impede o controle dos recursos públicos”, ressalta, criticando também a perda da estabilidade de funcionários e médicos como um ponto negativo da terceirização da saúde.


Segurança pública

Restrição do horário de venda de bebidas alcoólicas

“ Essa ‘lei seca’ ajuda a combater a criminalidade, mas é preciso fiscalizar com rigor sua aplicação”

Bernardo Boclin, promotor da área Criminal e de Segurança

“ Iniciativas como esta são equivocadas e pirotécnicas. Bares geram mais empregos do que construção civil”

Newton Pereira, conselheiro da Abrasel Goiás

Fechar bares uma hora mais cedo reduz a violência em 16%. O dado é de um estudo desenvolvido pelo Instituto Norueguês de Pesquisa sobre Álcool e Drogas em parceria com o Instituto Sueco de Pesquisa Social na Noruega. Ainda segundo a pesquisa, cada hora a mais de funcionamento resulta no aumento, na mesma proporção, de ocorrências envolvendo violência e álcool. O estudo conclui que restringir o horário da venda de bebidas - uma espécie de "lei seca" - pode evitar a escalada da criminalidade. 
A medida já foi adotada no Entorno do DF, com resultados bastante satisfatórios, diz o coordenador do Centro de Apoio Opera­cional (CAO) Criminal e da Segurança do Ministério Público Estadual de Goiás (MPE-GO), promotor Ber­nar­do Boclin. Na região, estabelecimentos que comercializavam bebidas alcoólicas passaram a funcionar no período entre as 6 horas e à meia-noite. O horário só era extendido até as 2 horas do dia seguinte nas sextas-feiras, sábados, domingos e vésperas de feriados. 
"O álcool é, sem dúvida, um fator que impulsiona a violência", avalia o promotor, ressaltando que apenas a implantação de um projeto nesses moldes em Goiânia não solucionaria o problema. A iniciativa seria apenas uma, entre várias outras, que também devem ser adotadas, como o aumento do número de policiais e o incremento nos aparatos que investigação. Para funcionar a contento, dependeria também da fiscalização da prefeitura.  
Já para quem atua no ramo de bebidas e alimentos a medida é - literalmente - um mau negócio. O vice-presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), Newton Pereira, é taxativo: leis como essa são “equivocadas e pirotécnicas”. Para ele, a medida não seria bem recebida em Goiânia, uma vez que os  bares da capital também promovem cultura e entretenimento. “O segmento gera mais empregos do que a construção civil e as conseqüências econômicas seriam desastrosas”, prevê.


Mobilidade urbana

 

Escalonar funcionamento de repartições e comércio

“ Escalonamento de horários pode melhorar a fluidez do trânsito, destravar vias e favorecer os meios coletivos”

Benjamin, professor de Engenharia de Trânsito da PUC Goiás

“ O transporte individual deve financiar melhorias no transporte coletivo por meio de um fundo”

Aristides Moysés, do mestrado em Planejamento Territorial da PUC-GO

Adotar um escalonamento de horários pode melhorar a fluidez do trânsito de Goiânia. Nesse caso,   as instituições de ensino funcionariam a partir das 07h30, o comércio abriria as portas às 09h e o serviço público iniciaria o expediente às 10h. O professor de Engenharia de Trânsito da Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC Goiás), Benja­mim Jorge Rodrigues dos San­tos, é um dos defensores da adoção dessa escala. 
Para ele, além de destravar as vias, congestionadas pelo aumento crescente do número de veículos, o escalonamento pode contribuir para a melhora do transporte coletivo. Já o coordenador do mestrado em Planejamento Territorial da PUC Goiás, Aristides Moysés, vê a proposta com desconfiança. Ele lembra que a cidade funciona como um todo e a mudança no funcionamento do comércio, por exemplo, geraria alterações na rotina do restante da cidade. “Se não houver uma compatibilidade de horários podem ocorrer transtornos”, analisa. 
Mesmo com posições contrárias, tanto Moysés quanto Santos assinalam que é preciso investir em formas coletivas de locomoção, como os ônibus, e não no transporte individual. O professor de Engenharia de Trânsito propõe que um plano integrado de trânsito seja criado e implementado em Goiânia. Com esse planejamento, seria possível, por exemplo, prever  a construção de viadutos, trincheiras e de outros modais, como o Veículo Leve sobre Trilhos (VLT).
Para Moysés, o transporte individual deveria financiar melhorias em outras formas de locomoção. “Toda vez que um carro fosse vendido, parte do montante pago iria para um fundo que seria usado para fortalecer o transporte coletivo”, sugere. Porém, mesmo com melhorias, mudar a cultura do transporte individual é uma tarefa complicada. Afinal, quem deixaria o conforto de um carro para dividir espaço dentro dos abarrotados ônibus?
Dirigir um carro também é uma questão e status. “Culturalmente, usar o transporte coletivo ainda é uma espécie de ‘rebaixamento’ na escala social”, critica Moysés.